I 1.2 A caverna

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Era ali. Naquela altura, na direção do mar, estava a Ilha. Enquanto contornavam lentamente as árvores da mata fechada, Mani sentiu seus dedos se enroscarem na crina do cavalo. Passando a mão em sua nuca forte, pensou: Me perdoe. Então, decidida, tomou o controle. O animal deu uma forte guinada para a esquerda e o taú se agarrou a ela, enquanto o cavalo corria. Uma perseguição começou e Hannah sentiu os galhos das árvores riscando a sua pele com violência. O taú às suas costas gritava e tentava tomar o controle das rédeas do animal, mas o cavalo não obedeceria. Ele não era mais um cavalo.

Hannah olhou para trás, garantindo que todos os taús da pequena comitiva a perseguiam. A mata continuava fechada por mais alguns metros e ainda não era possível ver a praia. Ela se concentrou, sentindo sua energia fluir, descer pelas suas pernas e encontrar a grama, que agora já se misturava à areia fofa. Agora, ela não era apenas Mani, naquele corpo pequeno e cansado. Ela era o cavalo que montava, os cavalos que levavam os taús, ela era a areia e, finalmente, ela era o mar.

Quando as árvores ficaram mais escassas, o seu cavalo galopou pela areia em direção à enorme onda que vinha à sua frente. Ela ouviu os berros aterrorizados dos taús e ficou com falta de ar, quando o homem às suas costas apertou forte seu corpo, tentando derrubá-la, mas o cavalo não parou. Nem o seu, nem os outros. Eles seguiram em direção à onda, em alta velocidade, determinados. Quando Mani sentiu as primeiras gotas salgadas nos seus cabelos, ela saltou, levando consigo o taú.

Com a violência da onda, eles se separaram e Hannah nadou para o fundo, tentando escapar do círculo vicioso que se formaria. Lá embaixo, ela abriu os olhos e viu, contra a luz, a confusão de homens e cavalos, sendo levados pela força da água. Se concentrou ainda mais, trazendo a água para si, para o fundo. Ela viu o desespero, o terror, a dor da água invadindo seus pulmões.

Tentando manter a cabeça fria, ela contou: cinco, seis, sete taús mortos. Entre eles o líder, o homem barbudo com a cicatriz no rosto. Três ainda se debatiam, lutando contra as fortes ondas. Ela se concentrou e puxou a água ainda mais para si, formando um redemoinho fatal. Ela viu o mestre da lâmina, suas vestes fluidas se enrolando em seu corpo e relevando suas pernas magricelas. Ele lutou por mais alguns segundos e parou, inconsciente.

Mais dois ainda respiravam e ela mesma estava ficando sem ar. Tirando a lâmina de sua mãe do esconderijo no decote, nadou até o mais próximo e, segurando sua cabeça pelos cabelos, cortou o seu pescoço. O sangue manchou a água ao seu redor e ela demorou alguns segundos para encontrar o último taú, mas quando o avistou, percebeu que já estava morto.

Emergiu, seu peito doendo pela falta de ar. Surpresa, viu que um cavalo ao seu lado ainda estava vivo. Usando o resto de suas forças, ela tocou sua nuca e, amansando as ondas, o conduziu até a areia, onde ele tombou, exausto. Ela caiu ao seu lado, tentando recuperar o fôlego, mas sabia que não tinha muito tempo. Usara muita energia, denunciando a sua presença. Estava esgotada e sozinha, era uma presa fácil. Precisava sair dali o mais rápido possível. Tomou um minuto para ver a destruição que causara. O restante da praia estava como antes, as ondas suaves desenhando seu rumo até a areia, enquanto ali a orla havia sido devastada pela força do mar. Pela sua força. 

Viu os corpos boiando e os contou novamente: dez homens, nove cavalos. Mais dezenove mortes na sua lista, pensou, pesarosa. Sentindo as pernas tremerem, se ergueu e começou a caminhada até a mata. Não muito do longe dali, ela encontraria uma caverna. Era uma das poucas entradas para a Ilha. 

***

Todos esperavam no salão principal, quando a comitiva de Ür entrou. O Kral Rariff deu os primeiros passos no salão, e as reverências tomaram o ambiente. O clima na fortaleza era um turbilhão de sentimentos, confusos e desconexos. Havia o luto pelos que se foram. Havia a dor dos feridos. Havia o medo dos que entendiam que a guerra chegara. Havia a insegurança pelo futuro. Shailaja não era mais segura. Para onde iriam? A maioria sabia que não tinha chance de sobreviver a uma guerra sem a proteção dos Rariff. Ao final do salão, Noa aguardou enquanto seu tio cruzava o corredor de pessoas, seus passos pesados ecoando no ambiente.

O Portal II | Livro 2 - DegustaçãoOnde histórias criam vida. Descubra agora