II 2.1 Adij Rariff

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Assim que entrou na fortaleza, Christine teve certeza: jamais estivera em um lugar tão luxuoso. A viagem até Adij Rariff havia sido desconfortável e até tediosa, exceto pelos momentos em que Bryanna ameaçara passar mal. Finalmente, após longas horas, elas chegaram a uma estrada que subia até se perder de vista. A fortaleza dos Nolwenn Rariff ficava no topo de uma montanha e os ventos eram tão fortes que balançavam a carruagem. Concentrada, Serena passara grande parte da viagem alisando a carta de Gaetana, tentando extrair qualquer outra informação sobre o estado de saúde de Hannah, mas todos seus esforços foram inúteis.

A subida terminou e elas se viram cruzando um lindo campo, cercado por uma floresta de árvores compridas, com folhas de um verde tão escuro que pareciam negras. Passaram por um portão de pedra, guardado por inúmeros soldados do exército, e, colocando a cabeça para fora da carruagem, Chris avistou a casa do clã Rariff. Assim como Shailaja, a fortaleza dos Nolwenn Rariff erguia seus cumes pontudos para os céus, mas era infinitamente mais alta, quase alcançando as nuvens mais baixas. A construção era toda de pedra, com finas janelas pontiagudas que pareciam ultrapassar vários andares. No topo da mais elevada torre, Chris pôde ver uma grande estrela de Alim, feita de ferro retorcido, suas pontas sumindo na névoa.

Quando desceram da carruagem, sentiu o vento frio contra os seus braços e ajeitou o casaco de peles que usava. Ela foi surpreendida por uma multidão de criados, que iam de um lado para o outro, carregando malas, dando orientações e ajudando damas que se embolavam com seus vestidos armados. Olhando ao redor, percebeu que aqueles que seguiram a cavalo não estavam ali. Devem estar nas cocheiras, pensou. Quatro criados surgiram e pegaram suas malas, perguntando, com cortesia, seus nomes. Como fora amplamente cochichado nos últimos dias em Shailaja, todos os herdeiros ficariam na Ala do Kaal, enquanto os outros seriam alocados na Ala Oeste. Christine não era uma herdeira e ficou gratamente surpresa quando o criado informou que ela também seria acomodada na Ala do Kaal.

Caminharam pela grama fresca até cruzarem mais um portão de pedra. Uma pesada porta dupla já estava aberta, seguramente protegida por mais de dez guardas. Ela atravessou a entrada, mas logo parou, diante da tamanha ostentação de riqueza à sua frente. Estavam no salão de entrada dos Rariff, um ambiente amplo, lotado de quadros e lustres luminosos. Ela ouviu seus passos hesitantes contra o piso de pedra azul escuro até que eles foram amansados pelo maior tapete que já vira, todo bordado com fios de prata. Ela seguiu os criados, que caminharam apressados pelo tapete, que subia por uma escadaria. No alto da escada, ela viu um grande vitral. Erguendo o olhar, percebeu que ele erguia por ao menos cinco andares. Era a figura de uma bela mulher de cabelos brancos, que escorriam pelas suas costas, amamentando um pequeno bebê em seu seio direito. No lugar do seio esquerdo, um grande coração vermelho pulsava e, dele, saíam duas asas alaranjadas. Vashï Bahija, identificou Christine, impressionada com a beleza da obra. 

A escadaria se dividia e ela olhou para os lados, sentindo-se perdida.

- Venha, Chris – chamou Serena, que já se adiantava pelo canto direito da escada. Os criados subiram mais dois lances até que, finalmente, eles chegaram ao terceiro andar.

- A Ala do Kaal, senhoritas – anunciou um criado mais velho, já grisalho, usando uma sóbria túnica azul marinho. Eles passaram por uma porta dupla de madeira escura e atravessaram um corredor, iluminado por inúmeras tochas. A cada pilastra, Christine via uma outra porta de madeira e, quando ouviu a voz de Adaeze Afia atrás de uma delas, percebeu que se tratava dos quartos. Por fim, o corredor levou até uma ampla sala retangular, com poltronas e sofás de couro tegalaanês, ao menos quatro lareiras e três mesas para o carteado. Ali, as finas janelas, que não tinham mais que dois palmos de largura, subiam do chão ao teto, terminando em afiados cumes. Os raios de Amandeep já se punham e riscavam o chão com seus feixes claros, contra o piso escuro.

Através das janelas, se tinha a vista de Adij Rariff: o pátio verde lá embaixo, a montanha que descia até a cidadela e, ao fundo, o mar revolto, batendo violentamente contra as rochas. Por um momento, Chris refletiu que, apesar da bela vista, aquela fortaleza parecia ainda mais claustrofóbica que Shailaja. Depois, seu olhar vagou para a esquerda e ela viu Joshua Blake e Liam Roparzh se acomodando em seus quartos, bem diante da sala de estar. Ela deu alguns passos nessa direção e percebeu que o final do corredor se estendia sem outras portas por muitos metros até terminar em mais uma entrada de madeira, maior e mais isolada das outras. Os aposentos de Rariff, pensou.

- Por aqui, senhoritas – chamou o criado e ela o seguiu. Liam Roparzh ocupa o primeiro quarto após o de Rariff, observou, logo depois vem Joshua Blake.

- A senhorita ficará aqui – indicou o criado a Serena, abrindo a porta seguinte para ela. Interessante, pensou Chris, notando que Serena estaria bem ao lado de Blake.

- Já a senhorita ficará neste – apontou o criado, abrindo a porta logo em seguida.

- E Srta. Yahia, não é mesmo? – Bryanna confirmou e seguiu o criado, voltando quase para o começo do corredor, na outra extremidade da ala. Christine abafou uma risada, quando Bryanna olhou para trás, confusa. Apesar de todas as suas preocupações, o kaal teve o cuidado de alocar Liam sob sua vista e Bia o mais distante possível dele, refletiu.

Ela entrou em seu quarto e viu, com prazer, a grande cama coberta por felpudos cobertores de pelos, muitas almofadas e a lareira acesa. Alguém havia recheado os jarros de água com magnólias de Amadum, que exalavam um cheiro doce e fresco. O criado pousou a sua mala em um canto do quarto e informou que uma serva chegaria em breve para ajudá-la a guardar tudo.

- Não será necessário – disse Chris, dispensando o serviço. – Peço que me deixe sozinha.

Uma outra porta dava para um banheiro de um tamanho absolutamente desnecessário. Era quase tão grande quanto o quarto, com uma banheira imensa sobre o chão de mármore negro. Satisfeita, ela viu que a água estava quente. Deixou o casaco em cima de uma poltrona e desabotoou o vestido, largando-o sobre uma bancada. Ali também havia um jarro com flores e ela pegou uma magnólia entre os dedos, levando-a para a banheira consigo. Sentiu a água quente receber seu corpo, colando as pontas dos seus cabelos na nuca.

Aquela era uma flor característica de Adij Rariff e que muito lembrava a sua casa. O quarto de sua mãe era sempre decorado com essas magnólias, delicadas flores roxas que, com o tempo, iam trocando de cor, ficando azuis e, por fim, esbranquiçadas até restar apenas uma fibra transparente. Apesar da cor escapar das pétalas, a magnólia transparente continuava viva por muitas semanas. Geralmente, na maioria das casas, elas eram descartadas logo que passavam do branco para o transparente, mas na sua casa não era assim. Sua mãe gostava de mantê-las, mesmo sem cor. Ela dizia que uma magnólia poderia perder sua cor, mas ainda seria sempre uma magnólia. Não teria a mesma beleza aos olhos de quem a visse, mas daria a mesma sensação ao toque de quem a tocasse.

O toque suave é mais importante que o olhar admirado, Christine.

Aquela lembrança de sua mãe lhe deu vontade de gritar, mas, em vez disso, escorregou pela banheira, deixando a água cobrir sua cabeça. Quando emergiu, quase ser ar, olhou para a delicada flor molhada entre seus dedos e a esmagou, devagar, destruindo suas pétalas, esfarelando suas membranas até que não sobrasse mais nada.

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