Naruto Uzumaki
"Já está quase pronto". Estava começando a ficar cansado de repetir essas palavras. Desde a hora em que cheguei no escritório, a hora que saí de lá, Kakashi - meu não mais tão adorado chefe - ficou na minha cola perguntando sobre o projeto. A verdade é que ele já está todo esquematizado, basicamente só faltava colocar em prática, além de montar a apresentação, mas preferi não dizer nada por um simples motivo: aquele projeto não era meu.
Eu tinha sim construído o esquema, pensado até nas frases de efeitos, mas se não fosse aquele avião de papel, provavelmente ainda estaria em casa arrancando tufos de cabelo da minha cabeça, ou escrevendo uma mal-educada carta de demissão. Eu devia isso à pessoa que tinha me enviado o avião, e por isso queria terminar o projeto em segredo e ter tempo de mostrar para ela antes de entregá-lo ao cliente. O único problema era que não fazia ideia de quem era meu remetente.
Tinha pensado em inúmeras formas de como aquele avião tinha ido parar ali, chegando até mesmo a teorizar um sonambulismo de minha parte ou quem sabe um transtorno de múltiplas personalidades, mas de acordo com os caras do serviço, se eu fizesse qualquer uma dessas coisas já teria apresentado sinais muitos anos atrás. O que significava que tinha vindo de outra pessoa. As únicas opções que me restavam era que alguém tivesse jogado ele no meu quarto, ou outra pessoa andou entrando na minha casa, e como a primeira tese já tinha sido refutada por não ter qualquer pessoa morando em minha frente, me restava acreditar que alguém estava entrando na minha casa. A questão era quem?
Até onde sabia a única pessoa que poderia ter a chave reserva de meu aperto era o porteiro e ainda assim não tinha muita certeza sobre isso. Além do mais, o homem parecia muito mais interessado em ficar lendo literatura erótica e cantando uma moradora do prédio do que realmente em seu emprego, quem dirá subir até meu apartamento para me enviar bilhetinhos. Duvidava até que ele soubesse meu nome. Se não era o porteiro, então quem deveria ser?
Subi as escadas preguiçoso, jogando a sacola de compras por cima dos ombros enquanto tentava de alguma forma pensar em qualquer teoria que fosse mais plausível. Estava tão entretido nisso, que nem mesmo vi a hora passar e por pouco não perdi o horário. Se já não conhecesse os donos do mercadinho há muito tempo, provavelmente ficaria sem jantar essa noite.
No alto da escada avistei uma mulher espiando pela janela que havia no fim do corredor. Já a tinha visto poucas vezes, mas mal lembrava de seu rosto, quanto mais seu nome. Sendo justo, com a minha rotina eu mal parava em casa, e quando estava em casa, passava mais tempo dentro do apartamento do que pelos corredores para conseguir conhecer bem meus vizinhos.
Assim que me aproximei, ela se virou para me fitar de forma atenta. Estranhei a forma como ela me encarava, como se estivesse esperando que eu dissesse alguma coisa ou fizesse algo, então acenei com a cabeça, um tanto quanto incerto do que dizer.
"Diga boa tarde, idiota"
- Boa tarde - cumprimentei.
- Boa tarde - A vi responder com o que imaginei ser um sorriso.
Era difícil reconhecer expressões com essas máscaras.
- Está meio abafado hoje, né?
- Um pouquinho.
Sem ter a menor ideia de como prosseguir com essa interação - e culpando os meses que passei em quarentena - dei um último aceno e segui até a minha porta, mas ao contrário de mim a mulher se manteve ali, parada diante da janela, me fitando fixamente. Certo, era desconfortável. Engoli em seco sem entender o que diabos estava acontecendo e virei a maçaneta, prestes a entrar quando sua voz me parou.
- Você mora aí?
- Hm, sim - respondi incerto - Há uns anos na verdade. - Completei rapidamente, caso ela estivesse pensando que eu estava invadindo ou coisa assim.
- Ah, é que eu não te vejo muito e não lembrava quem morava aí - Explicou descontraída.
- Entendi.
Mas a verdade é que eu não tinha entendido. Por que ela estava puxando conversa?
- Na verdade, eu estava esperando por você.
"Como?"
- Por quê?
- Isso vai soar meio estranho. - A vi se adiantar, como se estivesse tentando afirmar sua inocência. - E eu juro que não mexi em nada.
- Tudo bem - murmurei confuso.
- É que esses dias, você esqueceu de trancar a porta.
- Como?
- Pois é, você anda esquecendo de trancar a porta, mas eu nunca consigo encontrar você para te de dizer isso - continuou, gesticulando com as mãos como se estivesse tentando tecer as palavras no vento. - E geralmente eu vou trabalhar no começo da tarde e não sei se é uma rajada de vento ou se alguém mexeu, mas sua porta fica aberta.
- Minha porta estava aberta?
- Eu juro que não mexi em nada - insistiu na defensiva. - Eu só venho e fecho, mas achei que fosse bom te avisar.
Embora ridiculamente estúpido, não era surpreendente que eu tivesse largado a porta aberta. Estava estressado a semana inteira e mal conseguia me lembrar onde deixava minhas chaves. Mas a ideia de que tinha deixado a porta aberta era um problema ou talvez uma solução para minha teoria.
"Qualquer um pode ter entrado no meu apartamento."
- Entendi - falei por fim. - Muito obrigado mesmo por me avisar e bom, por ter fechado a porta esses dias.
- Sem problemas, só tome cuidado, está bem?
- Eu vou sim. - Estendi a mão por reflexo, puxando-a rapidamente com um riso constrangido ao me lembrar que não podíamos apertar as mãos. - Muito obrigado... - Deixei as palavras no ar, dando a deixa para que ela me dissesse seu nome.
- Me chamo Tenten - falou animada, acenando para mim. - E você é o?
- Naruto Uzumaki... Acho que eu não precisava ter dito meu sobrenome.
Ri envergonhado das minhas habilidades sociais, todavia a morena riu junto comigo, então acreditei que não tinha ido tão mal assim.
- Bom, eu vou indo - Tenten disse, pegando na beirada da janela uma bolsa que nem mesmo tinha percebido que ela tinha antes. - Foi um prazer, Naruto Uzumaki.
- O prazer foi todo meu, Tenten.
Ela me mandou um sorriso divertido e antes de seguir escadaria abaixo, puxou o celular da bolsa junto com os fones, soltando a música antes de plugá-los. Não conhecia aquela música, mas achei a melodia tão fofa quanto chiclete e entrei no apartamento antes que ela grudasse em meu cérebro. Larguei a sacola sobre o balcão junto com a máscara e corri para o banheiro para lavar as mãos.
O que Tenten tinha me contado mudava completamente as coisas, na verdade aumentava as chances de ser qualquer pessoa do prédio. Sendo realista, os moradores de outros andares não se encaixam muito, afinal por que passariam no meu andar e na frente do meu apartamento que fica ao fim do corredor? Era pouco provável, o que significava que devia ser alguém do meu andar.
Tinham seis pessoas nesse andar, eu e a morena éramos dois deles, mas ela já tinha jurado que não tinha entrado e sinceramente era difícil desacreditar quando alguém te olha com tanta confiança. O que significa que me restavam quatro pessoas, e o fato de eu não lembrar o nome ou rosto de nenhuma delas era frustrante.
Voltei para a cozinha e tirei os legumes da sacola, junto com o macarrão instantâneo, afinal se o tempero fosse feito à mão, a comida instantâneo deixava de ser tão grave assim e ninguém mudaria isso na minha cabeça. Desde que decidi vir para São Paulo, minha mãe fez uma semana intensiva em culinária para eu aprender ao menos o básico para poder sobreviver, e não tinha dúvida de que, se ela me visse agora, estaria desapontada.
- O que os olhos não vêem, o coração não sente. - Pensei divertido e terminei de temperar o macarrão, antes de abandoná-lo no fogão.
Aproveitei os segundos faltantes para carregar o notebook antes que ele desligasse de vez. Ainda tinha que preparar a apresentação e se eu o desligasse, provavelmente não voltaria a ligá-lo tão cedo. Entrei preguiçoso no meu quarto, assistindo por alguns segundos o sol refletir nos meus móveis e espelho, além de um pequeno aviãozinho de papel perdido em meu tapete.
- Eu não tinha jogado você fora? - Perguntei ao objeto, largando o notebook sobre a mesa.
O papel ainda estava amassado e era impressionante que ele ainda conseguisse se manter no formato do origami. O desdobrei com cuidado, nada surpreso ao encontrar todas as letras de música que tínhamos trocado até agora, com uma nova letra embaixo da minha. Já acostumado, pluguei meu notebook no carregador e desbloqueei a tela, dando um "até logo" para uma fanart dos Vingadores e rapidamente abrindo o Google. Digitei com cuidado a letra da música e em segundos a tela do Youtube estava aberta, com o vídeo carregando.
A música começou em uma melodia suave e logo em seguida uma voz rouca chegou aos meus ouvidos. Eu não conhecia o cantor, ou a melodia ou até mesmo a letra, mas assim que a música chegou no refrão senti cada músculo do meu corpo se resetar, o peito me faltar o ar, enquanto quase me jogava sobre o notebook, voltando a música.
O refrão daquela música era simples e particularmente irônico por ter uma letra triste exatamente na parte em que a música ficava mais agitada, mas não foi isso que fez meu cérebro reiniciar.
- Vamos sentar nesse meio-fio e encontrar a Estrela D'Alva - recitei em voz alta acompanhando as palavras que eram cantadas extremamente rápidas.
A letra que estava escrita era exatamente a mesma letra que tinha sido cantada momentos atrás, quando Tenten demorou para plugar o fone em seu celular. Podia ser delírio, mas quantas músicas poderiam ter essa mesma letra? Uma rápida pesquisa no Google me mostrou que nenhuma. Cabelos arco-íris de Kamaitachi. Era essa a música que Tenten estava ouvindo e que agora estava escrita no bilhete que sem saber eu tinha enviado ontem.
A morena tinha prometido que não havia mexido em nada, mas talvez eu tivesse levado muito ao literal. E se ela só tivesse mexido no papel, quando veio fechar a minha porta? E se ela tivesse entrado para saber se não tinha ninguém aqui dentro antes de fechar a porta, encontrou a minha folha e pensou que seria divertido responder? E se hoje não foi acidente, mas na verdade ela me deixou ouvir parte da música, para que quando eu encontrasse o bilhete descobrisse quem ela era? Talvez ela só não tivesse coragem ou quem sabe ficou com vergonha ou até com receio de eu pensar mal sobre ela por ter entrado no meu apartamento e por isso não me contou pessoalmente.
Eram todas suposições e quando eu repeti em voz alta, me pareceu um delírio personificado e, no entanto, fazia total sentido para mim. Embora eu não soubesse porque ela decidiu escrever naquele papel, ou até mesmo ir até meu quarto, não importava. Em tantos dias, essa parecia a teoria mais plausível que eu já tinha encontrado.
Com as energias renovadas, deixei o almoço de lado e comecei a trabalhar na apresentação do trabalho, abrindo o Canva enquanto ajeitava o aviãozinho em sua forma original, pregando-o em minha parede. O pequeno papel no meio do azul, mesmo que estreito, parecia extremamente solitário, dando-me outra ideia. Comecei a digitar o mais veloz que conseguia, me pegando algumas vezes mal olhando para o teclado e quando terminei, segui para a segunda fase do meu trabalho.
Fiquei tão distraído que foi difícil me lembrar onde tinha enfiado meu celular, mas graças ao ronco do meu estômago, encontrei o Samsung esquecido sobre o balcão. Parei um pouco apenas para esquentar de novo a comida e pensar melhor nas palavras que usaria, e ainda assim, minha cabeça mal parecia me dar tempo de registrar uma informação antes de vir com várias novas. Fazia tempo que não ficava tão animado com um projeto e a melhor parte era que agora eu poderia terminá-lo sem preocupação, pois eu tinha encontrado a razão dele existir. Tenten.
Corri para frente do espelho e ajeitei minha aparência, jogando água gelada no rosto. Cinco vezes para fechar os poros, foi o que o vídeo de skincare tinha ensinado. Era um convite simples, mas precisaria que as pessoas deixassem de lado a vergonha. Ajeitei o cabelo para fora do rosto. Meio molhado meu loiro ficava estranhamente manchado, mas eu até que gostava.
Corri de volta para a cozinha e procurei por algum canto que ficasse decente o suficiente, e acabei decidindo o sofá. O papel de parede de tijolos atrás dava um ar classudo e ao mesmo tempo despojado, que era exatamente o que eu queria para o meu projeto. Tentando deixar de lado a colorimetria que invadia minha mente, abri a câmera do Instagram e comecei a gravar.
- Ei pessoal, como vocês estão? - perguntei para o celular. - Só espero que estejam se cuidando e protegendo suas famílias. Agora para quem respondeu que está entediado, bom eu entendo vocês, na verdade, eu entendo muito bem. Passei dias me perguntando como seria juntar as férias do carnaval com as do Natal, só para poder ficar em casa e agora que sei como é, vou confessar que não gostei nadinha - Ri coçando a nuca em um gesto nervoso. - ...Sei lá, acho que o problema de ficar ilhado na própria casa é ficar sozinho. Eu estou literalmente começando a conversar com o meu reflexo para ver se assim quem sabe eu me sinto menos sozinho, mas sinceramente isso só fez eu me sentir um maluco.
"Ou um desesperado por qualquer atenção que fosse" pensei comigo mesmo".
- Aí eu estava pensando, qual a forma de acabar com isso? Obviamente é falando com pessoas, mas quando você tem vergonha de chamar a pessoa isso volta a ser um problema. Além disso, ficar escrevendo mensagens de texto qualquer não é exatamente emocionante, e foi por isso que eu tive uma ideia. - Comecei a explicar, tentando ao máximo não entregar as coisas estranhas que tinham acontecido nesses últimos três dias. - Como vocês sabem pelas minhas postagens, eu tô atuando com o Telegram, e a imagem dele é um aviãozinho de papel. Um avião como este... - Peguei o pequeno e desastroso avião que tinha feito segundos atrás, pondo-o na frente da câmera. - Está horrível, eu sei disso, podem rir. Mas não é isso que importa, o que importa é o que vocês vão fazer com ele. Eu quero que vocês escrevam a letra de uma música no verso dele e depois mire em alguém, de preferência em alguém desconhecido, e envie seu avião para ele. Pode ser um vizinho, alguém estacionado próximo a sua casa, ou até mesmo algum pedestre.
Pausei os stories por alguns segundos, apenas para pegar uma caneca e escrever a primeira letra da música que eu tinha recebido da minha remetente. Me conta da tua janela. Então peguei o celular e voltei a filmar.
- Estão vendo? E embaixo vocês vão escrever um recado e o número de vocês... Assim - disse enquanto escrevia, lendo em voz alta. - Se ficou curioso e quer ouvir mais, me adicione na Telegram. Quero ver as fotos e os vídeos de vocês aprontando por toda São Paulo! - instiguei animado, antes de ficar em silêncio por alguns segundos, antes de terminar o stories. - Eu duvido.
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Nossa Música
Hayran KurguMúsica... O que é música? A criação, a performance, o significado e até mesmo sua definição varia de acordo com a cultura e o contexto social. No novo tempo de pandemia, a música serviu como um calmante para as almas e suas formas de ser apresentad...