você já assistiu a esse filme?

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Eu sei que Han vai me parar no horário de saída, por isso demoro bastante para me trocar enquanto todos vão embora. É dia de semana, então fechamos tarde e não tem delivery. É melhor para ficarmos a sós, ainda que isso me deixe nervoso. Quer dizer, um nervoso meia boca, ele é bom e ruim ao mesmo tempo. É que estou gostando de passar um tempo com Han, ainda que briguemos em quase todos os momentos.

— Fique relaxado — ele aparece atrás de mim e tira a minha jaqueta vagarosamente. Estou tremendo. Era pra ser assim mesmo, produção?

Jisung me empurra pelos ombros para uma cadeira e me faz sentar. Hoje ele colocou uma canção baixinha como plano de fundo e vejo-o trancar a porta do restaurante. Meu medo voltou, quero fugir daqui. Sério, eu me sinto encurralado dessa maneira. Ok, vou parar de pensar que Han sempre tem segundas intenções quando se trata de mim. É porque as pessoas costumam ter segundas intenções em relação a mim. E eu não estou me achando o tal.

— Espera só um minutinho — ele diz.

Volta apressado com duas taças, deixando-me confuso. Será que ele chamou mais alguém? Espero que não, esse momento é nosso. Woah, acho que ele vai comer comigo, então. Traz o vinho e os talheres. Ele vai comer comigo e isso está parecendo um verdadeiro encontro. Sem pânico...

— Duvido você desconhecer esse prato — anuncia ao sair da cozinha com dois pratos em mãos. Põe um deles à minha frente e o outro no seu lado da mesa. — Você já assistiu a esse filme, né?

Sinto o cheiro e avalio as rodelas de dar água na boca. Algo me parece familiar, mas não sei bem o que é. Olho para Jisung, ele imita um rato e então ri da minha cara de tacho. A culpa não é minha se às vezes ele parece meio dodói da cabeça.

Ratatouille? — sugiro.

— Bingo! — ele exclama, sorridente. — Prove, prove, prove!

Eu nunca tinha comido antes, apenas assistido a animação da Disney. Um filme e tanto, bom saber que agora tenho a chance de provar. Jisung não come, apenas está sorrindo enquanto me espera provar. Seu olhar esperançoso e alegre me faz sorrir antes de dar uma garfada e comer. Sinto o gosto da abobrinha e da berinjela e sinto o mundo explodir em enormes sabores de uma única vez. Aquele filme não foi um exagero, isso aqui é muito bom.

— Esplêndido — falo e Jisung sorri.

— Eu já disse que não me importa as suas palavras. Suas expressões são claras, eu sei muito bem o que você está achando — ele decide começar a comer também.

Entre garfadas e doses deste bom vinho, vou me envolvendo numa conversa cheia de risadas e péssimos trocadilhos com ele. Nem sabia quão gostoso seria escutar sua voz por tanto tempo. E sua risada é maravilhosa e fofa. Ele é maravilhoso e fofo. Nem parece tão assustador e nem está se gabando. Às vezes penso que todas essas coisas que acho de Jisung são só invenções da minha cabeça, totalmente diferentes da realidade.

— ... E essa foi a primeira vez que fiquei bêbado lá, foi simplesmente horrível. Começou a chover de repente e esse meu amigo, o qual falei antes... Ele simplesmente me deixou lá no meio da rua. Eu quis socar a cara dele, o filho da mãe me deixou sozinho e sem calça! — ele está me contando uma das suas histórias engraçadas que aconteceu na França. Eu estou rindo porque ele também está atuando e nem sei quanto de vinho eu bebi.

— Um banho de graça, ora bolas! — minha risada sobrepõe a sua.

Jisung me olha estranho.

— O que seria "ora bolas"? — sua expressão confusa é como um orvalho matinal no meu rosto.

— É um termo antigo — nem eu percebo que falo essas coisas de mil séculos atrás. — Eu nem consigo achar palavras agora para substituir. Em falar em expressões antigas, Jisung, devo dizer que você está um pão.

Ele ri contra a boca da taça e dá de ombros. Ainda bem que ele não me pediu para explicar senão eu teria de sair correndo pra fugir disso. Não quero ficar flertando na cara, tenho que fazer isso bem implícito. Às vezes flertar na lata tira todo o encanto dessa arte. O mal deste século é a objetividade do "e aí, vamo fechar?" Deve ser por isso que atualmente grande parte dos relacionamentos não são duradouros.

Aliás, não é que eu esteja querendo algo com ele. Nem sonho, eca! Ele tem suas qualidades e me faz sentir bem, mas não é o meu tipo. Jisung é aquele tipo de pessoa independente. Eu amo gente independente. Mas ele é independente ao extremo e as pessoas costumam precisar dele e não o contrário. Não gostaria de jogar minha felicidade sobre ele e não vê-lo fazer o mesmo, porque ele é o bastante para si mesmo em inúmeras coisas. O amor que tem por si mesmo cobre qualquer amor que ele possa encontrar nessas esquinas movimentadas de Seul.

— Oh, um momento — ele se levanta quando o telefone começa a tocar.

Atualmente estamos desfrutando dessa formosa sobremesa chamada Petit Gâteau e confesso que ela é meu novo amor. Como devagarinho para não acabar rápido e não deixo de notar que Han está conversando em inglês no telefone. Porra, essa criatura fala quantos idiomas, afinal?

Obviamente fala tailandês, massacra no francês, se arrasta no coreano, arrasa no inglês... O que mais? Surpreenda-me, Jisung! O que mais?

— Voltei — senta-se à minha frente.

— Eu vou tentar aprender um pouco de francês — vou falando — Quero ir lá um dia.

— À França?

Não, à puta que pariu.

— Sim — sorrio. — Deve ser mágico. Dizem que lá é a cidade mais romântica...

— ... Quando se tem alguém — ele conclui de uma maneira triste.

— Eu adoraria estar lá sozinho — dou de ombros — Ou talvez com alguém que saiba mais o idioma e possa me guiar.

— Você vai estar usando essa pessoa — pontua ele.

— E daí? — reviro os olhos — Seria divertido, de qualquer jeito.

— Vai que um dia você viaja pra lá? — Han respira fundo e bebe o resto do seu vinho.

Minha vontade é responder: "Só se eu roubar um banco, porque se depender do meu salário..." É melhor eu ficar quieto.

— É verdade — concordo. — Digamos que esse agora é meu sonho.

— Hm. Quantos sonhos você tem? — está interessado demais em mim. Não gosto disso, mesmo que ele esteja sendo simpático. As pessoas costumam gostar de falar sobre si mesmas, mas eu não.

— Só esse — falo a verdade. Ou melhor, meia-verdade. Mudar de vida ainda é meu foco e, caso eu viaje para a França, será a prova de que consegui.

— Curioso — sussurra. — Meu sonho principal é estudar a culinária italiana na Itália.

Quê? Ele morou não sei nem quantos anos na França, veio para a Coréia, abriu um restaurante francês e agora diz que quer estudar na Itália? Ele mudou de opinião ou o quê? Será que faz parte do signo dele não parar quieto? Porque é isso o que estou vendo na minha frente.

— Não fica assim — acho que ele percebe minha mudança de expressão — Sou uma pessoa muito ambiciosa. Quero saber de tudo que tenho interesse. Quem dirá eu transformo esse restaurante num lugar onde pode-se encontrar culinária francesa e italiana?

— Você tem ideias grandiosas — eu reconheço. — Deve conquistar muita coisa nessa vida.

— O que vai acontecer quando você voltar da França? — indaga. Eu nem sei se vou. O legal de sonho é o nome, porque gostamos de pensar que nunca vai acontecer.

— Não sei — falo sinceramente. — Acho que vou encontrar um outro sonho lá na França.

Jisung parece pensar no que falo e sorri. Eu queria não estar gostando disso, mas é impossível forçar meu coração a parar de bater tão forte a essa hora da noite. Merda. Devo estar confuso, eu com certeza não estou gostando dele. Devo ter ficado tanto tempo aturando Chan que esqueci a sensação de ter um amigo novo.

Por favor, Deus, que seja isso. Eu não posso me apaixonar.

Café et Cigarettes • minsungOnde histórias criam vida. Descubra agora