você nunca me chamou de "amor" antes

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Minha cabeça dói. Tomei dois comprimidos antes de dormir e, ao acordar, ainda sinto a mesma coisa de antes. Odeio tomar remédios. Odeio ter de tomar remédios fortes. Convenço a mim mesmo que, sim, é pelo meu bem. A chuva gelada perfura a cidade, as nuvens cinzentas asfixiam as pessoas, o vento afoito chicoteia nossa dignidade e as poças lotadas rasgam nossos calçados. Enfio um gorro laranja na cabeça, ainda que saiba que a atmosfera desbotada irá torná-lo preto e branco. Não me importo. Vou à farmácia.

Há remédios em demasia aqui, mas nenhum me enche os olhos. Peço à atendente de crachá torto o que preciso e ela, prestativa, me aparece com uma cartela. A culpa foi de ontem? Não sei. Talvez eu possa me lembrar que raios eu fiz ontem. Se eu simplesmente pudesse... Mas não. Me peso antes de sair. Ganhei peso. Cinco quilos. Não gosto de ganhar peso, prefiro perder. Jogo a culpa no casaco grosso que estou vestindo, dou de ombros e saio abrindo o guarda-chuva transparente. Me forço a subir as escadas convencionais do metrô, crendo que perderei algumas calorias com um simples par de ramos.

Assim que as portas do vagão se abrem, facilmente desvio de uns corpos esbaforidos e calmamente me dirijo a algum assento. Encosto a cabeça na janela, vejo a paisagem mudar e mudar sem nem estar de fato aqui. Sinto que esqueci a estação da minha casa. Me pergunto se estou mesmo indo para a minha casa. Mas eu acabei de sair de casa, para onde estou indo? Paro de pensar nisso, tiro da mochila o livro de poesias que recebi de Jisung e deito os olhos nas palavras que não faço a mínima ideia do que sejam. "Embrasse moi quand tu voudras", que isso quer dizer? Só conheço embrasse, tu e moi. Só.

Umedeço os lábios, fecho os olhos. Desisto de ler. Não consigo entender. Só consigo me lembrar de como ele cuidou de mim no domingo, me tratou com carinho após as mordidas. Um dia cômico, porém trágico. Só consigo me lembrar da segunda, quando fomos à feirinha e ele me deu dicas como se eu fosse um aprendiz. Esta carne não, mas esta sim. Descasque um pouco o alho antes de comprar para ver se presta mesmo. Toque, toque, toque, aperte. Sente isso? Não está bom. Aperte este. Sentiu? Está ótimo. Vamos levá-lo. Vamos levar este também.

Minha cabeça continua doendo, mas me forço a tentar descansar até que escute o nome da estação que me acordará para a vida. Não passa de jeito nenhum, então terei de tomar o comprimido quando chegar lá. Talvez eu esteja indo ao restaurante, mesmo que ainda seja cedo demais. Meus olhos ardem, as pálpebras estão inchadas. Eu não dormi muito bem. Me pergunto se eu dormi. Me pergunto como foi que cheguei em casa.

Honestamente, eu detesto qualquer festa que Christopher venha a organizar. São festas chiques, requintadas, recheadas de burgueses e temperadas com conversas tão superficiais que me pergunto como conseguem sorrir e brincar um com o outro, sendo que malmente se suportam. Mas eu fui desta vez, porque Chanie disse-me com todas as sílabas: Han Jisung irá. Veja só: Han Jisung numa festa de Christopher! Eu não podia simplesmente perder. Tirei meu único smoking do armário - claro, o mesmo usado em Paris - e confirmei minha presença. E adivinha? A festa era chata. E Han fez o favor de atrasar. Tremi de tensão.

Assim que me viu num canto bebendo espumante, ele veio até mim e ignorou completamente a presença de Hyunjin me importunando. Quer dizer, ele cumprimentou-o com um "boa noite" super formal e um "licença", para então puxar-me a um outro canto. Nunca pensei que ele faria isso, mas veio elogiar-me todo, dizendo que eu estava sensacional e extremamente sexy e não cansava de dizer isso a mim. Claro que fiquei envergonhado - como não? Então criticamos o fato de Chanie fazer o que os pais mandam e, quando ele apareceu, falamos na cara isso para ele. Por sua vez, disse-nos: tudo eu faço por mim mesmo, esses eventos são o único pedido dos meus pais. Eu fiz cara feia e bebi meu espumante. Eu não vi o que Han fez, mas ele passou a mão sem querer na minha bunda. Então Chris foi embora, ficamos sozinhos outra vez.

Café et Cigarettes • minsungOnde histórias criam vida. Descubra agora