CAPÍTULO 3

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A pior coisa nessa história da Amber é que não posso contar para Kat. Não estou acostumada a guardar segredos dela.

Claro, tem um monte de coisas que não contamos uma para outra. Nós conversamos sobre todos os assuntos importantes, mas evitamos detalhes que possam revelar nossa identidade, como nomes de amigos e qualquer coisa específica demais sobre a escola. Todas as coisas que eu achava que me definiam. Mas não penso nelas como segredos. O que temos é mais uma espécie de acordo tácito.

Se Kat for mesmo uma aluna do segundo ano da Seonam, com armário, boletim e perfil no Facebook, tenho certeza de que eu não estaria contando nada para ela. Claro que ela é mesmo uma aluna do segundo ano da Seonam. Eu sei disso. Mas, de certa forma, ela mora no meu laptop. É difícil explicar.

Fui eu que a encontrei. Logo no Tumblr. Foi em agosto, bem quando as aulas estavam começando. Os alunos postavam confissões anônimas e pensamentos aleatórios no Seonamsecrets e as pessoas podiam comentar e tudo mais, ninguém julgava você. Só que entrou em decadência: virou um buraco de fofocas, poesias ruins e citações bíblicas escritas errado. Mas é meio viciante mesmo assim.

Foi lá que encontrei a postagem de Kat. Acabei me identificando. E acho que nem foi só a coisa de ser lésbica. Sei lá. Tinha umas cinco linhas, mas tudo escrito em uma gramática correta, além de estranhamente poético, diferente de qualquer outra coisa que eu já tivesse lido.

Acho que foi a solidão. E é engraçado, porque não me vejo como uma pessoa solitária. Mas foi algo muito familiar no jeito como Kat descreveu o sentimento. Foi como se ela tivesse arrancado a ideia da minha cabeça.

Ela falou sobre como você pode decorar os gestos de uma pessoa, mas nunca saber o que se passa na cabeça dela. E ter a sensação de que todos somos como casas com aposentos enormes e janelas pequenininhas. Sobre como você pode se sentir muito exposto, de uma forma ou de outra. Sobre como ela se sente tão escondida e tão exposta, em relação a ser lésbica. Senti um pânico e uma vergonha estranha quando li essa parte, mas também uma faísca de empolgação. Ela falou sobre o oceano entre as pessoas. E que o objetivo de tudo é encontrar uma margem até a que valha a pena nadar.

Eu precisava conhecer essa garota.

Demorei um pouco, mas reuni coragem para postar a única coisa em que consegui pensar, que foi: "É ISSO". Em letras maiúsculas mesmo. E coloquei meu endereço de e-mail.

Passei a semana seguinte obcecada, me perguntando se ela entraria ou não em contato. E ela entrou. Um pouco depois, me contou que meu comentário a tinha deixado um pouco nervosa. Ela é muito cuidadosa com as coisas. Bem mais cuidadosa do que eu, diga-se de passagem. Resumindo: se Kat descobrir que Amber tem capturas de tela dos nossos e-mails, tenho certeza de que ela vai surtar. Mas de um jeito bem Kat. Ou seja, vai parar de me escrever.

Eu me lembro exatamente da sensação de ver aquela primeira mensagem dela na caixa de entrada. Foi meio surreal. Ela queria saber mais sobre mim. Durante os dias seguintes na escola, me senti uma personagem de um filme. Quase conseguia imaginar um close do meu rosto projetado na telona.

É estranho, porque na realidade eu não sou a protagonista. Talvez a melhor amiga. Acho que nunca me considerei interessante até me tornar interessante para Kat. Então, não posso contar para ela. Prefiro não perdê-la.

Durante a semana inteira, na aula e no ensaio, percebo que Amber tenta fazer contato visual comigo. Sei que é um pouco de covardia. Essa situação toda faz com que eu me sinta uma covarde. E uma idiota, porque já decidi que vou ajudá-la. Ou ceder à chantagem. Como você preferir chamar. Isso me deixa com o estômago embrulhado.

Passo o jantar inteiro distraída. Meus pais estão bem alegres, porque é noite de The Bachelorette. Estou falando muito sério. O reality show, sabe? Nós todos vimos o episódio de ontem, mas hoje nos reunimos por Skype com Jungkook, que está em Busan, para comentar o que aconteceu. É a nova tradição da família Jeon. Eu não poderia estar mais ciente do quão completamente ridículo é isso. Mas sei lá. Minha família sempre foi assim.

Heejin vs The Homo Sapiens AgendaOnde histórias criam vida. Descubra agora