Dois

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Inglaterra, 10/08/1827.

É tudo muito escuro, não parece haver nada no espelho além de mim. Se não fosse por mim esse lugar seria vazio, e talvez seja mesmo, pelo menos é isso que eu sinto.

Estou tão desesperada, em um segundo estou em uma loja e depois estou nesse lugar que sequer deveria existir. Ninguém entra em um espelho, mas eu entrei. E preciso sair.

Talvez exista mesmo uma saída. Se há uma entrada com certeza há uma saída. É isso, eu começo a procurar. Talvez eu até volte para a loja. Talvez eu descubra que não entrei em espelho coisa nenhuma, talvez eu tenha só desmaiado e esteja tendo uma alucinação.

São muitos "talvez", mas de uma coisa tenho certeza: eu preciso sair e rápido. É desesperador ficar em um lugar tão escuro e tão frio assim. Parece que horas se passaram até que enfim vejo uma luz, tento ir até ela e, apesar de um pouco difícil, consigo.

Contudo, não volto para a loja. Caio em um lugar ainda mais estranho e ainda por cima molhado. Como é possível que eu esteja numa poça de lama? Tento me levantar, escorrego algumas vezes, mas por fim me levanto. Ótimo, só o que faltava era estar perdida, suja e com frio.

Passo as mãos nas minhas roupas tentando me livrar pelo menos um pouco da lama, óbvio que não tem muita mudança e eu só acabo espalhando-a e me sujando mais. As coisas ficam ainda mais estranhas quando uma carruagem passa ao meu lado, é tudo tão lento que eu até consigo ver a pessoa que está conduzindo e a que está dentro do veículo, ambas estão vestidas de forma estranha.

Na verdade, tudo aqui é absurdamente estranho, desde as pessoas andando na rua, aos edifícios que parecem ter saído de um set de filmagem. Até as estradas são estranhas, não tem nenhum asfalto. Por isso cai na lama, deve ter chovido em algum momento antes de eu chegar.

Onde eu estou? Isso aqui não é o Brasil. Embora tenha muitas estradas sem asfalto no meu país, não há nenhuma carruagem há pelo menos alguns séculos e a arquitetura também não condiz.

Estou tão distraída observando tudo que nem percebo outra carruagem passando e parando perto de mim. Até me assusto quando percebo que estão falando comigo.

— O quê? — Pergunto.

Quando vejo a mulher na minha frente usando um longo vestido como esses encontrados em filmes de época, fico mais confusa ainda. Talvez eu tenha entrado em algum tipo de transe e tenha ido parar mesmo em um set de filmagens de alguma novela ou algum filme. A mulher provavelmente só está brigando comigo, me mandando sair e parar de atrapalhar. Mas algo me diz que não é isso, como poderia ser?

— Eu perguntei se a senhorita está perdida — A mulher diz enquanto se aproxima lentamente de mim.

Certo, ela está falando Inglês, o que quer dizer que não estamos mais no Brasil. Como eu sai do Brasil? E ainda me chamou de senhorita. Ninguém chama ninguém assim.

— Onde eu estou?

— Em Londres, ora. Você está bem? Está toda suja — a mulher me observa e depois de um tempo estende um casaco longo que eu imediatamente aceito, estou mesmo com frio e a lama gelada não ajudou. — Imagino que precise de ajuda, certamente uma dama não devia estar nessas condições.

Assinto, sem saber o que dizer. Felizmente a mulher não espera que eu diga nada, pois começa a me conduzir para a carruagem. Tem mais duas garotas no veículo, elas são muito parecidas com a mulher, mas enquanto a mais velha tem cabelos castanhos, as mais novas são loiras. Provavelmente são suas filhas.

— Qual seu nome? — Uma das meninas pergunta para mim, a outra dá uma cotovelada na irmã para que fique quieta e a mãe repreende.

— Catarina. E o seu?

— Eu me chamo Kate, essa é minha irmã Olivia e minha mãe Amelia. — As três sorriem para mim como cumprimento. — Seu inglês é diferente. De onde você é?

— Brasil — normalmente não sou tão monossilábica assim, mas estou tão confusa com tudo que está acontecendo que nem consigo pensar em responder direito. — Para onde estamos indo?

— Para casa, acho que seria bom se você visse um médico. A senhorita parecia muito desorientada quando te encontramos. — Dessa vez quem fala é Amelia, a mãe das meninas.

Provavelmente seria bom se eu fosse examinada mesmo, certamente tem algo errado acontecendo comigo. Preciso da ajuda de um médico. Talvez eu esteja ficando doida.

— Nós nunca conhecemos ninguém do Império do Brasil, vocês falam inglês lá? — A outra irmã, Olivia, pergunta.

É quase impossível segurar a risada. Como é possível que essa garota não saiba que o Brasil foi colônia de Portugal e por isso fala português? Mas não é nem isso que chama a minha atenção, pessoas de outros países tendem a não saber muito da história dos outros. O que me deixa em choque mesmo é a forma que Olivia chamou o meu país de Império. Não somos um Império, pelo menos não mais.

— Nós falamos português — respondo. — Que dia é hoje?

— Sábado — as duas irmãs respondem ao mesmo tempo.

Pelo menos uma coisa não está diferente. A única explicação é que eu devo ter batido a cabeça e estou tendo uma alucinação.

— E o ano? — Pergunto relutante, afinal é impossível que eu não esteja em 2019.

A pergunta parece estranha até para mim, como alguém não pode saber o ano em que está? As irmãs e a mãe se olham sem entender o motivo de eu estar tão perdida no tempo assim, mas só estou tentando juntar informações, talvez se eu achar algo errado, eu acorde.

— Hoje é 10 de agosto de 1827 — Amelia responde.

Através do Espelho (COMPLETA)Onde histórias criam vida. Descubra agora