Quatro

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Inglaterra, 10/08/1827.

Tinha uma criada no banheiro para me ajudar a tomar banho. Essa gente precisa de ajuda para se lavar. Eu imagino que tirar e vestir aqueles vestidos não seja nada fácil, mas meu Deus.

Óbvio que eu pedi para ela sair, preciso desse momento para surtar e para pensar em como voltar para casa. Aquela bruxa velha da loja de antiguidades disse que eu precisaria fazer uma escolha. Bom, eu escolho voltar para casa!

Ao menos a água quente é um conforto. Mas eu odeio usar banheira, tenho a sensação de que estou nadando na sujeira e eu estou muito suja, o que não ajuda em nada. Queria tanto meu chuveiro, meu shampoo e meu condicionador.

Será que shampoo e condicionador já foram inventados? Não acredito que terei que lavar o cabelo com esse sabão. Vai ficar horrível depois. Deus, o que eu fiz para merecer isso?

Eu demoro tanto no banho que a água até esfria, mas pelo menos tive tempo para pensar. Como a situação é péssima e absurdamente desconhecida, não pensei em nada muito útil. Mas talvez eu consiga voltar pelo espelho, afinal cheguei aqui por ele. Claro, vai ser praticamente impossível achá-lo, então talvez eu esteja mesmo presa aqui.

Como vou aprender a viver no século XIX? Tudo aqui é tão difícil. Apesar da minha vida estar uma bagunça e a situação do meu país um lixo, eu gosto de viver lá, na minha própria época.

Me assusto com a batida na porta, o médico deve ter chegado e Amelia deve ter mandado alguém para me apressar. Imagino o que está passando na cabeça dessas pessoas, aposto que elas devem estar achando tão estranho quanto eu.

— Pode entrar — falo alto para que a pessoa do outro lado da porta possa escutar.

Observo a mesma criada que estava aqui antes entrar, ela parece meio sem jeito e até faz uma reverência. Não sei se isso é protocolo padrão ou se ela acha que sou importante, mas isso é muito estranho. Ninguém nunca tinha feito uma reverência para mim antes.

— Desculpe atrapalhar, senhorita, mas a senhora St. Clair pediu que eu lhe ajudasse a se vestir — a garota diz e aponta para alguns tecidos dobrados numa cadeira, eu nunca poderia sequer cogitar que aquilo era um vestido.

St. Clair. Então esse é o sobrenome dessas pessoas. Nunca ouvi falar, não deve ter sido muito relevante para ser lembrado pela história. Mas eu me lembrarei, afinal são as St. Clair que estão me ajudando.

— Não precisa fazer aquilo — digo enquanto gesticulo tentando me referir a reverência. — Mas sua ajuda com o vestido seria muito bem-vinda, eu não tenho a menor ideia de como vestir isso.

Ela sorri e eu saio da banheira, é estranho estar totalmente sem roupa na frente de alguém que eu nem conheço, embora isso não tenha me impedido antes. A questão aqui é que eu nem saberia por onde começar a me vestir, tem tanto tecido, tanta roupa, tantas camadas. Essas pessoas não devem sentir frio nunca.

— Qual o seu nome? — Pergunto enquanto ela prende o corset, também nunca achei que usaria um desses. Pelo menos vou manter a boa postura.

— Stephanie, senhorita.

— É um prazer te conhecer, Stephanie, obrigada por me ajudar.

Recebo apenas um aceno com a cabeça como resposta, acho que ela não está muito a fim de bater papo. Eu também não estou.

Após me vestir, Stephanie me acompanha até a sala em que o médico me aguarda. Dessa vez presto mais atenção no caminho e então o vejo, o mesmo maldito espelho da loja de antiguidades. Isso foi muito mais fácil do que achei que seria, mas o que esse espelho está fazendo aqui? Será que foi só sorte minha ou tem alguma ligação com o fato de as únicas pessoas que me ajudaram e me acolheram sejam suas donas?

Não tenho tempo para essas dúvidas, preciso achar um jeito de voltar. E para isso preciso ficar aqui, preciso ter acesso ao espelho. Seria tão bom se eu só tocasse nele outra vez e voltasse para casa.

Mas sequer posso testar, pois Stephanie me apressa. Ela diz que o doutor é um homem muito ocupado e que não devemos deixá-lo esperando. Eu sigo com a narrativa de que perdi a memória e que a única coisa que me lembro é meu nome e meu país, ele me examina, mas não encontra nada. E como poderia?

No final ele apenas pede para que eu não faça nenhum esforço e fique de repouso, disse que com o tempo minha memória provavelmente voltaria. Amelia garantiu que cuidará de mim e ficará de olho.

Através do Espelho (COMPLETA)Onde histórias criam vida. Descubra agora