Três

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Inglaterra, 10/08/1827.

Não pode ser possível. Eu não posso simplesmente ter voltado 192 anos. Ninguém viaja no tempo, isso é impossível. Mas... a senhora na loja de antiguidades disse que eu ia fazer uma viagem. Será que ela estava falando disso?

Não. Eu devo ter batido a cabeça.

Fico tão imersa em meus pensamentos que nem percebo a carruagem parando, só me toco quando Kate me dá uma cutucada para que eu desça.

— Chegamos! — ela diz animada.

Olho para a casa e é gigante, daria para morar um time de futebol inteiro. Nunca vi uma casa tão linda assim em toda a minha vida, e o jardim é tão bem cuidado, tem até um balanço em uma árvore. Algo me diz que essas mulheres são bem ricas.

Se eu não estiver mesmo sonhando e estiver realmente na Inglaterra em 1827, aposto que o dono da propriedade tem algum título da nobreza.

As três começam a entrar na casa e pedem que eu as acompanhe, mais uma vez estou tão distraída em pensamentos que levo um tempinho para enfim acompanhá-las.

A casa é ainda mais impressionante pelo lado de dentro, parece que eu estou em um museu. Enquanto eu observo tudo, Amelia pede para um homem chamar o médico, pedir para as criadas prepararem chá e um banho quente para mim. As irmãs pedem para que eu sente no sofá e, mesmo relutante por causa da sujeira, eu acabo sentando.

Sinto muito pela pessoa que terá que limpar isso depois, mas pelo menos uma parte da lama no meu corpo já secou, e o longo casaco que estou vestindo também ajuda a não sujar tanto o sofá

Um tempo depois uma garota vestida com um vestido muito mais simples que as roupas de Amelia, Kate e Olivia chega com uma bandeja contendo um bule, algumas xícaras e uns biscoitinhos. Ela deve ser uma das criadas, mas mesmo assim ainda está vestida de maneira muito mais adequada que eu.

Amelia serve o chá para as filhas e quando chega a minha vez pergunta se eu quero com leite e açúcar.

— Só açúcar, por favor — digo e ela assente, logo em seguida me entrega a xícara com o líquido fumegante.

A verdade é que eu não gosto muito de chá, prefiro café. Mas não vou ser sem educação e dizer que não quero, elas estão sendo gentis demais comigo para que eu faça uma desfeita dessas.

— Você disse que é do Império do Brasil, mas como veio parar aqui? — Kate pergunta.

— Veio para a temporada? — Dessa vez é sua irmã, Olivia, quem pergunta. As duas não me dão nem tempo de responder. — Já começou há um tempo, mas ainda tem alguns bons partidos.

Temporada. Ok, ela deve estar falando da temporada social londrina onde as jovens damas debutam, as mães ficam loucas procurando bons maridos para as filhas e, nos romances, os cavalheiros se escondem.

Nego com a cabeça e tomo um gole do chá.

— Eu não lembro como vim parar aqui, mas imagino que não tenha sido por causa da temporada — digo.

— Oh, então você perdeu a memória? — Questiona Amelia.

Não, mas como explicar que eu não sou desse tempo? Melhor concordar com o que ela diz e procurar um jeito de voltar para casa. Já não acho mais que estou sonhando ou que bati a cabeça, tudo aqui é muito real.

Estou prestes a responder que sim, quando um homem entra na sala. As três mulheres sorriem e pedem que ele se sente, será que é o médico? Mas não pode ser, ele sequer me olhou.

— William, você não vai falar com a nossa convidada? — Amelia o repreende. Imagino que seja muita falta de educação um cavalheiro ignorar uma jovem dama, mesmo que essa dama em questão seja eu.

— Perdoe-me, senhorita... — ele diz e depois me olha. Também imagino que minha situação não esteja nada favorável, já que William reprime uma careta. Por outro lado, eu escodo um sorriso com a xícara de chá. Não deve ser muito comum para ele ver uma mulher toda suja de lama, com os cabelos soltos, usando calças, um cropped, um tênis surrado e um casaco grande demais. — Por Deus, onde vocês a encontraram?

— Will, tenha modos! — Olivia o repreende e Kate lhe dá um tapinha na cabeça, enquanto isso o homem alterna o olhar irritado entre as duas.

Ele obviamente não é nenhum médico, olhando para a relação dos três eu diria que são irmãos. E agora que pensei nisso, consigo enxergar as semelhanças, embora ele tenha os cabelos castanhos da mãe. É tão castanho que chega próximo ao preto.

O homem que acredito ser o mordomo volta logo depois disso, ele diz que já mandou o mensageiro entregar o recado para o médico e que acredita que irá demorar um pouco. Também diz que meu banho já está pronto e que separou algumas roupas para eu vestir.

Amelia o agradece e pede para que eu o acompanhe. Antes de me levantar, eu agradeço o mordomo e as mulheres por me ajudarem. Não digo nada para William e ele não parece esperar por isso, está muito ocupado comendo biscoitos.

Eu havia me esquecido que há um costume muito chato nesse século, toda vez que uma mulher se levanta o homem que está sentado na mesma sala também tem que se levantar. Deve ser um incômodo, mas mesmo assim William faz e quando percebe que estou olhando para ele me dá um aceno de cabeça.

Tenho que me conter para não revirar os olhos.

Através do Espelho (COMPLETA)Onde histórias criam vida. Descubra agora