Através do Espelho (COMPLETA)

Dez

Inglaterra, 02/09/1827.

Dois dias se passaram desde o pedido de casamento, já é setembro. As vezes ainda custa a acreditar que estou mesmo em 1827, e o pior, que estou aqui há quase um mês.

William parece estar, para dizer o mínimo, chateado comigo. Mas o que ele tinha na cabeça para me pedir em casamento? Nada além daquele ideal de honra ridículo desse século, suponho.

Eu entendo o motivo de ele estar me evitando, afinal não reagi bem ao pedido. Nós sequer conversamos, nem no chá e nem depois. É uma situação angustiante, William se tornou meu amigo e agora eu só moro na casa dele. Em dois dias nos tornamos dois estranhos.

É uma coisa bem perceptível, já que agora eu não passo mais todo o meu tempo livre em seu escritório e ele só aparece para comer. Ninguém falou nada sobre, mas hoje pela manhã Olivia e Kate foram até o meu quarto perguntar como eu estava e dizer que se eu precisasse conversar, podia falar com elas.

Amelia também notou que meu humor não está dos melhores, então hoje ela sugeriu que eu fosse em uma das festas da temporada. De acordo com a matriarca dessa família, eu preciso sair um pouco de casa e conhecer gente nova.

Claro que eu concordei, ela provavelmente está certa e eu preciso mesmo distrair a cabeça. E é exatamente por isso que Stephanie está no meu quarto fazendo um penteado em meu cabelo, ela já me ajudou a vestir o meu mais novo vestido e, a pedido de Kate, vai usar a fita que ganhei de presente no penteado.

Quando Stephanie termina já estamos um pouco atrasadas, então sequer checo minha aparência antes de agradecer e sair do quarto. Mas, no caminho para a sala, eu consegui me olhar no espelho e paro de caminhar para me observar com mais atenção.

É o espelho que eu atravessei para vim parar aqui. Se a Catarina de 2019 que foi em uma loja de antiguidades, visse o meu reflexo em 1827, ela com certeza daria risada. Eu pareço estar fantasiada para um baile.

Mas não fico me olhando por muito tempo, já está todo mundo me esperando, por isso volto a andar.

Se eu estivesse em um filme, estaria descendo a escada em câmera lenta com todo mundo me olhando. Obviamente não estou, mas mesmo assim as quatro pessoas na sala estão me olhando.

Quer dizer, Amelia, Olivia e Kate estão. William abaixou a cabeça para limpar algum farelo inexistente de sua calça que já está perfeitamente limpa.

Suponho que a culpa de estar sendo tratada assim seja minha.

— Você está linda, querida — Amélia diz assim que chego no último degrau.

Não tenho nem tempo de agradecer antes de Kate soltar:

— Essa cor combinou muito com você — e então ela olha para o irmão e logo em seguida completa: — Não acha, Will?

Sei que Kate só está tentando ajudar, mas não é um bom momento. Eu e William precisamos resolver isso sozinhos como os dois adultos que somos. Claro, isso não quer dizer que não podemos adiar essa conversa.

Seguindo todas as boas maneiras, William me olha e diz que não entende nada de vestidos, mas que estou bonita. Acho que no final ele ultrapassa um pouco o tempo que seria adequado olhar para uma dama, já que Olivia pigarreia para chamar sua atenção.

Enquanto Amelia a repreende, William desvia o olhar outra vez. É evidente que Olivia só fez isso para tentar ajudar, não sei o que Amelia acharia se soubesse da minha situação com seu filho. Dou um sorrisinho para a garota como uma forma de agradecimento, é tudo o que posso fazer no momento.

...

O salão está lotado, essa é a primeira festa de 1827 que eu participo, então tudo ainda é muito novo e curioso. É divertido olhar alguns cavalheiros fugindo das mães casamenteiras, escutar as fofocas da alta sociedade londrina em um de seus bailes é algo que eu nunca achei que faria, mas mantenho os ouvidos atentos mesmo que não conheça ninguém. Talvez eu possa falar sobre isso mais tarde com as meninas.