Episódio 2

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Lydia abriu a porta de sua casa com os sapatos nas mãos. Os olhos ameaçavam fechar-se a cada segundo que passava, estavam vermelhos de tão cansados e com olheiras tão visíveis que ela precisaria de um monte de maquilhagem para conseguir disfarçar na perfeição.

O sol já estava posto e o despertador do seu smartphone tocava dentro da sua mala á medida que fechava a porta. Normalmente, era aquela hora que acordava para se preparar para a escola, mas já faziam duas noites que ela quebrava a sua rotina, dormindo no máximo dos máximos, 3 horas por dia. Conseguia dar uma sesta a meio das aulas sem que os professores percebessem ou durante a hora de almoço após comer nada mais nada menos do que uma peça de fruta roubada da cantina escolar.

A tijoleira fria do chão da sua enorme sala de estar colava os seus pés ao chão, provocando sons estranhos à medida que a rapariga andava. Foi em direção das charmosas escadas de vidros que a levavam para o segundo andar, sendo interrompida por uma voz rouca e feminina atrás de si:

— São horas de se chegar a casa?

Com os olhos fechados, Lydia suspirou com a mão pousada no corrimão de cristal. Voltou-se para trás e encarou a sua mãe.
A mulher de 45 anos já tinha aspeto de 60, estava sentada no enorme e desgastado sofá caro, enrolada num robe vermelho. Tinha a sua mão direita erguida com o cotovelo pousado no seu colo. Na mesinha à sua frente encontrava-se um copo vazio, rodeado por garrafas de vodka pura já no seu fim.
Lydia tinha chegado tão atordoada da festa que mal conseguia perceber o cheiro intoxicante do cigarro.

— Onde estiveste esta noite? — perguntou enquanto tragava o fumo do cigarro na sua garganta — Se é que posso saber.

— Estive numa festa aqui ao fundo da rua, porquê? — respondeu-lhe com o pouco de adrenalina que a cocaína ainda percorria dentro do seu corpo — Sentiste saudades minhas?

— Não. — respondeu-lhe de uma forma direta. Atingindo o peito de Lydia como se fosse uma bala — Apenas não acho muito correto passares os dias fora de casa quando tens a tua família a passar por um mau bocado. Não concordas?

Lydia ficou furiosa. Todo o álcool e drogas que ingeriu na noite passada colocavam as suas emoções à flor da pele. A rapariga forçou-se para não deixar cair lágrimas do seu rosto e pressionou brutalmente os sapatos que estavam na sua mão contra a pele, quase perfurando a palma com o salto.

— E a minha presença aqui mudaria alguma coisa? Achas satisfatório para mim ficar aqui a noite inteira? A ver-te lamentar pelos problemas que tu própria trouxeste para dentro da nossa casa?

— E sou eu que arco com as culpas todas? — questionou-a a sua mãe, passando a língua afiada com uma lámina na ponta do cigarro que fumava, atirando-o no final para a lareira acesa no centro da sala.

— A culpa não é minha! — gritou-lhe Lydia, com tanto impulso que quase caiu do degrau onde se encontrava. Voltando apenas a falar quando se encontrava mais calma. — Queres resolver alguma coisa? Pára de te lamentar e vê se arranjas um emprego. Age como a mulher que és e põe um fim a esta miséria em que vivemos. — Lydia levou o dedo indicador ao seu peito — Estou farta de fazer o trabalho sujo.

O silêncio foi mortal. Ninguém comentou alguma coisa após a fúria começar a sair pelos olhos da rapariga em forma de lágrimas. Apenas conseguiam ouvir o barulho calmante da lareira a destruir os pedaços de madeira que ainda restavam da noite passada, estalando à medida que o coração de Lydia acelerava.
Após segundos sem uma resposta, Lydia comprimiu os lábios e abanou a cabeça negativamente, sentindo ao longe a cobardia da sua mãe. Secou a única lágrima que conseguir expor e disse:

— Agora se me dás licença vou vestir-me. Preciso ir para a escola.

Virou-se e subiu as escadas até ao andar de cima, sentindo o olhar da sua mãe bater-lhe nas costas, queimando-as com pensamentos negativos até a rapariga ficar longe do seu olhar.
Quando já estava no andar de cima, fora do campo de visão da sua progenitora, Lydia pousou a mão na parede branca do corredor e mudou por completo a expressão do seu rosto, curvando os lábios num desenho desesperado. Fechou os olhos quando sentiu o seu peito apertar-se, impedindo-a de respirar.
Tentou recompor-se e caminhou pelo corredor, sentindo-se fora do seu próprio corpo, vendo-se do exterior, analisando-se como se fosse apenas um pedaço de carne sem sombra que rolava pelo corredor.

Passou de frente ao quarto dos pais, tinha uma frincha da porta aberta. A adolescente encostou um olho à porta e mirou para dentro do quarto que tinha a luz ligada mas sem qualquer tipo de movimento lá dentro. A colossal cama de casa estava vazia, os cobertores estavam todos no chão, conduzindo assim o pai de Lydia a dormir sobre um colchão cru, ainda com a roupa do dia a dia. Respirando numa velocidade exagerada enquanto descansava.

Desamparada pela situação, Lydia abriu a porta do seu quarto um pouco mais abaixo daquele corredor. Sentia como se tivesse corrido um quilómetro para chegar onde chegou.
Pousou a mala em cima da sua cama feita e encarou a enorme janela do seu quarto, cerrando os olhos para sentir a energia do sol sobre o seu rosto.
Andou pausadamente até ao à cómoda, de onde retirou o uniforme escolar.
Passou pelo mesmo e de seguida olhou-se no espelho, sentindo nojo da pessoa que via no seu reflexo.

Não era a seu rosto perfeito que estava a ver.
Nem o seu cabelo que após uma noite de todo o tipo de loucuras continuava brilhante e volumoso.
Nem nos seus lábios já sem batom, que agora mostravam o que realmente eram, um pouco irritados e secos.

O que Lydia estava de fato a examinar era o seu interior. Um conjunto de camadas podres que gritavam o seu nome com desgosto. Fechou os olhos, não queria ver o seu reflexo, não sentia qualquer tipo de prazer. Não conseguia ver a adolescente graciosa e invejável que todos a faziam parecer.
Sentia-se morta.

A Colmeia - 1ª TemporadaOnde histórias criam vida. Descubra agora