Capítulo 29

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Assim que eu entro, o mundo se enche com o barulho de jazz, 

riso e conversa junto a uma explosão de calor, o cheiro pungente de fumaça de charuto, perfume e comida deliciosa, tudo em uma incompreensível onda de sensação. Eu não posso afastar a sensação surreal de ser jogada de volta no tempo. Lá fora, as pessoas estão morrendo de fome e sem abrigo em um mundo destruído por um ataque mundial. Aqui, porém, os bons tempos nunca terminam. Claro, os homens têm asas mas, além disso, é como estar em um clube dos anos 20. Móveis em Art Deco, homens em smokings, mulheres em vestidos longos. Ok, as roupas não parecem todas com os anos 20. Há o ocasional anos 70 ou ficção científica em roupa futurista, como uma festa a fantasia onde alguns dos convidados não entendem o que uma roupa dos anos 20 é. Mas a sala e os móveis são Art Deco, e a maioria dos anjos está em antiquados casacos de cauda longa. O ambiente cintila com relógios de ouro, sedas brilhantes e joias brilhantes. Os anjos estão jantando e bebendo, fumando e rindo. Através disso tudo, um exército de servidores humanos de luvas brancas carregam bandejas com taças de champanhe e hors 

  

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d'oeuvres19 sob os lustres piscando. Os membros da banda, os servos e a maioria das mulheres parecem humanas. Eu sinto uma explosão irracional de desgosto pelos seres humanos na sala. Todos traidores como eu. Não, para ser justa, o que eles estão fazendo não é nem de longe tão ruim quanto o que eu fiz não revelando Raffe no acampamento de Obi. Eu quero dispensá-los todos como interesseiros, mas eu me lembro da mulher com o marido e as crianças com fome penduradas em cima da cerca enquanto ela caminhava em direção ao covil. Ela é, provavelmente, a melhor esperança de que a família consiga alimento. Espero que ela tenha conseguido entrar. Eu esquadrinho a multidão, na esperança de ver o rosto dela. Em vez disso, eu vejo Raffe. Ele inclina-se casualmente contra a parede em um canto escuro, observando a multidão. Uma morena em um vestido preto, com a pele tão branca que ela parece um vampiro, se inclina para ele sugestivamente. Tudo sobre ela exala sexo. Estou inclinada a ir a qualquer lugar, menos até Raffe agora, mas eu tenho uma missão e ele é uma parte crucial dela. Eu certamente não vou desistir da chance de encontrar Paige só porque eu me sinto socialmente desajeitada. Eu endureço e caminho até ele. A morena coloca a mão no peito dele, sussurrando algo intimamente. Ele está assistindo algo do outro lado da sala e não parece ouvi-la. Ele agarra um copo de líquido âmbar que ele toma em 

                                                 19 Aperitivos 

  

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um gole. Ele coloca o copo vazio em uma fila de outros copos vazios em uma mesa próxima. Ele não olha para mim enquanto eu me inclino contra a parede ao lado dele, mas eu sei que ele me vê, como ele vê a menina que agora está me dando um olhar mortal. Como se a mensagem dela não estivesse clara, ela se esvoaça para cima de Raffe. Ele pega outra bebida de um garçom que passava segurando uma bandeja cheia de várias bebidas. Raffe também toma aquela de um gole e pega outra antes que o garçom parta. Ele bebeu quatro bebidas no curto tempo que levou para eu me recompor e encontrá-lo. Ou ele está abalado por algo ou ele está saindo de abstinência obstinadamente e rapidamente. Ótimo. Sorte minha em estar em uma parceria com um anjo alcoólatra. Raffe finalmente se vira para a morena, que lhe dá um sorriso deslumbrante. Os olhos dela brilham com um convite que me deixa envergonhada de assistir. — Vá procurar outra pessoa, — diz Raffe. A voz dele está distraída, indiferente. Ouch. Mesmo que ela tenha me dado aquele olhar assassino, eu ainda sinto uma pontada de compaixão por ela. Mas, novamente, ele só disse para ela ir embora. Pelo menos, ele não disse que nem mesmo gosta dela. Ela se afasta dele lentamente, como se estivesse dando a ele a chance de dizer que ele estava apenas brincando. Quando ele se volta para observar as pessoas, ela me atira um último olhar mordaz e sai. Eu examino a sala para ver o que Raffe está observando. O clube é acolhedor e não tão grande quanto eu tinha pensado 

  

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inicialmente. Tem a energia de um espaço maior, por causa da multidão barulhenta, mas é mais um salão do que um clube moderno. Meus olhos são imediatamente atraídos para um grupo sentado em uma cabine como se fosse um trono de um rei e eles são os escolhidos. Existem certos tipos de grupos que podem fazer isso: crianças populares nos bancos almoço, heróis do futebol em uma festa, estrelas de cinema em um clube. São meia dúzia de anjos descansando em torno do trono. Eles estão brincando e rindo, cada um com uma bebida em uma mão e uma garota fascinante na outra. A área está cheia de mulheres. Elas estão, ou esfregando seus corpos nos homens para ganhar a atenção deles, ou escorando lentamente como se elas estivessem em uma passarela, observando os homens com olhos famintos. Esses anjos são maiores do que os outros no clube – mais altos, mais robustos, com uma aura de perigo casual que os outros não têm. O tipo de tigres perigosos em um projeto selvagem. Eles me lembram dos que vimos saindo do clube, os que Raffe queria evitar. Todos eles usam espadas com elegância casual. Eu imagino que guerreiros Vikings poderiam parecer daquele jeito, se Vikings fossem bem barbeados e modernizados. A presença e atitude deles me faz lembrar Raffe. Ele se encaixaria no grupo. É fácil visualizá-lo sentado na cabine com esse grupo, bebendo e rindo com a gangue. Bem, a parte de rir leva um pouco de imaginação, mas tenho certeza de que ele é capaz disso. 

  

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— Vê aquele cara de terno branco? — Ele acena com a cabeça quase imperceptivelmente para o grupo. Ele é difícil de perder. O cara não está só vestindo um terno branco, mas os sapatos, cabelo, pele e asas dele são branco felpudo. A única cor nele é nos olhos. Desta distância, não posso dizer qual a cor deles, mas eu estou disposta a apostar que seria chocante de perto, apenas por contraste com o resto do corpo dele. Eu nunca vi um albino antes. Tenho certeza de que, mesmo entre os albinos, a total falta de cor dele é rara. A pele humana só não vem naquele tom. Coisa boa que ele não é humano. Ele fica encostado na borda da cabine. Ele é o cara que não se encaixa totalmente. A risada dele começa com meio segundo de atraso, como se ele estivesse esperando a sugestão do resto dos caras. Todas as mulheres beiram ao redor dele, com cuidado para não ficar muito perto. Ele é o único sem uma menina caída sobre ele. Ele as observa rondando ao redor, mas não chega a nenhuma delas. Há algo sobre as outras mulheres o evitando que me faz querer evitá-lo também. — Eu preciso que você vá até lá e ganhe a atenção dele, —  sussurra Raffe. Ótimo. Eu deveria ter sabido. — Consiga que ele a siga para o banheiro masculino. — Você está brincando? Como vou fazer isso?  — Você é engenhosa. — Os olhos dele vagueiam por cima do meu vestido apertado. — Você vai pensar em alguma coisa.  — O que acontece no banheiro se eu levá-lo até lá? — Eu mantenho a minha voz tão baixa quanto posso. Eu suponho que se eu 

  

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falar alto o suficiente para os outros ouvirem sobre o rugido do clube, Raffe certamente vai me deixar saber. — Nós o convencemos a nos ajudar. — Ele soa sombrio. Ele não soa como se acreditasse que nossas chances de convencê-lo são grandes. — O que acontece se ele disser não?  — Fim de jogo. Abortar missão.  Eu provavelmente o olho da mesma maneira que a morena fez quando ele disse a ela para ir embora. Eu olho para ele tempo suficiente para dar-lhe a chance de dizer que ele está brincando. Mas não há humor nos olhos dele. Porque eu sabia que esse seria o caso? Concordo com a cabeça. — Vou levá-lo ao banheiro. Você faz o que for preciso para ele dizer sim. — Eu me empurro para longe da parede e saio das sombras, meu alvo na mira.   

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