Capítulo 38

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 — Tocante, — diz uma voz clínica atrás de mim. 

O anjo caminha em nossa direção com uma expressão tão desapegada que nada humano pode ser detectado por trás dela. É o tipo de olhar que um tubarão pode dar a um par de garotas chorando. — Esta é a primeira vez que um de vocês tem invadido em vez de tentar fugir. Atrás dele, o entregador empurra através as portas duplas com outra carga de gaveteiros de cadáver. A expressão dele é totalmente humana. Surpresa, preocupação, medo. Antes que eu possa responder, o anjo direciona seu olhar em direção ao teto e inclina a cabeça. Ele me lembra o olhar de um cachorro ouvindo algo muito longe que só os cachorros podem ouvir. Abraço o corpo magricela da minha irmã mais perto como se pudesse protegê-la de todas as coisas monstruosas. É preciso tudo que tenho para manter minha voz funcionando, se não estável. — Por que você faria isto? — eu forço a sair num sussurro. Atrás do anjo, o entregador sacode a cabeça para mim em alerta. Parece que ele quer se encolher atrás de seu gaveteiro de cadáver. 

  

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 — Eu não preciso explicar nada para um macaco, — diz o anjo. — Coloque o espécime de volta onde estava. O espécime? Raiva ferve pelas minhas veias. Meu coração grita por sangue. Minhas mãos tremem com a necessidade de apertar sua garganta fechada. Surpreendentemente, eu reprimo isso. Dou um olhar penetrante para ele, morrendo de vontade de fazer muito mais. O objetivo é tirar a minha irmã daqui, não conseguir satisfação momentânea. Levanto Paige em meus braços e cambaleio em direção a ele.  — Estamos indo embora. — Assim que as palavras saem, eu sei que é um pensamento desejoso. Ele pousa sua prancheta e dá um passo entre nós e a porta. — Com a permissão de quem? — Sua voz é baixa e ameaçadora. Totalmente confiante. De repente, ele inclina a cabeça de novo, ouvindo algo que eu não posso ouvir. Uma carranca estraga sua pele lisa. Respiro fundo duas vezes, tentando soprar a raiva e medo para fora do meu corpo. Gentilmente coloco Paige debaixo de uma mesa. Então eu me lanço nele. Eu o atinjo com tudo que tenho. Nenhum cálculo, nenhum pensamento, nenhum plano. Só fúria enlouquecida, épica. Não é muito comparado com um anjo, mesmo um que é um nanico. Mas eu tenho a vantagem da surpresa. 

  

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Meu golpe bate-o com força sobre uma mesa de exame, e me pergunto como seus ossos ocos não quebram. Eu saco a espada do anjo da bainha. Anjos são muito mais fortes do que homens, mas podem ser vulneráveis no solo. Nenhum anjo que é bom em voar iria trabalhar no subterrâneo onde não há nenhuma janela para onde ele voar. Há uma boa chance deste não poder levantar voo muito rapidamente. Antes que o anjo possa se recuperar de sua queda, empurro minha espada nele, apontando para seu pescoço. Ou tento. Ele é mais rápido do que eu pensava. Agarra meu pulso e o bate com força na borda da mesa. A dor é excruciante. Minha mão se contrai, deixando a espada voar. Ela tine através do piso de concreto, longe de meu alcance. Ele se levanta sem pressa enquanto eu agarro um bisturi de uma bandeja. O bisturi parece frágil e inútil. Mudo as minhas chances de ganhar, ou até mesmo de feri-lo, de escassas para nenhuma. Isso só me deixa ainda mais puta. Atiro meu bisturi nele. Ele corta sua garganta, fazendo o sangue borbulhar para fora e manchar seu jaleco branco. Agarro uma cadeira e a balanço contra ele antes que se recupere. Ele a joga de lado como se eu tivesse atirado uma bola de papel amassado nele. 

  

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Quase antes que eu possa perceber que ele está vindo por mim, ele me bate com força sobre o concreto e começa a estrangular a vida para fora de mim. Ele não está só tirando o meu ar, está cortando o sangue para o meu cérebro. Cinco segundos. Isso é tudo que vou ter antes de perder a consciência sem nenhum sangue fluindo para a minha cabeça. Eu atiro meus braços por entre os deles como um contra peso. Então eu os abro com força contra seus antebraços. Devia ter funcionado para me arrancar de seu estrangulamento. Sempre funcionou durante o treino. Mas não há nem mesmo um ligeiro abrandamento do seu aperto. No meu pânico, não levei em conta a sua superforça. Em uma última tentativa desesperada, aperto minhas mãos juntas, dedos entrelaçados. Recuo e martelo meus punhos para baixo na curva de seu braço com tudo o que tenho. Seu cotovelo empurra para trás por um momento. Mas então estala exatamente de volta no lugar. Tempo esgotado. Como um amador, instintivamente arranho suas mãos. Mas elas poderiam muito bem ser aço preso ao redor da minha garganta. Meu coração bate estrondosamente em meus ouvidos, ficando cada vez mais frenético. Minha cabeça parece que está flutuando para longe. O rosto do anjo é frio, indiferente. Pontos escuros florescem em seu rosto. Meu coração afunda conforme percebo que minha visão está desvanecendo. 

  

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Borrando. As bordas ficando mais escuras.  

AngelFallOnde histórias criam vida. Descubra agora