Capítulo 37

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A princípio, meu cérebro se recusa a acreditar no que meus 

olhos veem. Meu cérebro tenta interpretar a cena como uma parede de bonecas descartadas. Mero pano e plástico, criados por um fabricante de brinquedos com graves problemas de raiva. Mas não consigo me convencer da ilusão e sou forçada a vê-lo pelo que é. Contra a parede branca estão pilhas e pilhas de crianças. Algumas estão de pé rigidamente contra a parede e umas sobre as outras, meia dúzia de profundidade. Algumas estão sentadas apoiadas na parede e nas pernas das outras crianças. E algumas estão deitadas em suas costas e estômagos, empilhados em cima umas das outras como cabos de madeira. Elas variam de tamanho de crianças que estão começando a andar até cerca de dez ou doze anos de idade. Estão todas nuas, despidas de qualquer coisa que possa protegê-las. Todas têm distintivas marcas de pontos de autópsia em forma de Y começando em seus pequenos corações e descendo até suas virilhas. A maioria deles tem marcas adicionais de pontos ao longo de seus braços, pernas, gargantas, virilhas. Uns poucos têm pontos através de seus rostos. Alguns dos olhos das crianças estão bem abertos, outros fechados. Alguns de seus olhos têm amarelo ou 

  

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vermelho em vez de branco ao redor das íris. Alguns só têm buracos escancarados onde os olhos costumavam estar, e outros têm os olhos fechados costurados com pontos grandes, desajeitados. Quase perco a batalha em curso com o meu estômago, e todo aquele rico alimento que comi mais cedo surge na minha garganta. Tenho que engolir em seco para mantê-lo dentro. Minha respiração parece quente demais, e o ar parece frio demais na minha pele formigando. Quero — preciso — fechar os olhos, apagar o que eles veem. Mas não consigo. Estou procurando. Olhando para cada criança brutalizada pelo rosto de pixie da minha irmã. Começo a tremer por toda parte e pareço não conseguir parar. — Paige. — Minha voz sai em um sussurro quebrado. Mal consigo sussurrar o nome dela, mas eu o digo mais e mais como se isso fosse de alguma forma consertar tudo. Eu vago em direção à pilha de cadáveres mutilados como um sonhador em um pesadelo, incapaz de me conter e incapaz de desviar o olhar. Por favor, não deixe ela estar aqui. Por favor, por favor. Tudo menos isso.  — Paige? — Há horror na minha voz assim como um fio de esperança de que talvez ela não esteja aqui. Algo se mexe na pilha de carne com pontos. Dou um passo trêmulo para trás, toda a força vazando das minhas pernas. Um garotinho rola do topo de uma pilha e pousa com o rosto para baixo. 

  

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Dois corpos abaixo da posição original dele, uma pequena mão alcança cegamente e se aperta desajeitadamente no ombro do garoto caído. Os corpos acima da mão balançam para trás e para frente, ganhando ímpeto até que tombam em cima do garoto caído. Consigo finalmente ver a criança que pertence à mão tateando. É uma garota pequena com pernas desproporcionalmente magras. Uma cortina de cabelos castanhos esconde o rosto da garota enquanto ela rasteja dolorosamente na minha direção. Ela tem um corte cruel acima de seu traseiro que se cruza com outro deslizando para cima de sua espinha. Pontos grandes, irregulares, correm para cima de sua espinha, unindo sua carne machucada e cortada. Pontos correm para cima nos dois braços e para baixo nas duas pernas. O vermelho e o azul de seus cortes e machucados contrastam nitidamente com sua pele branco-cadáver. Estou congelada no meu horror, sentindo dor para fechar os olhos e fingir que isto não é real. Mas sou incapaz de tudo, menos assistir o progresso doloroso da garota através da pilha de corpos. Ela puxa-se para a frente por seus braços, suas pernas um par de pesos mortos arrastando-se atrás dela. Depois de uma eternidade, a garota finalmente levanta a cabeça. O cabelo pegajoso desliza para trás de seu rosto. E ali está a minha irmãzinha. Seus olhos atormentados encontram os meus. Enormes para o seu rosto de pixie. Se enchendo de lágrimas conforme me vê. Eu caio de joelhos, mal sentindo a batida forte do concreto. 

  

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O rosto da minha irmã mais nova tem pontos correndo de seus ouvidos para seus lábios como se alguém tivesse descascado a parte superior do rosto e depois a colocado junta de novo. Todo o seu rosto está inchado e machucado em cores inflamadas. — Paige. — Minha voz falha. Rastejo até ela e a tomo em meus braços. Ela está tão fria quanto o piso de concreto. Ela se enrola em meus braços como costumava fazer quando era uma criança começando a andar. Tento manter toda ela no meu colo embora ela seja grande demais para isso agora. Até mesmo sua respiração na minha bochecha está tão fria quanto uma brisa ártica. Tenho um pensamento louco de que talvez eles drenaram todo o sangue dela assim ela nunca pode ser quente novamente. Minhas lágrimas escorrem pelas bochechas dela, misturando a nossa angústia.   

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