30 - 2 Fase - 2 Who Are You

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Sobrevivi ao terceiro dia pós- Quinn, e ao primeiro dia no emprego. Foi uma distração bem-vinda. O tempo voou numa névoa de rostos novos, trabalho a fazer e a presença do Sr. Biff McIntosh. O Sr. Biff McIntosh... ele sorri para mim, os olhos azuis, ao se recostar contra minha mesa.

- Bom trabalho, Rachel. Acho que vamos formar um belo time.

De alguma forma, dou um jeito de curvar os lábios para cima num arremedo de sorriso.

- Acho que já vou indo, se estiver tudo bem para o senhor – murmuro.

- Claro, são cinco e meia. Vejo você amanhã.

- Boa noite, Biff.

- Boa noite, Rach.

Pego minha bolsa, enfio-me no casaco e caminho até a porta. Lá fora, no ar do inicio de noite de Seattle, respiro fundo. Ele não chega nem perto de encher o vazio no meu peito, um vazio que está ali desde a manhã de sábado, um lembrete oco e doloroso de minha perda. Caminho de cabeça baixa em direção ao ponto de ônibus, olhando para meus pés e contemplando a vida sem o meu amado Wanda, meu fusca antigo... ou sem o Audi.

Imediatamente bloqueio esses pensamentos. Não. Não pense nela. É claro que tenho dinheiro para comprar um carro – um belo carro novo. Suspeito de que ela tenha sido generosa demais no pagamento, e a ideia deixa um gosto amargo em minha boca, mas eu afasto e tento manter a cabeça tão vazia e entorpecida quanto possível. Não posso pensar nela. Não quero começar a chorar de novo, não no meio da rua.

O apartamento está vazio. Sinto saudade da Santana, e a imagino deitada numa praia em Barbados, se refrescando com um coquetel. Logo a tevê de tela plana para que o ruído preencha o vazio e proporcione uma sensação de companhia, mas não a escuto nem olho para ela. Sento-me e encaro a parede de tijolos com um olhar vazio. Estou apática. Não sinto nada além de dor. Por quanto tempo precisarei suportar isso?

A campainha me acorda da prostração, e meu coração dispara. Quem será? Atendo o interfone.

- Entrega para Srta. Berry – responde uma voz entediada e distante, e a decepção me atinge em cheio.

Entorpecida, desço até o térreo e vejo um rapaz encostado na porta da frente, mascando ruidosamente um chiclete e segurando uma grande caixa de papelão. Assino para receber o pacote e subo com ele. A caixa é enorme e surpreendentemente leve. Dentro dela, duas dúzias de rosas de caule comprido e um cartão.

Parabéns pelo primeiro dia no trabalho.

Espero que tenha ocorrido tudo bem.

E obrigada pelo planador. Foi muito gentil de sua parte.

Reservei um lugar especial para ele em minha mesa.

Quinn

Encaro o cartão digitado, o buraco em meu peito se expandindo. Sem dúvida foi enviado por um assistente. Quinn provavelmente não tem nada a ver com isso. É doloroso demais pensar no assunto. Examino as roas – são lindas, não consigo jogá-las no lixo. Obediente, vou até a cozinha procurar um vaso.

E ASSIM UM PADRÃO se estabelece: acordar, trabalhar, chorar, dormir. Bem, tentar dormir. Não consigo fugir dela nem em meus sonhos. Os olhos ardentes de Quinn, o olhar perdido, o cabelo macio e brilhoso me perseguem. E a música... tanta música. Não suporto ouvir música alguma. Tenho o cuidado de evitar a todo custo. Mesmo os jingles em comerciais de tevê me deixam trêmula.

Não falei com ninguém, nem mesmo com minha mãe ou meus pais. Não estou com cabeça para conversa fiada agora. Não, não quero nada disso. Eu me tornei minha própria ilha, mas é só. Se eu conversar com minha mãe, sei que vou me machucar ainda mais e não tenho mais onde me machucar.

My Dark WordOnde histórias criam vida. Descubra agora