Capítulo 5

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Julian o deixara aguardar o General em frente à porta de mogno de seu escritório particular. Mensageiros deviam ser preparados para aguardar o quanto fosse necessário se estivessem numa missão importante. Eles podiam permanecer fincados no mesmo lugar por dias sem se alimentar ou dormir. As coisas eram assim em Auderam. Mas Kaden não era um mensageiro, e seu tempo estava correndo. Por isso, alguns segundos depois, com a ajuda de sua adaga e um pequeno grampo que trazia no cano da bota, ele abriu a porta do escritório de Hashim e adentrou silenciosamente o cômodo.
Ele sorriu internamente, se rejubilando com o sucesso fácil, e fechou a porta atrás de si. Se alguém percebesse a porta escancarada, sem que o General estivesse no Quartel, sua missão iria por água abaixo em questão de dois segundos, ou menos que isso. Ele se sacudiu mentalmente tentando tirar de sua mente a imagem que se desenhara nela: guardas correndo por todo lado, espadas afiadas, sangue, morte. A morte dele.
O escritório do General era pequeno. Na verdade, se ele não tivesse certeza de aquele era mesmo seu escritório, talvez pensasse que tinha entrado no cômodo errado. Kaden sabia por experiência própria que nobres e pessoas ricas gostavam que os outros soubessem disso. Uma demonstração clara disso fora a forma como lady Athara parecera sentir prazer em revelar a identidade do pai, a forma como parecia satisfeita ao fazer a grande revelação.
Ela parecia quase decepcionada quando Kaden apenas deu de ombros e disse inexpressivamente "a mensagem chegará ao General". Ele havia dito aquilo e apenas se retirado em silêncio e sem cerimônias, porque o que ele mais odiava, desde sempre, eram pessoas como ela. Que se achavam melhores porque tinham títulos grandes ou dinheiro. No entanto, o General não parecia ser assim. Pelo menos, era isso que sua sala dava a entender. Era simples. Simples até demais. Com paredes desnudas e sem enfeites. Uma pequena e surrada escrivaninha de madeira escura posicionada próxima à parede norte. Duas cadeiras excentricamente altas à sua frente, uma atrás dela. Cadeiras estofadas, também de madeira. Ele imaginou que serviam bem ao General que era um homem grande, mas qualquer pessoa menor que ele ficaria com os pés dependurados ali. Uma pequena prateleira com livros à esquerda da escrivaninha. E só. Sem janelas ou qualquer saída dali além da porta em que ele entrara. Nenhuma que as pessoas pudessem ver de cara, pelo menos.
Kaden caminhou até a prateleira de livros, passando a mão por cada lombada e título. Eram livros sobre política, guerra, artes marciais. Nada de romances — nem sequer um clássico — ou qualquer livro interessante. Kaden bufou. O General tinha um gosto péssimo para livros, nenhuma surpresa. Ele não esperava que o que ele procurava estivesse em um lugar tão óbvio assim, mas inconscientemente ele ficou decepcionado quando nenhum livro afundou sobre suas mãos, revelando uma passagem secreta e misteriosa. Ele teria que continuar procurando.
Ele se aproximou da escrivaninha. Uma pilha de papéis em branco se amontoava em seu tampo, bem ao lado de uma caneta tinteiro. Nada de pontas de ouro, ou tinta especial. Apenas uma caneta normal e sem graça. Ele a girou em seu suporte, mas aquilo não acionou nenhuma trava, e novamente nada de passagem secreta. A escrivaninha só tinha uma gaveta e ela se encontrava, pateticamente, destrancada. Quando ele a abriu não ficou muito surpreso ao encontrar nada além de algumas cartas amareladas, e um pote de tinta azul.
Ele analisou as cartas. Inúteis. Apenas apresentações e convites diplomáticos. Ele começava a ficar deprimido com a vida social do General. Aquele homem tinha uma alma? Livros de guerra, e cartas sem graça. Ele precisava de uma esposa. Ou uma prostituta.
Kaden percorreu cada milímetro daquela mesa com os dedos, sem achar nada interessante ou suspeito. Nenhuma gaveta ou abertura escondidas. Apenas uma mesa velha e feia.
— Tão interessante quanto o dono — ele resmungou para si mesmo.
Suas opções estavam se esgotando. Para falar a verdade, aquele era o ponto crítico de sua empreitada. Porque a partir dali não havia um plano especificamente. Ele não sabia onde a espada estava escondida. A informação que recebera — e ele confiava cegamente nela — era apenas a de que a espada estava no escritório, mas sem especificações de onde exatamente. Não que ele esperasse que ela estivesse em uma redoma de vidro ou em ganchos na parede — apesar de ele certamente ter apreciado se estivesse —, mas ele certamente não esperava aquilo!
Ele se jogou na cadeira do General — os pés apenas ligeiramente encurvados —, e passou as mãos pelos cabelos negros, em desespero. Sua cabeça tombou para cima e ele fechou os olhos com força. Precisava pensar, e rápido. Só tinha mais cerca de trinta segundos, e nenhuma ideia de onde estava a espada ainda.
— Se eu fosse chato, solitário e infeliz, onde eu esconderia essa droga de espada? — Kaden sorriu ao pensar que talvez o General dormisse todas as noites abraçado a espada.
E então o milagre aconteceu. Ele abriu os olhos e fitou o teto reto de gesso. Um teto impecavelmente branco e limpo, a não ser... por um ponto negro no canto leste da sala. Um ponto preto de um formato estranho. Ele chegou mais perto, e fitou fixamente o ponto — a cabeça tombada para trás —, que não era um ponto, mas sim uma pequena fenda. Quase como uma... fechadura.
Um sorriso de canto surgiu em seu rosto. O General era um filho da mãe inteligente, ele tinha que dar o braço a torcer. Mas para sua desgraça, Kaden também era. Agora ele só precisava alcançar a fechadura. E então ele se lembrou: as cadeiras altas demais. Ele arrastou silenciosamente uma delas até onde a fenda se encontrava, e depois saltou para cima dela. Seus dedos tocaram a fenda, estudaram-na. Ele tinha certeza de que não acharia nenhuma chave naquele cômodo. O General era esperto demais para isso. A chave deveria estar em seus aposentos, ou ele poderia estar carregando-a consigo.
A adaga não caberia ali, e o grampo sozinho não faria o serviço. Ele precisava de algo pontiagudo. Algo que ele pudesse segurar com firmeza e girar. Seus olhos percorreram a sala, procurando. Ele poderia soltar um dos pregos que sustentavam a estante de livros, mas aquilo demoraria demais, e ele não sabia se poderia sustentar a estante antes que ela caísse no chão. Aquilo não daria certo. Precisava de outra coisa, algo como... como a ponta de uma caneta.
Kaden desceu da cadeira agilmente e apanhou a caneta, estudando-a. É, ela poderia servir. Rapidamente ele sacou de novo o grampo e, com as duas ferramentas unidas, começou a trabalhar.
Como uma criança das ruas, Kaden aprendeu desde muito cedo quais habilidades eram essenciais para alguém como ele. Arrombar uma fechadura estava no topo da lista. E ele praticara bastante durante todos aqueles anos. Primeiro com coisas pequenas. A porta de uma despensa, ou de um mercadinho. Anos depois, ele começou a se arriscar em casas nobres — com fechaduras mais caras e sofisticadas —, e até mesmo numa casa de jogos bastante famosa — ele ainda se lembrava com orgulho do roubo épico da Fichas e Ganhos. No entanto, nada tão complexo ou arriscado como aquilo que enfrentava agora. A fechadura possuía um formato estranho e irregular. Mais estreita na parte superior, se alargando na base. Ele ainda não conseguira descobrir seu mecanismo de fecho, e o fato de ela estar anexada ao teto não facilitava em nada a tarefa.
Kaden lutou com a fechadura por quase um minuto. Um minuto que ele não tinha. Seu tempo estava se esgotando. E ele estava frustrado. Depois de repetir tantas vezes aos outros que não devia haver falhas, seria ele o responsável por destruir o plano? Talvez tivesse confiado demais em suas habilidades. Ou talvez tivesse subestimado o General.
— Merd...
Ele se imobilizou quando ouviu passos vindos do corredor. Se aproximando cada vez mais. Com um pulo, ele desceu da cadeira, e se jogou debaixo da escrivaninha, um segundo antes de ouvir a porta sendo aberta e fechada, delicadamente.
Silêncio. Ele aguardou. Passos hesitantes e macios, em direção à mesa.
— Eu trouxe as uvas, General — a voz feminina disse, talvez tentando soar monótona.
Kaden relaxou. Ele se levantou de seu esconderijo, surpreendendo Onye, que trazia em mãos — nada de uvas — o grande trunfo de seu plano.
— Por um momento pensei que tivessem pegado você.
— É impressionante como você faz até isso soar feliz.
A garota riu, lhe entregando a bainha preta.
— E aí — ela analisou o cômodo ansiosa — Onde está a espada?
— Ali — Kaden resmungou, apontando para o teto.
A cadeira ainda estava no mesmo lugar em que ele a deixara. Não tivera tempo de a colocar de volta no lugar quando Onye se aproximara. A garota olhou da cadeira para o teto, e seus olhos ganharam um brilho de diversão quando ela reparou na pequena fissura no teto.
— Você acha que aquilo é algum tipo de fechadura? — ela franziu o cenho — Para mim parece mais um buraco de rato, ou talvez algum soldado tenha estocado o teto com a espada.
— E por que um soldado faria isso? — perguntou cético o garoto.
— Para matar uma barata? — ela arriscou — Ela poderia voar para o teto e ele...
— Eu tenho certeza de que é uma fechadura — Kaden cortou-a.
— Tudo bem — Onye deu de ombros — E por que você ainda não a abriu?
Às vezes Onye podia ser muito impertinente, pensou Kaden.
— Eu vou tentar — ela disse, depois de perceber que ele não a responderia.
— O quê?
— Eu vou tentar abrir.
— Você não vai conseguir, você acha que se fosse tão fácil eu mesmo já não teria conseguido? — ele bufou.
Mas Onye não estava ouvindo. Com movimentos calculados, ela posicionou a prótese de madeira com firmeza no chão, estabilizando-a. E com a outra perna ela se ergueu sobre a cadeira. Ela cambaleou, por alguns segundos, já em cima do móvel, mas Kaden foi rápido e a segurou pelas costas, firmando-a.
— Obrigada — ela corou.
Kaden assentiu, e lhe entregou delicadamente a caneta e sua adaga.
Onye ganhou um olhar focado, e com precisão cirúrgica começou a explorar a fechadura. Kaden observou curioso, enquanto ela manuseava a caneta, girando e apertando. Ela parava por um ou dois segundos, como se estivesse ouvindo algo, e então voltava ao serviço. Depois de pouco tempo, Kaden ouviu um clic. Onye sorria satisfeita, quando uma parte do gesso — quase que magicamente — se desprendeu do teto no formato quadrangular de uma portinhola.
Apesar de ser habituado a abrir fechaduras, o talento de Kaden não chegava aos pés das habilidades de Onye. A garota sabia o que estava fazendo. Não havia sorte naquilo, como às vezes acontecia com Kaden. Com ela, aquilo era como um cálculo difícil, um enigma a ser desvendado através da inteligência e sagacidade puras.
Ela se segurou no ombro de Kaden, descendo da cadeira.
— Aí está — não havia nenhum traço de zombaria em sua voz. Nada de arrogância, apesar de que, se houvesse, Kaden não a recriminaria. Aquilo havia sido incrível.
Kaden subiu novamente na cadeira, e com as pontas dos dedos puxou o pedaço de gesso, pronto para segurá-lo, se ele despencasse. Mas a camada de gesso no local era extremamente fina, acoplada à um alçapão de madeira, que se abria como uma porta. O corte do gesso fora feito de forma tão perfeitamente calculada que era quase impossível reparar nos vincos da portinhola antes de abri-la. Um observador inocente nunca descobriria aquele lugar.
Dentro do alçapão não havia muito espaço, e era escuro a ponto de não se ver nada que havia lá dentro. Kaden respirou fundo antes de esticar a mão, com desconfiança, para dentro do lugar.
As primeiras coisas em que seus dedos tocaram foram muita poeira, e teias de aranha. Ele se encolheu um pouco — não era o maior fã de aranhas do mundo. Engolindo em seco, seus dedos continuaram a passear lá dentro. Ele sentiu quando seus dedos tocaram algo diferente. Algo duro e frio. E comprido como... uma espada. Ou uma bainha de ouro.
Ele arquejou quando finalmente a trouxe para a luz. A espada era deslumbrante. O cabo de ouro era esculpido, com grandes e belas rosas. Uma safira azul estava cravejada no centro de cada uma dela. A lâmina era feita de aço puro e reluzente, e parecia muito afiada.
E a bainha — a mesma bainha que ele teria que deixar para trás — era uma mescla de dois tipos de ouro — dourado e branco —. Todos os seus detalhes eram em alto relevo. Havia uma cabeça de leão rodeada de rosas — como as da espada — também cravejadas com safiras, esculpida nela.
Kaden percorreu a espada com os dedos, apreciando-a.
— É linda — Onye também estava de queixo caído atrás dele.
Era verdade. A espada parecia mais uma obra de arte do que uma arma. Mas os dois não tinham tempo suficiente para admirá-la. Não ali. A mente criminosa de Kaden assumiu o controle.
— Enfie-a na bainha, e comece a cobrir isso — ele entregou a espada, apontando para o cabo em particular.
Onye pareceu sair de um transe. Ela assentiu, e obedeceu. Contra a sua vontade, Kaden depositou a bainha dourada novamente no alçapão, e com o coração condoído — aquela bainha deveria valer pelo menos 1 milhão de zeyns — ele o fechou, descendo da cadeira logo em seguida.
Enquanto ele colocava a cadeira e a caneta de volta em seus lugares, Onye ocultava a chamativa empunhadura da espada, com as tiras de couro curtido que trazia nos bolsos. Eram comumente usadas por soldado para trazer firmeza à empunhadura, durante uma luta. Não seriam questionadas nas espadas da guarda pessoal do mensageiro. Mal seriam notadas.
Quando terminou, ela assentiu silenciosamente para Kaden, desaparecendo logo em seguida pela porta. Khia e Tove deviam estar esperando, não muito longe dali, para efetuar a troca entre a espada de um deles e a espada de Dharin, agora irreconhecível.
A parte de Onye no plano havia acabado. Ela conseguira entrar no Quartel como ajudante do leiteiro — fornecedor fiel da guarda e devedor ainda mais fiel de Kaden — e partiria do mesmo modo, em cerca de cinco minutos. E então as coisas poderiam ficar interessantes. Mesmo com a espada devidamente camuflada, todos achariam estranho que o mensageiro partisse dali antes de entregar a mensagem ao General, afinal, esse era a incumbência dos mensageiros. Eles não se retiravam até o dever estar cumprido. Não importava quanto tempo demorasse e quantos obstáculos houvesse. Ali entrava Sebastian. Ele seria o encarregado de distrair os soldados tempo o suficiente para que Kaden e os outros escapassem em segurança, com a espada. Se tudo corresse exatamente conforme o planejado, não seria necessário nenhum embate direto entre eles e os soldados. Mas se as coisas saíssem do controle, Sebastian sabia o que fazer. Kaden esperava que medidas extremas não fossem necessárias, mas eles estavam preparados para isso.
Kaden respirou fundo. Não tinha mais volta. Depois daquele dia, ele seria famoso no mundo dos ladrões. Talvez ganhasse até mesmo uma audiência direta com o Kassan. Seu nome seria eternizado na história dos Ladrões Escarlates. Era isso, ou ele estaria morto. Não havia meio-termo, ele sabia. Ele esperava que naquela noite, fosse ele a beber e comemorar, e não o General Hashim, com sua cabeça espetada em uma espada.
Ele soube que era hora de agir, quando ouviu o burburinho vindo do pátio externo — vozes, algumas raivosas, outras assustadas. Logo após isso houve uma explosão, e então começou o pandemônio. Essa era a prova de que o plano corria conforme o planejado.

O Príncipe Dos Ladrões - Mirelly AlvesOnde histórias criam vida. Descubra agora