Capítulo 11

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Kaden despertou de um sono inquieto e doloroso com vozes sibilando ao seu redor. Pela segunda vez em um curto espaço de tempo, ele percebeu que não estava morto, mesmo quando definitivamente imaginou que estaria.
— O garoto é maluco, devíamos tê-lo deixado morrer — a voz era suave como um ronronar, mas estava claramente irritada.
— Não exagere, Corin. — disse Darius, que teve a voz reconhecida por Kaden da conversa no pátio de algum tempo atrás, como Uriah Vernant. — Se diz isso por ele ter tentado provocar a própria morte, nós não podemos julgá-lo realmente por isso, podemos?
—  Ele enfiou uma droga de adaga no peito! Duas vezes. Em um espaço de tempo de dois dias! — Corin pontuou. — E essa é apenas uma pequena parte do problema. Por culpa dele a espada de Dharin foi roubada e Orloch ficará furioso.
— Ele provavelmente vai ficar feliz — pela primeira vez desde que acordara ele ouviu a voz do General. Baixa e grave, mais como um rosnado. — Ele faz mesmo de tudo para apagar da história a existência do irmão. A espada desaparecer lhe poupou trabalho.
— Não vai demorar até sabermos com certeza como ele reagiu — Darius resmungou. — Seus espiões na Corte já devem ter levado as últimas notícias ao Rei, em Fandes. Logo teremos notícias dele.
Passos curtos, como se alguém estivesse andando em círculos nervosos pelo cômodo.
— Que se dane o maldito Orloch e seus espiões — praguejou, de repente. — De qualquer forma, nessas circunstâncias a espada vale muito mais do que a aprovação dele. Eu vou recuperá-la, em breve.
— Não deve ser difícil encontrar um bando de ladrões tentando vender uma espada de ouro de três milhões de zeyns.
— Claro — desdenhou a voz sedosa de Corin. — Como não foi difícil capturá-los enquanto eles a roubavam dentro do próprio Quartel.
Silêncio. E então uma risada estrangulada.
— Seria cômico se não fosse tão humilhante — Darius bufou.
— É uma desgraça, isso sim — algo se espatifou violentamente no chão, e Kaden estremeceu levemente com o susto, ainda de olhos fechados. O peito ardeu com o movimento repentino, e ele imaginou ter sentido um cheiro metálico de sangue penetrar seu nariz.
O silêncio se assentou de novo entre os militares, e dessa vez Kaden teve a sensação de que era por sua causa. Ele se imobilizou novamente, tentando tranquilizar sua respiração, mas já podia sentir o peso dos olhares sobre ele.
— Alguém despertou, General — cantarolou Darius. Kaden não teve opção além de abrir os olhos.
Estava no mesmo quarto de antes. Ele supôs que já era noite. A janela na parede leste agora estava fechada, e uma lamparina iluminava o quarto, jogando sombras sinistras sobre os rostos angulosos do General e dos dois Arautos que o acompanhavam.
Darius estava jogado com desleixo sobre a única cadeira do cômodo, despido de sua armadura, agora vestia apenas calças de linho simples, e uma camisa escura, que contrastava com o cabelo avermelhado. Corin estava de braços cruzados ao lado da porta e, diferentemente de Darius, ainda trajava a armadura completa — talvez ele nunca a arrancasse. O peitoral de bronze cobria seu peito largo, e chapas de metal se sobrepunham cobrindo toda a extensão de seus braços e as costas das mãos. O olhar que ele lançou a Kaden foi ameaçador e mortal.
Hashim o fitava aos pés da cama, como se quisesse incinerá-lo apenas com os olhos.
— Sabe quantos problemas você me causou? — Ele não esperou resposta. — Sabe o quanto o seu maldito roubo pôs a perder?
Kaden arqueou uma sobrancelha, e apesar do olhar de aviso que o Arauto de cabelos avermelhados pareceu lhe lançar e da dor que atravessava seu corpo, questionou:
— Por que exatamente eu deveria me importar?
— Por quê? — Hashim riu com amargura, seu rosto adquirindo um tom perigosamente escarlate, mas hesitou antes de dizer — Eu não sei, talvez porque... o país esteja à beira de uma guerra civil. Porque Orloch ignorou as necessidades do povo por tanto tempo que a fome começou a corromper nossas cidades, mas agora eu preciso gastar meu tempo procurando a espada que você roubou, seu desgraçado!
— Vou perguntar mais uma vez: por que eu deveria me importar? — Kaden revirou os olhos — Não me importo com vocês ou com esse país de merda. Não fizeram nada por mim até hoje. E se algum dia me deixarem sair daqui, talvez eu vá ao até o Rei, contar tudo o que você pensa sobre sua ilustre pessoa.
— Você é fiel ao Rei, ladrão? — Corin perguntou com sarcasmo de seu posto junto a porta.
— Sou fiel a qualquer um que possa me oferecer algum ouro, e que não esteja tentando me matar — Kaden retrucou.
— O Rei certamente não o mataria — o riso grave de Corin era sinistro e taciturno. — Ele faria algo muito, muito pior. Além disso, — acrescentou — foi você quem pareceu bastante satisfeito em se lançar rumo à própria morte. Se eu me lembro bem, não fomos nós que enfiamos uma adaga no seu peito.
— Claro que não — Kaden desdenhou, reprimindo o instinto de levar a mão ao ferimento no peito. — Vocês não se dignariam a me dar um fim rápido, não é mesmo?
O ladrão colocou os pés para fora da cama, tentando parecer, se não intimidador, ao menos não tão frágil. Deus sabia que não lhe restava muita dignidade para recuperar, mas ele ajuntaria o máximo que conseguisse. Ele travou o maxilar para não dar um grito, provavelmente nada digno, quando uma onda de dor o atravessou.
— Preferem tratar meus ferimentos para infringir novos logo depois — ele cuspiu as palavras. — Eu apenas pensei poder adiantar minha morte inevitável, e me poupar do sofrimento de ser o entretenimento de um bando de militares ociosos. Eu roubei uma espada de alguns milhões de zeyns, e daí? Eu não me arrependo. Me torturem então, para encobrir o fato de que vocês não fizeram seu trabalho direito, e me deixaram roubá-la! Adivinhem com quem o Rei ficará mais furioso.
Kaden ofegou. A ira que efervescia seu sangue pulsava também em seu ferimento. Durante toda a sua vida, tudo que ele mais temera fora ser controlado. Ele sempre odiara ter seu destino controlado por outros. E agora estava ali, sem nenhum poder sobre si mesmo, nem sequer sobre sua própria morte.
Ele não se enganava. Sabia o que estava fazendo quando se propôs a roubar a espada. Sabia que podia ser perigoso, e que podia ser capturado. Mesmo assim, irritava-o que agora estivesse em poder daquelas pessoas. Uma ordem do General e ele podia ser condenado à uma eternidade de sofrimentos.
O General e os dois Arautos não tiveram a reação esperada à sua explosão. Kaden teve esperanças de que isso talvez os irritasse a ponto de acabarem com ele ali mesmo. De perceberem que ele era irritante demais para fazer valer o prazer de torturá-lo por dias a fio. No entanto, a expressão divertida de Darius apenas se acentuara de seu lugar do outro lado do quarto, Corin encarava o General com uma expressão cética e indecifrável. E o General agora o encarava com uma expressão de descrença e asco.
— Enquanto a espada não for recuperada sua vida será poupada — ele disse. — Você nos ajudará a encontrá-la, e rápido — Kaden abriu a boca para protestar, mas o General não permitiu. — E antes que pergunte por que faria isso, eu vou respondê-lo. Você fará isso, porque se não fizer nós podemos fazer do resto dos seus anos na terra um inferno. E podemos garantir que sua vida dure tanto que você desejará a morte todos os dias até que ela chegue.
— Eu só ia dizer que preciso aliviar a bexiga, mas tudo bem — disse Kaden, e para sua surpresa um pequeno sorriso se abriu nos lábios de Corin, mas não durou diante do olhar de desaprovação do General para ele.
— Por ora, — o General prosseguiu — manteremos você aqui no Quartel. Você poderá dormir nos aposentos dos criados, e se desejar comer se juntará a eles de manhã e fará quaisquer tarefas que lhe forem ordenadas. Quando precisarmos de você nós o convocaremos.
— Como um cachorrinho treinado — Kaden resmungou, baixo demais para que alguém ouvisse.
— Exatamente — Darius sorriu de seu lugar. Não havia se movido desde que a conversa começara, e às vezes enquanto eles falavam parecia até mesmo entediado, mas pelo visto ouvia tudo com muita atenção.
Agora, ele se levantava. Darius alongou os braços e as pernas e bocejou. Parecia estar se preparando para sair dali. Graças a Deus, pensou Kaden. Aquela sessão de intimidação parecia não ter mais fim, e até aquele momento ele não havia descoberto qual era a intenção do General com aquilo tudo. Deixá-lo vivo, mesmo que por um curto prazo de tempo e sob ameaças, não fazia sentido de nenhum ponto de vista. Havia mais alguma coisa..., mas as sombras mortais que dançaram nos olhos azuis gélidos de Hashim lhe disseram o bastante para que ele não comentasse nada.
Corin abriu a porta. A armadura se movia de forma tão silenciosa quanto tecido — ou fumaça.
— E não pense por um segundo sequer que nós não estamos vigiando você — o aviso soturno arrepiou os pelos de Kaden, mas ele se obrigou a mostrar uma expressão metade irritação e metade tédio — Não tente nenhuma gracinha. Eu garanto que você vai se arrepender.
Ele e Darius saíram do quarto, mas não sem antes do último confidenciar em tom de sussurro:
— Se eu fosse você, acreditaria nele — e então sorriu de forma maléfica — Certa vez, eu tive que arrancar pedaços de cérebro das luminárias de casa, depois de alguém irritar Corin.
— Apesar de eu suspeitar de que você não tenha um cérebro, aconselho que ouça Darius — o General Hashim disse, e então se foi também, trancando a porta logo em seguida.  

O Príncipe Dos Ladrões - Mirelly AlvesOnde histórias criam vida. Descubra agora