★Minha aula favorita★

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A mesma estrada e as mesmas luzes, certo, o pinscher da vizinha deve estar preso, nenhuma perseguição para hoje. Ao longe, já no portão da escola posso ver Sônia, que acena para que eu me apresse, por pouco não estou atrasada. Ela está de uniforme, a blusa é vermelha e a saia cinza até os joelhos, a mochila que faz parte do fardamento, também é vermelha com os bolsos cinzas e o flash preto, o tênis é branco e pequeno. Também uso o fardamento, porém, uso uma calça fina por baixo e o meu tênis branco é all star, além de mangas adicionais e minhas luvas… bem agasalhada, não?!

– Bonnie! Porque sempre anda chutando pedras?

Disse minha melhor amiga rindo, ela tinha razão, costumo andar chutando as pedras que vejo pelo caminho.

– Oi pra você também, lindinha.

Ela sorriu e agarrou meu braço. Finalmente entramos na sala e sentamos lado a lado. Cadernos na mesinha, várias anotações e cabeças pilhadas para resolver as equações da professora Cynthia. Eu não precisava de tanto tempo quanto os outros estudantes, e logo estava a ajudar Sônia, que mandava um beijinho no ar pra mim a cada equação resolvida com sucesso. Ao fim da aula que durava cerca de uma hora, saímos para o refeitório, logo depois viria minha aula predileta, gastronomia.

– Já sei porque está rindo.

Disse Sônia enquanto levava a colher a boca.

– Um dia vou abrir um café aqui na cidade, cheio de sobremesas e guloseimas, e bolos também!

– Não entendo porque você gosta tanto daqui, Bonnie.

– Por quê não gostaria? Eu sei, tem ruas em que o cheiro de fumaça é quase insuportável, e eu odeio o pinscher da vizinha, mas Green Bay é única…

Sônia me interrompe.

– "Nossas florestas ninguém tem, aqui é calmo e a tecnologia é razoável, a saúde pública dá para o gasto e dinheiro a gente consegue trabalhando…" você não se enjoa de me dizer este discurso Bonnie?!

Eu ri com a boa memória dela.

– Melhor conversarmos depois, ou ficaremos com fome.

Eu disse. Voltamos para sala, no caminho até lá dei uns pulinhos contidos. Quando chegamos na sala já haviam alguns alunos sentados com cara de sono, outros conversavam alegremente, alguns chegaram a nos encarar, e por minha causa Sônia também era tratada como invisível ou como estranha. De fato, ela é a única e verdadeira amiga que tenho, não sei o que deu na cabeça dela para se aproximar de mim, mas eu amei que ela o tenha feito. Sentamos, não demorou muito para que o professor Justin entrasse também, com um sorriso triste no rosto.

– Olá meus queridos.

Todos os alunos tinham apreço por ele, mesmo os que não gostavam da matéria, nem todo mundo gosta de cozinhar e ver o preparo de certos alimentos também, uns por nojo, outros por acharem um tédio…

– Bom, tenho uma notícia não muito boa, e uma razoavelmente boa. Qual vocês querem primeiro?

Em uníssono a turma disse que preferia a notícia ruim primeiro.

– Ok. Todos vocês são sabedores que essa disciplina não é apoiada pelo governo, e a prefeitura só liberou porquê a escola se comprometeu a arcar com os custos… bem, até hoje é o que o núcleo gestor está fazendo, mas estamos passando por um período difícil, então a escola está fazendo dispensa dessa matéria, além de cortar outros gastos menos necessários…

Um murmurinho na sala. Mesmo quem não gostava da matéria estava insatisfeito com isso, afinal, que matéria seria posta no lugar desta? Matemática? Português? Eu esperava que a notícia boa pudesse reverter o quadro, por isso não desanimei. Reuni coragem e perguntei:

– Qual a notícia boa?

– Ainda poderei ensinar vocês até o final do mês.

Os alunos não sabiam o que dizer, e o professor roçou as palmas das mãos nos olhos para espantar o cansaço, de quem provavelmente passou muito tempo procurando uma solução e não a encontrou. Ele disse que deveríamos aproveitar o tempo restante, então nos deu a matéria como se nada houvesse acontecido. No final da aula, fui até ele, e Sônia perplexa me acompanhou, nunca falava com ninguém além dela, mesmo com o meu professor lindo e maravilhoso Justin, que estava prestes a deixar a escola, a me deixar, e levar minha matéria preferida com ele.

– Professor.

– Sim, Bonnie.

Raciocinei rápido, estávamos em agosto, ainda haviam mais três meses fora este, daí as férias chegariam, dando tempo para a escola se reestabelecer e minha vida não ir embora com Justin.

– Eu estava pensando… A escola não pode bancar mais essa matéria até o final do ano, mas se ela não precisar fazer isso, não até ano que vem, daria certo?

– Na verdade sim, a verba da escola veio bem menor dessa vez mas é uma raridade isso acontecer, eu e outros professores gastronômicos até poderiamos sair e voltar só ano que vem, mas foi complicado conseguir a autorização da prefeitura, e pedir mais uma vez… as chances de conseguirmos é pouca, e infelizmente nós não temos um plano b para tudo. Não há como pagar as despesas nesses meses restantes, gastronomia parece simples, mas há um grande gasto para colocá-la em prática. Sabemos que vocês não são ricos, alguns até tem condições de ajudar, mas a maior parte dos pais também acham desnecessário ensinar qualquer coisa como essa na escola, então não vamos e não queremos pedir para que vocês inventem de fazer uma "vaquinha".

– Não estava pensando em fazer uma "vaquinha".

Respondi com uma careta suave, Sônia atenta.

– No que estava pensando então, senhorita Bonnie?

– Trabalho, em nome da matéria. Se todos os alunos se juntassem poderíamos fazer um grande movimento, e arrecadar dinheiro suficiente para poupar a escola dos gastos do fim desse ano, a deixando pronta para ano que vem.

– É quase a mesma coisa que uma "vaquinha".

Disse o professor sorrindo tristemente.

– Mas não é. Além de ser mais honroso, professor.

– Sei que sim, Bonnie, você é uma das minhas alunas mais aplicadas, mas não quero dar falsas esperanças para todos minha querida. Olhe para Sônia, não vou aguentar decepcionar um rostinho tão meigo.

Sônia sorriu com o elogio e eu corei por ela. Mas não me dei por vencida.

– Não vai decepcionar ninguém, só fale com a turma, se todos concordarem veremos o quê e como fazer, por favor.

Olhei para Sônia em busca de auxílio, e ela disse:

– Por… favor?

– Está bem. Mas não prometo nada a vocês, e não prometo nada a ninguém, vou falar com a classe semana que vem meninas, até.

Com isso ele saiu. Soltei o ar que estava preso, meus ombros desabaram, não podia manter a postura intacta depois dessa… ficar sem essa aula me tornaria uma completa antipática.

– Você é corajosa!

– Não sou, só amo gastronomia e você sabe disso.

Sônia colocou uma mão no meu ombro e me deu um sorriso caloroso.

– Sim eu sei, e como sempre, você vai superar se não conseguir. Mas acredito que vai.

De Encontro Ao Passado Por Um Futuro Melhor.Onde histórias criam vida. Descubra agora