Capítulo 10

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Após acabarem com mais uma das garrafas de bebida, se deitaram na cama de barriga para cima, olhando para o teto que pairava sobre suas cabeças. Ficaram em silêncio, um silêncio confortável. Tudo que se ouvia era a música “Relicário” tocando baixo e distante, e o som da respiração das duas.

Vitória ficou tensa por poucos segundos, pensando se devia ou não dizer em voz alta o que sentia naquele momento.

— Eu te amo, Ana. – disse ela, com a voz embargada. Falou em alto e bom som, queria ter certeza de que a garota ao seu lado iria escutar. 

Se calou logo depois da frase. Esperou por uma resposta, porém nada foi dito. Se virou para Ana, que continuava olhando para o teto.

A menor estava confusa. Não sobre o que sentia, sabia que havia gostado muito do que ouviu e que com certeza era recíproco. Mas, como iria reagir? Já tinha dito aquilo duas vezes, sem resposta. Vitória se perguntava se era cedo demais. Ela suspira alto, dando um sorriso quase doído.

— Me desculpa, Vi. – é a única coisa que Ana diz, com a voz rouca por conta do álcool que ingeriu aquela noite. Olhou para Vitória, que logo percebeu estar sendo encarada, então passou os olhos pelo rosto da menor, vendo as bochechas avermelhadas.

— Tudo bem. Toma um banho e vai dormir, tá? Tá tarde. – foi apenas o que Vitória disse antes de se levantar dali, pegar sua bolsa e sair da casa da menor o mais rápido possível, deixando Ana no quarto sozinha e confusa. Após terminar a garrafa de uísque, a morena fez como Vitória pediu, tomou um banho e foi dormir.

Vitória não dormiu tão cedo. Levou uma garrafa de gin consigo, pensando que se desculparia depois. Já eram quase quatro da manhã. Enquanto caminhava pelas ruas da calma Araguaína, deixava que seus pensamentos a inundassem.  

A cidade dormia. Era só ela, ela e sua garrafa de gin.

Lembrou do que Ana havia dito antes, sobre como o amor parecia uísque: bom e ruim ao mesmo tempo. Que pensou que era forte. E, por mais que a menor tenha dito que diria depois o que isso significava e nunca tenha lembrado de fazê-lo, aquilo começou a fazer sentido na cabeça de Vitória.

Porque em seu peito sentia que talvez, o amor podia ser mesmo isso. 

Bom. E ruim. E principalmente, forte.

Andando mais um pouco por aquelas ruas que conhecia de cor e salteado, que lhe davam uma enorme sensação de nostalgia, percebeu que não era só ela que estava acordada. Ao longe, viu sentada em um banco da praça, uma menina de cabelos enrolados e castanhos, pouco acima do ombro, e sem saber porque, decidiu se aproximar. Quando se aproximou o suficiente, recebeu um olhar da garota, que parecia ser pouco mais nova que ela. 

— Posso me sentar aqui? – Vitória pergunta e ela assente. Se senta ali e sorri fraco para a garota ao seu lado. A loira direciona seu olhar à lua cheia que estava à sua frente, iluminando a noite escura.

A garota a espiava de canto de olho, até que seu olhar para na garrafa que Vitória carregava.

— Orloff? – ela questiona.

— Gin.

— Ah. A garrafa de gin e de orloff são meio parecidas, sempre me confundo.

— Pois é. – Vitória concorda. — Tu quer um gole?

— Quero. – Vitória a entrega a garrafa e a garota dá dois goles, fechando os olhos levemente depois disso.

— Ei. Tu tem quantos anos?

— Dezessete. – Vitória abre a boca em surpresa. — Mas eu faço dezoito semana que vem!

— Tu me roubou um gole de gin, cara… – a cacheada lamenta, começando a rir logo depois. — O que tá fazendo na rua uma hora dessas? Tá tarde.

— Vim pra respirar. Tava me sentindo muito sufocada dentro de casa. E você?

— Precisava pensar no que fiz hoje. Mas até agora não consegui. – ela ri baixo da situação, dando mais um gole da bebida. — Qual é o seu nome?

— Patrícia. – a garota sorri. — E o seu?

— Patrícia. Nome bonito. Tipo uma música. Sou Vitória. – ela diz, em um meio sorriso, se questionando se estava fazendo sentido. — Então, tu faz aniversário semana que vem, hm?

— Uhum!

— Não tenho nada significante pra te dar de presente. – Vitória ri. — Só essa garrafa vazia.

— Olha, eu ficaria muito alegre ganhando uma garrafa de gin vazia, viu?

Vitória sorri fraco, a entregando a garrafa. Patrícia sorri enquanto pegava o objeto, a olhando logo depois.

— Feliz aniversário adiantado, Patrícia. E juízo, hein, garotinha? – ela diz, se levantando do banco. — Os dezoito trazem junto muitas coisas que tu nem imagina… – soltou uma risada nasal, então se levantou, acenou, e voltou a caminhar pra casa.

Dessa vez, só ela mesmo, e a noite, que quase findava, trazendo pra si o dia.

Quando Vitória entrou em casa, os primeiros raios de sol já entravam pela janela. Foi para a cozinha, afim de tomar um gole de água. Quando estava de costas, ouviu passos, e se virou pra trás.

— Vitória? – disse Fernanda, a olhando.

— Oi, mãe. – suspirou, virando a garrafa de água na sua boca.

— Tu tá chegando em casa agora? – perguntou ela. Vitória suspirou e assentiu com a cabeça, então a mulher se aproximou. – Minha filha, tu tá cheirando álcool…

— Ai mãe, me deixa. – a cacheada disse se afastando.

— Eu já falei que tu precisa deixar de se comportar dessa forma. – a mulher repreendeu. — Eu tento ser o mais compreensiva possível, mas tu tem que entender limites.

— Uhum, mais compreensiva impossível. Aparecendo uma vez a cada quinze dias! – a menina riu, sarcástica. — Bela compreensão.

— Minha filha, se eu sou ausente é pra manter a sua vida! Pra te dar tudo de bom e do melhor…

— Eu não quero nada de bom e do melhor. Você me perguntou se eu queria? Não! Então não fala como se eu tivesse tido alguma vez a chance de escolher. Não vem aqui agora querer dar uma de mãe do ano e me dizer o que eu posso e não posso fazer. – Vitória disse tudo em um só fôlego, e então começou a chorar, com os nervos à flor da pele.

Fernanda sabia que sua filha estava frágil, via em seus olhos que estava quebrada. Nada disse, apenas se aproximou e deu à ela seu melhor abraço. A cacheada relutou de começo, mas depois deixou que a mãe a abraçasse, e desabou. Estava sentindo mais coisas do que gostaria.

— Vem, tu precisa de um banho. – disse sua mãe, a levando para o banheiro. Ajudou a filha a retirar a roupa, então ligou o chuveiro. Enquanto ela tomava um banho, Fernanda separou seu pijama, deixando sobre sua cama.

Assim que saiu do banheiro, a loira sorriu fraco ao ver a roupa em cima da cama. Vestiu sua roupa íntima e logo colocou o pijama, se deitando na cama. Se ajeitou por debaixo das cobertas e fechou os olhos, que já estavam pesados.

Quando estava quase dormindo, ouviu sua mãe entrar de fininho em seu quarto. Ela se aproxima, e logo Vitória a sente depositar um beijo em sua cabeça. Sorriu fraco, sem abrir os olhos, e adormeceu pouco tempo depois, com o carinho da mãe.

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