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Dodô

Nunca gostei dos meus filhos aqui no alto comigo, sempre preferi que morasse na pista, que não vivesse enfurnado aqui no morro porque eu nunca sei quando podem querer a minha cabeça.

Cara no meu porte quando deixa de ter serventia vira logo alimento de formiga, não tem essa de cadeia, e quando tem é fora do estado, fechadão e com a família sem poder visitar por causa da distância.

Minha mais velha veio me ver, como não fico exibindo ela por aí nego achou logo que é minha mulher, humm, dou nem espaço pra nego fazer pergunta e gerar contenda.

Minha cria veio me trazer o convite da formatura, o que ela me disse doeu mais do que qualquer tiro que eu já tomei na minha vida :

"- Olha pai, eu te trouxe o convite da minha formatura, sei da tua vida, sei que é impossível te ver lá, mas eu te agradeço por tudo, sem você isso não teria acontecido!

- Tu sabe da minha condição né gatinha !? Mas eu quero foto de tudo escutou ? Vou ver o que tu me mandar, se precisar de alguma coisa é só falar que eu libero o dote! _ falei e ela riu.

- Aí pai, tu já pagou tudo, só meu padastro que me deu o vestido da formatura de presente, ele vai tá lá no dia junto com a minha mãe..."

Um bagulho simples, ela toda animada, feliz pra caralho e eu só pensando que por uma decisão que tomei quando meus filhos eram pequenos perco todos os momentos importantes da vida deles.

Formatura, festa de aniversário, festinha de escola ( quando eram pequenos ), tudo isso porque eu escolhi o crime como o meu ganha pão.

A vida do crime te dá várias coisas, mas ela te tira o principal, a liberdade.

Por ser procurado eu não posso dá mole, já tô velho e não quero perder mais do que já perdi nesses anos todos da vida das minhas crias.

Eu me vejo muito no Leandro, novo, cheio de ódio, expectativa quebrada, me achava o brabo, mas era um pato. A esperteza mermo só veio com o tempo e a experiência dolorosa de ver a morte de perto muitas vezes.

Fui até egoísta lá trás, pensei muito no que eu sentia e esqueci que ia ficar velho, que os meus filhos iam crescer e que muita coisa ia mudar.

As vezes a gente só precisa de um impulso de quem já deu a cara a tapa, de quem já viu muita  e também fez muita maldade pra poder seguir um caminho diferente.

Leandro - Tu sabe que eu vou voltar a formar  né !? _ falou de pé na minha frente.

Dodô - Não vai mermo! _ carreguei o revólver.

Leandro - Vou pô, tô te dando o meu papo de homem.... _ se escaldou.

Dodô - Não vai porra! _ esbravejei _ Já te falei que tu não vai!

Leandro - Com todo respeito Dodô, mas o meu pai é outro se ligou ? _ falou e eu engatilhei o revólver.

Dodô - Não quer ouvir no amor, vai ouvir na bala! _ falei firme e apontei o revólver na direção dele _ Mete o pé e não passa mais por esses lado menor, se eu te ver aqui por perto vou te estourar na bala!  _ falei e ele me olhou assustado.

Ele me olhou e saiu andando, sei que a palavra final é do cara lá de cima, mas Deus vai entender a minha intromissão.

Quero ver o Léo podendo tá em qualquer lugar daqui a vinte anos, esse garoto já passou muito tempo privado da liberdade.

Não pode jogar no lixo a oportunidade que a vida tá dando!

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01/09/2021

Ruínas - FinalizadoOnde histórias criam vida. Descubra agora