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Querido diário,

Estar indo para a faculdade era a realização de um sonho. Eu tive amigos que sonhavam em ir para a New York University, Harvard, Sorbonne e outras entre as mais concorridas. Eu só queria me formar em algo que eu amava em um lugar que me permitisse estar perto de casa, e tudo que idealizei se encontrava na Charlottetown University. 

Angelo também pensava assim, e é por isso que éramos tão compatíveis.

Acabei indo de carona com ele para a faculdade, quando ele estacionou na frente da minha casa e desceu para pegar minhas malas, meu pai me abraçou com toda força que ele tinha.

— Preciso chegar na universidade inteira, pai. — tentei apelar para o alívio cômico tentando disfarçar que estava quase chorando.

— Sinto que você vai realizar todos os seus sonhos. E se fizer isso, vai estar realizando os meus também. 

— Pai...

— Aproveita, filha. Agora vai, Angelo está te esperando — ele acenou de longe para Angelo, que já estava no carro novamente.

— Vou sentir saudades.

— Vou estar sempre aqui.

Sorrimos um para o outro sem dizer adeus, pois eu tinha o conforto de que um adeus não era necessário. Entrei no carro e me assustei quando Angelo me cumprimentou com um beijo.

— Preciso me habituar a isso.

— Precisa mesmo — ele riu.  — Então, Charlottetown University! Imagina quantas coisas vão acontecer nos anos que estivermos lá.

— Não entra na minha cabeça que isso está acontecendo. Eu e você, mesma universidade, e de quebra estou namorando com você, o meu melhor amigo de infância! Lara Jean cometeria crimes para estar no meu lugar. Isso não é insano? Tipo, parece um filme clichê.

— É verdade. A vida não é um clichê, mas talvez a gente seja a exceção à regra.

Não consegui pensar em uma resposta, então só concordei e desviei minha atenção para a paisagem que ia ficando para trás. 

A tela do meu celular acendeu com uma nova mensagem, e era de Bertha.

Uma mensagem de voz caótica que ela e Ben gravaram para mim. A irmã mais nova deles ainda não sabia falar, mas também quis fazer sua participação.

"Iris, a gente vai sentir sua falta! Não é, Ben?", "É verdade, não vai ter mais ninguém pra tirar a Bertha de casa pra ela não ficar me enchendo o saco — ouvi eles se empurrando, e Labelle rindo ao fundo. — LaBelle também vai sentir sua falta, até Bianca vai — a bebê deu um grito que interpretei como uma confirmação do que Ben disse. — Volta logo, Iris!"

"E boa sorte na CTU!" — Bertha, foi a última a falar. 

O trio do problema, como os nossos pais chamavam. Bertha, Ben e LaBelle estavam sempre se metendo em confusão. Sumindo por umas horas e deixando todo mundo desesperado, depois apareciam como se nada tivesse acontecido, dizendo que tinha ido dar uma volta no centro da cidade e se perdido. Eu não era tão mais velha que eles pra dizer que "vi eles crescerem", mas era verdade.

Era bom ter alguém a quem influenciar e ensinar o pouco que eu sabia, eles foram os irmãos que eu não tive. Então sim, eu também sentiria falta deles.

Antes que pudesse desligar o celular e voltar a desassociar, uma nova mensagem chegou. Dessa vez era Estelle.

Devo ter mencionado que não tive muitos amigos durante o ensino médio, mas Estelle foi uma das poucas e raras.

Éramos o tipo mais estranho de amigas. Passávamos dias sem se falar, sem nenhum motivo específico, e ainda assim, quando conversávamos, tudo parecia normal. Ela tinha os segredos dela e só compartilhava comigo o que se sentia bem em contar, e vice e versa. Ela esteve lá em vários momentos que Angelo não pôde estar, e tentei fazer o mesmo por ela. 

O problema foi quando começamos a nos aproximar demais, da maneira que todos esperavam que fôssemos. Aquilo tornou tudo estranho, o silêncio entre nós era desconfortável. Vários fatores nos afastaram, mas ela ainda tinha um lugar especial em mim.

"CTU, hein? Nunca duvidei que você conseguiria. Boa sorte pra você, queria desejar isso pessoalmente :(. "

Eu sentia falta de Estelle, mas toda a confusão de acontecimentos me faziam adiar o dia em que eu mandaria uma mensagem pra ela tentando reiniciar nossa amizade do ponto onde ela parou.

Mas talvez nunca seja tarde.

Conversamos por mensagem durante todo o caminho, descobri que ela estava na UPEI — University of Prince Edward Island — que ficava a pouco mais de uma hora de distância de onde eu ficaria. 

Talvez a vida fosse um clichê. Eu e meu namorado — que era meu melhor amigo de infância explicitamente perfeito —  estudando na mesma universidade, morando não muito longe da minha melhor e única amiga de infância. 

A coordenadora do campus disse que eu ainda não tinha uma colega de quarto, então eu passaria a primeira noite de adaptação sozinha. 

À noite, eu e Angelo caminhamos pelo campus abraçados para amenizar o frio. A montanha russa parecia só subir mais a cada instante, Arrisquei dizer que minha vida era perfeita.

Meu quarto se resumia a quatro paredes com um tom de rosa esquisito, duas camas de solteiro que eram surpreendentemente confortáveis, dois armários estreitos de madeira escura, uma janela grande com vista para o jardim e uma porta que dava para um banheiro pequeno.

Minha primeira noite foi boa, então amanheceu.

Em um horário que eu acredito ter sido antes mesmo do sol aparecer, a porta do quarto foi aberta com brutalidade. Uma garota alta com pele negra que tornava seu cabelo cacheado e longo uma perfeita moldura para o seu rosto delicado entrou no quarto, arrastando desajeitadamente uma mala claramente pesada. Pulei da cama com o barulho e quase gritei, assim como ela.

— Que susto! — falei, tentando recuperar o fôlego e me jogando na cama de novo.

— Desculpa. Eu devia ter batido antes, né? É que essa coisa tá pesada, e eu já cheguei meio atrasada, então... — ela falava exageradamente alto, minha cabeça começava a latejar.

— Tudo bem, tudo bem. Pode falar um pouco mais baixo?

— Perdão. — ela pareceu murchar.

— Qual seu nome?

— Alexa.

— Tipo a assistente da Amazon?

— É — ela bufou. Claramente não era a primeira vez que ela ouvia a piadinha. — Tipo a assistente da Amazon.

Querido diário, aquela menina ia virar minha vida e toda a montanha russa de cabeça para baixo, e me levaria fazer as coisas inacreditáveis que me tornam quem eu sou

O diário de Iris - A vida não é um clichê.Onde histórias criam vida. Descubra agora