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Querido diário,

Quando liguei pro meu pai e vi seu rosto preencher a tela do meu celular, fui tomada por alívio, que foi seguido por um medo avassalador. A ficha de que um desastre natural poderia acabar com tudo não havia caído, mas o desespero era real.
- Pelo visto já ficou sabendo - ele disse.
- Sim! - falei, alto demais. Alexa, que estava tentando dormir de novo, me olhou com cara feia. Entendi que queria que eu falasse mais baixo.
- Como você está?
- Assustada, pai. Muito assustada - me acomodei entre meus lençóis.
- Todo mundo aqui também. Mas o que resta é torcer pra que dê tudo certo, não é?
- Acho que sim. Vocês estão se preparando, não estão?
- Estamos. Todo o pessoal vai ficar junto na casa dos Blythe, assim a gente se sente mais seguro.
- Fico feliz que vocês tenham uns aos outros.
- E você e Angelo, como estão?
A pergunta me pegou de surpresa. Eu não sabia como eu e Angelo estávamos, e eu não podia responder que estávamos bem.
- Ele está bem - Alexa estreitou os olhos para mim e meneou a cabeça.
- Hum. Me mantém informado, tá? Posso dar um jeito de te trazer pra casa se você quiser..
Se eu queria ir para casa? Sim, muito. Mas eu era quase uma adulta, pelo menos na minha cabeça. Eu não deveria querer correr para debaixo da asa do meu pai a cada problema que me tirasse da minha zona de conforto, mas eu queria.

Os dias que se seguiram foram preenchidos por uma rotina cansativa e desesperada de comprar/guardar/arrumar/avisar/planejar, tudo pensando no que estava por vir. Um dia antes da data prevista, observei uma movimentação não habitual começar no campus enquanto eu fechava a última mala. Muitas pessoas chegavam ao campus e eram guiadas por um coordenador.
- Ficou sabendo de alguma coisa? - Alexa perguntou, vindo até a janela.
- Só o mesmo que você.
Nos olhamos por um segundo e descemos as escadas do prédio correndo até onde as pessoas se acumulavam, carregando malas e mochilas. Todos pareciam universitários, como nós. Chegamos bem a tempo de ouvir o final do discurso do coordenador.
- Como eu já havia dito - o homem de estatura baixa e cabelo ralo falava, com uma voz desgastada -, é uma pena que a UPEI não tenha se precavido para uma situação como essa, e será um prazer acolhê-los aqui.
"UPEI..?", pensei. Passei os olhos pelo mar de pessoas procurando um rosto específico, e quando o encontrei, ele também tinha me encontrado. Bom, ela tinha me encontrado.
- Iris! - Estelle correu até mim, cortando a multidão e empurrando pessoas, e me abraçou.
- Não acredito que está aqui! Como, por que?
- Porque a minha universidade está caindo aos pedaços, ué! - ela tinha um sorriso enorme, como se estivesse ignorando a razão que a levou até ali.
- Seria ruim achar isso bom?
- Se for porque eu estou aqui, então não - ela riu.
Alexa encarava Estelle de uma forma estranha, eu nunca havia visto ela assim. Braços cruzados, ombros rígidos, as sobrancelhas se franzidas, sua expressão endureceu, isso não era um bom sinal.
- É... Alexa, essa é a -
- Eu sei quem ela é - Alexa interrompeu.
Estelle virou para Alexa e tudo ficou claro, elas se conheciam.
- Oi, Lex.
Alexa revirou os olhos e saiu pisando forte, sem responder Estelle.
- O que rolou aqui? - perguntei.
- Você não vai querer saber.
- Na verdade, eu quero sim.
- Eu preciso ir pro auditório, a gente pode conversar depois. Pode ser?
- Claro. Pede pra alguém te mostrar onde fica a cafeteria, te encontro lá no fim da tarde.
- É bom te ver de novo. - ela sorriu, e foi embora.
Tentei alcançar Alexa mas ela já estava longe. A encontrei no quarto, de braços e pernas cruzadas, encarando o chão. Sentei na minha cama e esperei em silêncio o tempo que pude.
- Então..?
- O que?
- Não vai me falar porque tratou Estelle daquele jeito?
- Sua amiga é simplesmente a garota que terminou comigo no telefone alguns dias atrás, sem explicações e do nada. Eu acho que isso me dá passe livre pra não oferecer mil sorrisos pra ela, e você?
- Oh, eu não sabia disso.
- Agora sabe. Sei que isso não muda nada na amizade de vocês, mas não queira que eu force com ela uma simpatia que não sinto.

No fim da tarde, Estelle me avisou que já me esperava na cafeteria. Desci pra encontrá-la do jeito que estava mesmo.
- Acho que ela já te falou de onde me conhece - foi a primeira coisa que ela disse.
- Falou, mas acho que não é da minha conta.
Estelle tinha mudado em muitos aspectos desde a última vez que eu a havia visto. Estava mais alta, obviamente. O cabelo estava maior e preso em uma trança afro diferente de como ela costumava a usar, mas a pele negra ainda refletia a luz do sol da forma que eu lembrava, e ela ainda sentava com um pé em cima da cadeira como antigamente.
- Vi as fotos que postou com Angelo, o que tá rolando entre vocês? É namoro ou é rolo?
- Acho que é um namoro, pelo menos era na última vez que chequei.
- Ei, explica isso.
- Não tô afim, sério.
- Você não mudou nada mesmo, hein.
- Já você... Mudou bastante.
- Tá falando sobre eu namorar meninas? - ela riu - Isso não mudou. Sempre fui assim, você que não percebeu. Espero que não tenha problemas com isso, porque se tiver...
- Claro que eu não tenho, acorda - eu ri, mas sem graça.
Desviamos o assunto para mil direções diferentes, mas acabamos voltando ao assunto inicial.
- Iris, preciso que me ajude a fazer Alexa entender que não tive a intenção de chatear tanto ela. Eu fiz isso pensando exclusivamente no bem dela, sabe?
- Não, sei não. Podia pelo menos ter feito isso pessoalmente. Você, conhecendo ela melhor que eu, devia ter considerado que ela não iria levar isso numa boa. Eu também não levaria.
- Já viu quanto custa vir da UPEI pra cá? - ela falava como se sua vida dependesse de me convencer de que ela não era uma má pessoa - Se eles não tivessem cobrido o custo da viagem, eu teria ficado lá e deixado o furacão me levar.
- Tem razão - eu ri. - A gente dá um jeito. Mas qual seu objetivo, voltar com ela?
- Não! Quer dizer, não. Só não quero que ela me odeie.

Seria mais fácil parar um furacão com um sopro do que colocar na cabeça de Alexa uma ideia diferente do que ela já pensava, mas não custava tentar.

O diário de Iris - A vida não é um clichê.Onde histórias criam vida. Descubra agora