10

12 1 0
                                    

Voltar para fora foi... confuso. Alexa fingiu que nada havia acontecido, e permaneceu assim até quando saímos do nosso esconderijo de volta para o mundo. Angelo me procurava em meio ao mar de pessoas e bagagens, mas dei um jeito de me ocultar da sua vista.
Quando eu era menor e meu pai entrava no meu quarto, ele costumava rir e falar "Parece que passou um furacão aqui!", naquele momento aquela frase parecia fazer muito mais sentido. Saindo dos auditórios pela manhã depois de dois dias confinados, conseguíamos ver os carros do estacionamento totalmente desalinhados e alguns revirados. Algumas janelas do prédio principal haviam sido quebradas, e árvores se inclinavam sobre o chão - isso se não já estivessem caídas.
O resto do meu tempo seria dedicado a limpar toda aquela bagunça já que o meu quarto estava cheio de água e cacos de vidros, mas a primeira coisa que fiz foi aproveitar que o sinal de celular estava estável novamente e ligar para o meu pai.
- Me diz que estão todos bem.
- Intactos, querida! Sobrevivemos a mais uma, e como estão as coisas por aí?
- Está tudo um caos, muita gente perdeu muita coisa, mas acredito que ninguém ficou ferido.
- Isso é bom. Venha pra casa assim que possível, estou morrendo de saudade.
- Claro, pai. Assim que liberarem as estradas eu vou dar um jeito de ir ver vocês.

Pensar em ficar sozinha com Alexa no quarto novamente me dava frio na barriga, mas tudo ocorreu totalmente ao contrário do que eu esperava. Bem, nem tudo.
Obviamente ela colocou uma música alta enquanto limpávamos o quarto, porque isso era típico dela. Quando comecei a ficar tensa por causa do elefante que eu imaginava estar presente ali, ela abaixou a música e riu para mim.
- Você parece tensa, será que vou ter que te beijar de novo?
Eu devo ter feito uma expressão muito engraçada, porque ela riu mais ainda.
- Alexa!
- Desculpa, desculpa! - ela limpou uma lágrima, porque sim, ela chorou de rir - Tá, agora eu parei.
- Olha, sobre aquilo...
- Relaxa, eu sei que você ensaiou um discurso pra me dizer que aquilo foi errado, que não pode acontecer de novo, que você tem um namorado babaca...
- Espera, eu não...
- Eu sei, Iris. Eu sei. Mas relaxa, tá? Foi só algo... Como eu disse, pra aliviar a tensão. Isso acontece o tempo todo entre pessoas normais.
- Não somos pessoas normais.
- Para com isso, somos sim. Somos o tipo mais normal de pessoa que existe: jovens, confusas e com problemas psicológicos não resolvidos. É basicamente o estereótipo de qualquer universitário.
Ela estava certa. Éramos totalmente ordinárias, e o que tínhamos feito não precisava significar nada. Por outro lado, além de Angelo, ela era a única pessoa que havia me beijado. E foi... diferente.
Mas eu precisava considerar um ato cotidiano, como se todos os dias eu sentisse aquilo.

Pensar em Angelo pareceu ativar nele a sensação de que eu queria vê-lo - eu não queria. Ainda assim, quando anoiteceu, ele bateu à porta do meu quarto e chamou pelo meu nome. Levantei e fui abrir, sabendo que aquele seria o fim.
- Precisamos conversar - ele disse, assim que abri a porta.
Analisei seu rosto, dissecando cada uma de suas expressões, procurando por arrependimento. E encontrei, mas isso me fez sentir pior ainda, porque o arrependimento dele não valeria de nada para mim naquele momento. Caminhamos até o jardim, e não o respondi até chegarmos em um lugar onde eu poderia gritar sem me sentir envergonhada.
- Na verdade não precisamos.
- O que eu fiz foi...
- Errado. E você se arrepende, acertei?
- Não foi de propósito, Iris.
- Não, não foi. Eu só não entendo...- neste momento, tenho certeza que minhas lágrimas já rolavam. Deus, como eu odeio ser chorona. - Não entendo o que você estava fazendo lá.
- Você sabe, fui pegar minhas coisas.
- Pode até ter ido, mas seu dormitório fica para o outro lado.
- Me desculpa.
- Você estava com alguém - afirmei, porque se eu perguntasse ele mentiria.
- Eu juro que não.
- Eu não ligaria se estivesse! - gritei - Sinceramente, não ligo pra mais nada do que você fez ou vai fazer desde que você me deixou sozinha naquela sala.
- Eu posso recompensar o que eu fiz, mas não posso desfazer. Eu não menti pra você, mas quando eu estava voltando pra lá, Julie me mandou uma mensagem pedindo ajuda para carregar umas coisas. E foi só isso, nada aconteceu.
- Você está livre pra fazer o que quiser com a Julie, nós acabamos aqui.
- Acabamos por um erro meu? - ele parecia indignado, e incapaz de aceitar aquilo.
- Não por um erro seu, Angelo. Olha o que a gente se tornou! Qual foi a última vez que a gente conversou?
- Estamos conversando agora, e não faria tanto tempo se você não ficasse fugindo de mim.
- Qual foi a última vez que você me ouviu?
- Que besteira - ele suspirou.
Dei meia volta, por mais que estivesse andando de um lado para o outro desde que tinha chegado. Minha intenção era ir embora, mas não fui.
- Eu também errei. Por isso eu não te condeno, eu só não aguento mais todo esse caos entre a gente.
- O que você fez?
Em uma cena ideal, eu me jogaria nos pés dele admitindo o que fiz e implorando perdão. Ele ficaria bravo e me deixaria sufocando em lágrimas, me deixando com o papel de vilã infiel e ficando com o de mocinho injustiçado. Mas eu não tornaria essa cena real. Um clichê que eu sempre odiei é o de que devemos sempre confessar nossos pecados em voz alta, eu não concordo. Eu poderia lidar com a culpa sozinha, se eu sentisse alguma, mas para mim havia sido apenas uma traição pela outra.
- Errei. A única coisa que eu quero que você saiba é que eu não sei mais quem é você, ou quem sou eu. Eu quero muito descobrir de novo, quero reconhecer você e me descobrir, mas a gente não pode mais ficar junto.
- Mas eu te amo.
- Eu também, Angelo. Por que você acha que isso está sendo tão difícil?
Após um silêncio pesado, ele olhou no fundo dos meus olhos e disse:
- Eu perdi.
- O que?
- Apostei que você não conseguiria me machucar nem se tentasse. E olha só, você conseguiu.
- Eu não tentei. Angelo, eu não quis...
- Acho melhor a gente ir... cada um pro seu lado.
Enquanto eu me distanciava dele, olhei para trás, e percebi que ele havia paralisado. Havia algo o segurando, o impedindo de se mover. Percebi que ele queria vir até onde eu estava, mas continuei andando com medo do que aconteceria caso conversássemos de novo.

Ele tentou me abraçar, relutei em vão. No fundo, eu precisava daquilo. Me virei para voltar para o quarto sem olhar para trás. Alexa virou em minha direção quando bati a porta com mais força do que pretendia, e provavelmente percebeu meus olhos inchados.
- Acabou - falei, segurando soluços.
Havia algo magnético nela, ou na forma que ela me chamou com a mão para sua cama, que me fez deslizar sob meus pés direto para os braços dela. Quando ela me abraçou, não houve relutância. Apenas me permiti sentir as piores sensações que estivessem guardadas dentro de mim.

O diário de Iris - A vida não é um clichê.Onde histórias criam vida. Descubra agora