Jiang Cheng

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4 de Agosto de 2011

"Porra de ex,

Maldito seja você, maldito seja o dia que você caminhou sobre a terra. Maldito seja o dia que você veio na minha direção.

Se uma máquina do tempo fosse construída, eu voltaria para o dia do seu nascimento e te sufocaria em seu berço.

Não bastasse a Barbie Malibu vesga desfilar no seu abraço, como a porra do troféu fálido que ela é, você teve a audácia de comparecer com ela na droga de viagem que eu planejei.

Dói, sabia? Doeu como um inferno porque era pra ser um dia bom e te ver chegar, falar com meus amigos, nossos amigos e nem me olhar, sequer virar-se na minha direção foi como um balde de água gelada no fósforo de esperança que eu ainda tinha. Minha psicóloga diz que isso se chama luto.

Você não morreu, foi pior do que isso. Tivemos um término inconclusivo e agora, como todo bom idiota chutado, eu tenho que me arrastar por aí e tentar superar.

Essa carta é só um obrigado por destruir aquele dia que deveria ter sido bom. Por ter sentado do meu lado e ter fingido dormir para não dizer "oi" para não me dar uma justificativa. Eu não preciso de muito pra seguir em frente, só um motivo que vá além de uma saída abrupta do armário. Imaginei que seria difícil e dolorido, até perguntei aos meus pais se você poderia se refugiar na nossa casa.

Que tolo.

Encarando esse papel percebo que foi muito fácil para você. Sua imagem de hétero sempre esteve na frente. Ao passo que eu me enrolei em você e achei que estávamos construindo, tudo que fizemos foi nos esconder. Minto. Eu não me escondi, estive exposto e por isso eu me machuquei.

Você se escondeu, construiu uma parede sólida entre nós dois e o mundo, me chamando de seu irmão de outra mãe, flertando com as garotas e me cegando para o significado dessas coisas. Que outro significado há além do óbvio? Você sempre esteve pronto para me deixar.

Porém, e eu insisto em acreditar nisso e foi o que me fez levantar para escrever, houve uma época em que fomos felizes. Você se lembra? Não importa, eu me lembro e isso basta.

Era manhã de primavera e tinha chovido durante a noite, foi pouco depois da festa de aniversário de quinze anos da nossa amiga, você veio até minha casa de bicicleta e seu cabelo estava tão comprido que caía nos olhos. Nós fomos pedalar juntos e descemos as ruas até a balsa e atravessamos para o outro lado do rio. Do outro lado estava tão movimentado enquanto pedalamos pela feira.

Ainda me lembro dos cheiros da feira, do café onde paramos para comprar um lanche e da grama do parque, úmida e macia, do cheiro das árvores sacudindo suas flores e folhas no vento. Você me beijou no pescoço e senti todos os meus ossos tremendo, meus pelos arrepiaram e eu te empurrei para longe.

Seu celular, muito mais avançado que o meu, tinha uma seleção de músicas animadas com letras doces. Você me beijou outra vez e me tirou pra dançar.

— Tem muita gente aqui, deixe disso. — Me lembro de ter dito.

Você se lembra o que me disse?

— Não me importo de mostrar que te amo. Só estamos dançando um pouco. — Foi isso.

Quando você me segurou muito perto e nós balançamos no vento, num ritmo que era só nosso, eu acendi como fogos de artifício numa noite escura.

Claro, eu me esqueci que para além de brilhar, os fogos de artifício também explodem. Por sua culpa, eu explodi. A pessoa que escreve é o que ficou depois da explosão, os pedaços dilacerados de alguém que amou e nunca foi amado.

Espero que um dia eu me recupere e espero que você queime no inferno.

Mas não vou me recuperar, ainda sou seu embora gostaria muito de ser apenas meu.

Morra.

Amo você uma infinidade de vezes." 

Por todos os Dias que eu te AmeiOnde histórias criam vida. Descubra agora