Textos

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Talvez agora seja melhor deixar o peito repousar, entender que nem sempre o que queremos é aquilo que a vida nos reserva. Deitei no escuro, cerrando os olhos atordoado com minha tamanha estupidez. Como pode o homem, em sua forma madura de ser, apaixonar-se por quem jamais poderá ser dele? Faço birra, como ainda quando criança. Acreditava que o universo poderia conspirar a favor de quem fosse realmente convincente a respeito do que se desejava. Mas aí a idade vem, o coração já não suporta mais muito do que se era aceito, prefere momentos sossegados, relações leves, sem complicações e longe dos altos e baixos. O meio termo agora é suficiente. As terças-feiras regadas a vinho são o ponto alto da semana, pois não provocam empolgação, ou expectativas para o que se irá fazer, como estará vestido, ou quais palavras serão ditas ao longo da noite. A resposta? Nenhuma. O silêncio nunca é tão simpático quanto para aquele que ainda se recupera de palavras duras ditas no passado. Beirando aos vinte e muitos, desponta logo ali a idade da construção, da carreira, de patrimônios, da família. E você quer tudo isso, e mais um pouco. Quer ser tão clichê quanto a mãe que mostra orgulhosa fotografias dos filhos, quanto o apaixonado que apresenta a moça aos amigos com um sorriso que esboça a sensação de "reparem bem, pois é ela quem eu escolhi". E como se pode escolher alguém, sem também ser escolhido? É aqui que muitos se descabelam, aceitam de vez a solteirice, decretam que o amor não é para eles. E as vezes, naquele momento, realmente não é. Se temos que a felicidade não é um estado longínquo, mas a essência dos pequenos momentos alegres, solenes, estes por mais que passageiros, são resultados provenientes da construção de um estado de espírito. É simples de entender. Você jamais viverá um momento feliz em sua pura forma logo após xingar um motorista no trânsito, remoendo mentalmente os problemas de trabalho e insatisfeito com as pessoas que te rodeiam. Isso se dá, não porque todos devemos ir em busca da vida perfeita, mas porque muito se perde energia e atenção com coisas que não merecem ocupar este espaço, o que não te permite foco quando algo realmente maravilhoso bate em sua porta. No amor, a regra é precisamente a mesma! Torna-se humanamente impossível dar certo com uma segunda pessoa, quando seu corpo não dialoga mais com a mente, quando você já não se reconhece a partir de suas ações, e não se gosta por isso. Assim, se depara com pessoas que passam por sua vida, e lhe parecem adequadas de início, mas ao decorrer do percurso te dão motivos (por menores que estes sejam) a dar um basta no relacionamento. Este não me mandava mensagens antes de ir dormir, o anterior falava muito do que gostava, e o anterior a ele cheirava exatamente como meu falecido tio, que abandonara a mulher com dois filhos para criar (era claramente um sinal para fugir enquanto ainda havia tempo). Cria-se assim um ciclo vicioso que acaba em frustrações e um pedaço da gente que se vai um pouco mais, a cada experiência tal como estas. Confundo o leitor com meus emaranhados raciocínios, mas o ponto é: não espere se relacionar com o amor da sua vida se nem você mesmo se conhece tão bem para isto. Se você está perdido, quebrado, infeliz, confuso, amargurado, chato, atormentado, melancólico, preocupado, tenha a certeza de que milhares podem bater a tua porta, mas raríssimo é o caso em que ficarão esperando que o relógio conserte o que precisa ser reparado, e não é justo pedir isso ao outro. Que fique, que entenda, que seja paciente. Ou disponha-se por inteiro, ou contente-se com metades. Com meios romances, meias pessoas, que com o tempo te renderão meias histórias.

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