Epílogo

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— E filhos? – Simon perguntou enquanto jantávamos.

— Como assim filhos?

— Nós nunca conversamos sobre filhos – continuou. – Você não quer ser mãe?

— Não sei. Acho que nunca tive muito tempo para pensar nisso. Além disso, as crianças do hospital já preenchem um espaço enorme no meu coração.

— Mas não são seus filhos – completou.

— Não.

— No final do dia, elas vão para casa com seus pais e você volta para sua casa. Vazia.

— Vazia não. Eu tenho você – sorri.

Simon e eu estávamos casados há dois anos. Logo após se mudar definitivamente para o Brasil, Simon me surpreendeu me pedindo em casamento. Para a maioria das pessoas, não foi um pedido muito romântico. Estávamos assistindo a um dos filmes preferidos de Simon, um filme antigo de comédia. Ele se virou para mim, disse que queria que aquele momento durasse para sempre e perguntou se eu aceitaria me casar com ele. Chorei, obviamente, e respondi que sim. Assistir aos filmes de comédia, era um dos momentos de maior intimidade de Simon, era como ele amenizava toda a dor que sofreu em sua vida. Por isso, eu tinha certeza de que aquela foi a maneira mais romântica que ele poderia ter me pedido em casamento.

— Mas eu não sou barulhento – continuou. – Crianças são barulhentas, são bagunceiras.

— Simon, você quer ter filhos comigo? – Perguntei quase sem acreditar. – É isso que você está tentando me dizer?

— Eu não disse isso.

— Ai, meu Deus, você quer ter filhos... – disse surpresa – Eu nunca imaginei que você quisesse ser pai...

— Você quer ser mãe?

— É claro – respondi rapidamente. – Meu amor, eu quero tudo com você – completei enquanto me levantava e me sentava em seu colo. – Formar uma família com você é infinitamente maior do que tudo que eu imaginei.

— Então vamos formar uma família – sorriu.

Simon me abraçou apertado. Depois de tanto tempo, ele continuava me surpreendendo. Nos dias seguintes, aprofundamos essa conversa e resolvemos alguns detalhes. Decidimos adotar. Simon, nem por um segundo, cogitou a possibilidade de gerar uma vida. Ele tinha pavor de que seus filhos fossem assassinos também. Tentei explicar que ele não havia nascido assim, mas foi inútil. Não me incomodei muito porque minha idade já estava avançada e sabia que não seria fácil engravidar. Então, adoção parecia mesmo a solução mais adequada. Simon sugeriu que procurássemos instituições envolvidas com crianças vítimas de violência ou que tivessem algum problema de saúde. Eu topei sem titubear. Aquele era o tamanho do coração do homem que eu amava. Ele podia até matar pessoas durante a noite, mas, durante o dia, se preocupava em adotar uma criança que provavelmente seria rejeitada pela maioria das pessoas. Além disso, eu sabia que tinha nessa sugestão uma referência ao pequeno Amin. Talvez fosse a forma de Simon superar as marcas de seu passado. Talvez fosse a maneira encontrada por ele de se redimir com as tantas crianças que ele não conseguiu salvar. O motivo eu não sei bem, também nunca questionei. Não me importava. Eu concordava com ele, só isso importava.

Depois de uma longa espera, recebemos o telefonema que mudaria nossas vidas. Nossos filhos estavam a caminho. Filhos. No plural. Ao longo do processo, conhecemos a história de dois irmãos que nasceram na miséria do nordeste do país e foram vítimas da crueldade de seus pais. Uma menina e um menino, sendo este o mais novo. Passaram fome e apanharam muito, até serem resgatados pelo serviço social. Quando vi a foto, chorei. As crianças estavam muito machucadas e impressionantemente magras. Simon sorriu. Um sorriso de verdade, que mostrava seus dentes. Seus lindos dentes. Era um sorriso incrível, mas igualmente inconveniente. Fiquei assustada e só consegui perguntar o que estava acontecendo. Ele respondeu com apenas uma frase. O suficiente para eu entender o motivo do sorriso.

ANNIE [Português]Onde histórias criam vida. Descubra agora