PERNAS DOENDO de tanto andar, pés latejando dentro dos tênis velhos e duros, cabeça explodindo de tanto tomar sol quente, boca seca de sede e corpo mole de exaustão, esse é o resumo do meu dia. Com os olhos pesados e a pele colando de suor seco, giro a chave na fechadura. Finalmente, cheguei. Finalmente, em casa. Mas, o que vejo é tão desanimador, ou mais, do que a imagem, que contra a minha vontade, sou obrigada a encarar no espelho pendurado de frente para a porta. Uma imagem que rouba a minha atenção por parecer terrível, eu mesma.
A pele pálida poderia assustar até mesmo alienígenas moradores de planetas sem Sol. Quando foi a última vez que eu fui à praia? Meus cabelos longos e loiros parecem palha, já que há semanas eu não sei o que é um condicionador, e tenho usado detergente de cozinha para lavá-los. Os círculos quase pretos ao redor dos meus olhos, que foram muito mal disfarçados por um corretivo barato, ainda pela manhã, voltam a dar sinal de vida, depois de horas suando e andando a pé, derretendo minha pele, minha maquiagem e minha força de espírito.
Com os pés descalçados, tiro a bolsa desgastada do ombro e a deixo sobre a cadeira ao lado da porta. Balanço a cabeça negativamente e tento afastar meu desgosto comigo mesma. Não é culpa sua, Meredith! Não é culpa sua! Amanhã vai ser melhor do que hoje, e depois vai ser melhor do que amanhã! Você só precisa de fé!
Meu estômago ronca e eu torço os lábios em desgosto, já antecipando o que encontrarei na cozinha. Cinco passos são suficientes para atravessar a distância ínfima entre a porta da casa e a geladeira. Todo o meu glorioso espaço tem apenas um cômodo, que no fim das contas, abriga todos: quarto, sala, cozinha, banheiro e área de serviço. É quase como voltar à infância, quando eu imaginava que uma caixa de papelão era o castelo da Barbie, só que, agora, eu brinco de imaginar que esse cubículo é o lar dos meus sonhos.
Porque, da maneira como as coisas andam, por mais esperançosa que eu seja capaz de me manter, ainda assim, a improbabilidade de que um dia eu possa ter esse lar continua a mesma, altíssima. Morar em Seattle custa uma pequena fortuna, uma que eu não posso pagar. O segredo mais mal guardado da história da humanidade? Eu estou falida! Absoluta e completamente. Nem um real no bolso, nada na conta, debaixo do colchão ou no fundo do guarda-roupa.
Na verdade, nem um desses eu tenho mais, vendi há dois meses e ando guardando meus poucos panos de bunda em caixas de papelão. Mas dívidas? Ah, essas eu tenho! Muitas, muitas dívidas! No cheque especial, em sei lá quantos cartões de crédito, na padaria da esquina e na mercearia do bairro. Ah! E não podemos esquecer do bar do Joe, o último recurso dos desesperados.
A cama, feita de dois paletes e alguns colchonetes, me chama. É quase como o canto de uma sereia, mas eu não posso apenas ouvi-lo e me jogar nela, a menos que queira me quebrar inteira, ou quebrar a cama. Deitar nela requer paciência, tenho que deitar devagar para ter certeza de que vai ficar tudo bem, porque nem dez reais para comprar dois paletes, e substituir esses, eu tenho.
Suspiro derrotada e abro a geladeira. Uma dúzia de ovos, meia caixa de leite, três garrafas de água e duas bananas. É tudo o que há. Curvo a cabeça para o lado, perguntando-me o que fazer, mas não é como se eu tivesse muitas opções. Vitamina de banana então, tomo todos os dias nos últimos quase dois meses. Às vezes consigo comprar outras frutas, mas, no geral, a banana é a mais barata. E, apesar de parecer pouca coisa, a diferença entre a banana e o mamão, que é a segunda fruta mais barata, muitas vezes, é preço da batata.
Enquanto preparo minha última/única refeição do dia, a cama segue com sua cantiga encantada. Mas, um banho, eu preciso de um banho para esquecer esse dia de derrota. Oito horas andando a pé, entregando currículos. Gastei meus últimos centavos para imprimi-los e andei até onde meu corpo aguentou, entregando-os em todos os lugares que vi: lojas, restaurantes, lanchonetes, bares, todo e qualquer lugar que pudesse ter uma vaga, e em nenhum, nem mesmo em um único deles, qualquer pessoa me deu esperanças de conseguir alguma coisa.
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Contrato de Prazer || Meddison
FanfictionMeredith Grey está falida. Na verdade, ela nasceu falida. Mas, agora, aos 22 anos, chegou a um ponto crítico. Desempregada há nove meses, seu aluguel está atrasado, sua geladeira está vazia, e se ela não conseguir uma forma de ganhar dinheiro logo...