Uma visita inesperada.

21 8 11
                                    

Acordo sentindo meu corpo me respondendo logo cedo sobre estar exausto e não querer levantar da cama. E por impulso começo a apalpar o lado esquerdo da cama tentando sentir James e quando me viro e não o vejo lá, e sinto um certo desespero tomar conta de mim. Mas em instante minha mente me lembra sobre tudo que descobri dele e novamente sou preenchido pela tristeza e pelo desânimo. Viver isso todos os dias tem me feito me sentir menos a vontade comigo mesmo pois meus sentimentos sempre se voltavam contra mim, como se eu devesse amar James ao invés de lutar contra o sentimento e seguir em frente.
  - Você quer mesmo ir ? - Me pergunta Murilo enquanto tomamos café, observando o sol nascer pela janela que nos dá a melhor vista, de cima de uma grande montanha ao leste de onde ficava nosso antigo vilarejo.
  - Quero - Digo engolindo o café dentro de meu copo e por um momento tenho que disfarçar a cara de tristeza, de Murilo, pois ele tem me observado bastante nesses dias que ficamos sozinhos.
      Ele se manteve mais calmo e menos intenso. Quase não forçou nada mas sempre se manteve presente e me fazendo bem. E para mim isso era bom já que nada mais me deixava tão confortável.
      Eu e Murilo estávamos em uma casa, dentro da floresta acima das montanhas, onde ficava nosso antigo vilarejo. Era um dos lugares que eu nunca mais tinha ido, desde de que tinha sido invadido e destruído por um grupo de terroristas de Aisha. Sentia vontade de me encontrar por lá, mesmo que a cena dos destroços me fizessem mal, mas sentia que devia uma visita a aquele lugar, que sempre foi o melhor lugar do mundo para mim.
Murilo havia aceitado ir também. Ele, no começo, havia se recusado a ir. Nós primeiros 8 dias escondidos naquela casa no meio da floresta, ficamos mais isolado pelas fortes chuvas que caíram, dia após dia, sem intervalo. Até que desde o dia anterior o sol voltou a dominar o lugar, então tinha aquele cheiro normal de mofo que chegava até a gente, não tão forte, mas era o suficiente para me incomodar e me fazer querer ainda mais estar de novo ali.
- Tá bom, mas antes vou até a cachoeira tomar um banho, se quiser ir também - Murilo se levantou e me beijou na testa e por um momento eu tinha entendido o pedido mas era algo que não iria aceitar.
- Vai lá - Corto a vibe de Murilo e do nada ele some da minha frente, correndo muito rápido até a cachoeira que ficava a uns 2 km de distância.

* * *

- Me lembro da vez que cabulamos aula e você me xingou, perto daquela árvore por ter perdido a prova - Murilo estava mais leve. Era tão bom ter ele por perto, desse jeito. Pois ele não estava tenso e nem com raiva o tempo todo, por causa de ninguém.
Acho que sua felicidade era baseada em coisas leves e com menos pessoas, possível, presentes. Algo que o preenchesse com um amor que só ele poderia sentir. Seu rosto transmitia isso. Ele estava em perfeito conforto longe de tudo e todos. E eu me sentia da mesma forma. Só sentia falta de algumas coisas, o que fazia minha mente sempre estar em alerta a querer voltar para algo. Mas eu estava satisfeito com aquilo. Ter Murilo, mais leve e menos tenso, era tudo que precisava para amenizar a dor do que tinha vivido. Era mais fácil de pensar e conversar, e de colocar nossos planos para achar as relíquias em prática. Mas ele, durante alguns dos dias em que estamos aqui, tem me questionado o por que de não termos visitado seu passado, apenas para deixar as coisas ainda mais claras entre a gente. Mas diferente de James, eu temia mais saber sobre Murilo e perder ele pra sempre. Ele era a única esperança viva em quem eu podia confiar. Acho que afastar seu passado fazia eu sentir menos ameaçado de perdê-lo. Sei que é errado e injusto com James, mesmo isso já tinha alimentado esperanças nele, mas eu o amava como meu amigo. Não deveríamos então sermos apenas amigos ?
- Era uma prova que valia a nota final né - Eu o olho e vejo ele sorrindo e isso me deixa calmo - Quando tudo isso acabar, quero concluir os estudos e trabalhar.
- Eu quero o mesmo - Ele então olha para frente e para algo além disso. E era como se algo o fizesse sentir que tudo de bom tivesse ido embora. Sua face se transformando em assombro.
Então sigo seu olhar e ao visualizar o que temia ver em breve, me fez entender o por que Murilo queria vir aqui. Estávamos a poucos metros da minha casa, e lá tinha alguém, em cima dos escombros queimados, de costas como se avaliasse o lugar com atenção. Claro que isso me deixou em alerta total, mas Murilo parecia calmo e aliviado ainda. Então eu olho com mais atenção e vejo que a pessoa de costa era alguém família para mim. Não parecia alguém que pensei ver depois de tanto tempo e de tantas coisas que passaram.
- Ele quer falar com você - Murilo me olhou e piscou para mim - Sei que vai me odiar, mas eu mantive contato com seu tio durante toda a missão. Vários dos lugares que fomos ele deixava reservado para que nunca ficássemos sem esconderijos.
Eu encaro Murilo agora bem sério. Não sabia se batia nele ou só xingava até sua terceira geração. Mas havia algo em seu semblante. Era a versão mais pura de Murilo. E isso de alguma forma me deixou calmo. Ele sabia que precisava manter coisas em segredo, mas na hora certa me dizia tudo. Talvez na vida temos que entender isso: nem tudo precisa ser dito, nem tudo precisa ser esclarecido, nem tudo precisa estar com a gente agora, e nem tudo precisa ser do jeito que queremos. Murilo tinha muito disso, então eu sabia que não podia me responder todas as perguntas que tenho, mas poderia me dar uma luz onde eu precisava para saber como caminhar. E por um momento me julgo pois dou a oportunidade de Murilo mentir ou ocultar as coisas de mim sem julga-lo e não faço o mesmo com James. Será que minhas expectativas sobre James fazem eu apenas errar com ele e não com Murilo ? Pois Murilo já provou que esconde coisas de mim e eu não explorei isso nele, mesmo ele já tendo quase me obrigado a olhar seu passado. Acho que haverá um dia que eu farei isso, já temendo que isso poderia nos afastar para sempre.
- Tio ? - Tento uma aproximação mas o homem a minha frente não se move.
  - Oi Elano - Meu tio se virou e isso me deixou assustado.
      Seu rosto estava com várias cicatrizes. Muitas delas estavam cortadas em linhas retas pelo seu rosto, e seu cabelo estava mais curto, com pintas finas que cresciam para qualquer lado. Era como ver a versão mais destruída do meu tio, que sempre foi vaidoso com sua aparência.
  - Murilo poderia nos deixar a sós ? - Meu tio lançou um olhar mais sério a Murilo e isso me deixou incomodado.
  - Não ! - Me aproximo para perceber que seu rosto estava pior do que eu já tinha visto ou presenciado - Ele fica. Se ele for eu vou junto.
        Meu tio por si não gostou muito da minha posição. Fez careta e jogou os olhos na órbita até fixar seus olhos novamente nos meus. Ele parecia estar feliz em me ver. Seus olhos brilhavam de satisfação. Então, ele veio ao meu encontro e me abraçou. Não deu muito tempo até que ele começou a chorar e isso me fez questionar o por que. Pelo o que conheço de meu tio, ele nunca foi um homem de mostrar sentimentos. Já tinha o visto chorar apenas no dia do enterro de meu pai e de um amigo muito próximo. Ele ficava mal e passava meses sem falar com ninguém de tristeza. Mas fora isso sempre se mantinha estável e elegante.
  - Sinto muito pela sua mãe e Charlie - Ele me apertou ainda mais em seu abraço - Eu tentei ao máximo protegê-las, mas sua mãe era teimosa e queria estar perto de você e Charlie sempre teve o mesmo gênio de sua mãe e a seguiu... ate um dos seguidores de Aisha acharem as duas....
      Eu me solto de seu abraço de forma meio bruta. Era como se eu reprovasse estar abraçado e ouvi ele falando nessas coisas. Não tinha espaço o suficiente em minha mente para lembrar de mais dores do que eu consigo suportar. Forçar isso dentro de mim me deixava em vácuo, como se abrisse mais ainda o buraco de dor e tristeza que evito sentir e preencher com mais dor e tristeza.
  - Desculpa, eu só não quero lembrar disso - Digo agora mais calmo - Por que voltou ?
      Seu olhar seguiu até Murilo. Me viro para perceber se há algo estranho nessa troca de olhares mas Murilo se mantém parado e sem emoção, encarando meu tio. Seu olhos apenas ficaram leves quando me miraram, ainda se mantendo sério.
  - Não confiava aparecer sabendo sobre James - Meu tio então deu um passo mal executado para trás e quase caiu nas pedras debaixo de seus pés - Quero dizer... já fomos aliados de Aisha e...
  - E o que ?! - Será que todos que conheço já foram aliados de Aisha e só faltou eu ser ? Por que todos já serviram a ela ? Será que pararam por arrependimento ou por que o poder dela não é tão grandioso como foi em épocas de guerra ?
  - Deixa eu falar Elano - Ele então se o endireitou e começou a falar novamente - Eu e seu pai fomos seguidores de Aisha, Murilo e James também... mas foi por conta que nossas famílias estavam sendo ameaçadas por ela. Na época de seu maior sucesso e poder, Aisha conseguia manter o controle público sobre ter tudo em suas mãos. Quem não a servia virava vítima de suas torturas. Então tivemos que ceder.
      "Odiava ter que estar servindo a ela, mas se eu ou seu pai não tivéssemos feito isso estaríamos todos mortos. E também a ligação entre você e James com as relíquias nunca teria existido... mas isso não dava pra ser evitado."
      Eu suspiro quando ele menciona James em sua frase. Era como se o nome dele estivesse associado a uma lembrança ruim, que pesasse muito na minha mente e no meu coração. Doia mesmo até sem lembrar de seu rosto e lembrar de seu cheiro. Mas só o nome já era capaz de me causar isso.
  - James ainda é um seguidor de Aisha, eu e Murilo descobrimos isso - Solto a voz não sentindo alívio ao dizer isso, pois era a última coisa que queria dizer por não ser a realidade que eu planejei ter naquele momento - Por isso estamos sozinhos...
  - Devia ficar com ele - Diz meu tio com deboche, limpando o rosto que ainda está molhado pelas lágrimas que não secaram - Sempre gostei mais de Murilo do que de James... então sabe que eu não aprovo seu namoro com aquele rapaz, e nã....
  - Como assim não aprova meu namoro com James ?! - Digo espumando de raiva. Ele nem sequer aparecia em minha vida e quer ter o direito de dizer que não aprova com quem eu fico - Eu e James não estamos mais juntos, acabou tudo para sempre e Murilo já sabe sobre o que sinto por ele.... E por que isso agora ? O que você realmente veio fazer aqui ?
      Olho para trás, encarando Murilo. Seu olhar de decepção me fisgou de imediato. Era como se ele não aceitasse ser apenas meu amigo. Ele não desistia como sempre disse que não iria.
  - Não tenho muito a dizer, queria ver você e saber que está bem e com pessoas que você pode confiar - Ele ainda limpava o rosto molhado das lágrimas - Só queria dizer também que todos os lugares que vocês estavam eram os lugares que eu tinha como refúgio, pois como sabe eu sou foragido ainda, precisava me esconder e confiar em algumas pessoas. Então os lugares que eram menos prováveis de serem achados eram os que eu pedia para Murilo os levar.
  - Muitos deles falharam no quesito "sermos discretos" - Olhei pra trás e vi o Murilo debochado usando suas mãos para simbolizar as aspas, debochando de meu tio - Tem mais alguma coisa a nos contar ?
- O governo tinha vocês como um rastreador, seguindo vocês onde estivessem - Ele olhou para trás como se tivesse percebido algo - Murilo me contou o que sua tia fez... ela poderia me inocentar mas até para ela estou devendo muita coisa - Ele novamente olhou para trás como se estivesse percebendo algo - Melhor eu ir e vocês se protejam já que estão "mortos" para o governo. Murilo faça o possível para manter James longe de Elano, eu não confio nele de jeito nenhum - E com um piscar de olhos ele some da minha frente me deixando ainda mais incomodado com sua visita inesperada.
Sua visita foi como sempre inútil. Ele nunca revelava muita coisa mas sabia que tinha mais a ser dito do que só sua visita por aqui. O que ele tinha em mente quando não falou o que deveria me falar ? Será que Murilo sabia de algo, além de falar com meu tio as escondidas ? Mais um medo foi ativado pois foi o gatilho que me fez começar a querer entrar no passado de Murilo. Tinha coisas as serem reveladas, e não só James tinha coisas ruins escondidas em sua mente.
- Eu juro que não sei o que poderia ter tido, só mentive contato para nos proteger e poder fugir - A expressão de Murilo era de medo e muito pavor , tentando se explicar ao máximo.
- Tá bom, acredito em você - Na verdade só não queria discutir algo que só seria resolvido com meu tio, mas como o mesmo sempre deixava a desejar nas suas visitas, eu apenas decidi deixar isso para trás. Ainda olhando Murilo com vontade de entrar em sua mente.
Então me esquecendo de meu tio, sinto alguém se aproximando por entre os destroços e mal consigo definir em minha mente quem possa ser. Mas ao mirar melhor com os meus olhos, no modo hebrai, vejo minha tia se aproximando da gente, de forma muito estranha. Era como se corresse e se aproximasse de nós de uma forma lenta. Não tinha sentido nisso já que corria, mas parecia se mover lentamente. Era o mesmo que ver um fantasma voando em sua direção querendo sua atenção.
- Elano fuja, o governo está perseguindo seu tio, então não podem saber de vocês aqui ! - Minha tia me jogou para trás, e quando sou segurado por Murilo, tudo a minha volta começa a girar e tudo que sinto é meu corpo caindo no chão como se estivesse sendo arremessado contra ele.
      Novamente me encontro em uma situação de desespero onde eu não consigo nem sequer pensar por muito tempo pois sempre haverá algo novo a ser resolvido, e por mais que eu tema a isso, dentro de mim eu senti que isso me fazia me sentir vivo. Viver em sintonia com a paz era bom, mas a agitação de entrar em uma confusão, depois de anos dentro dessa missão, me fez sentir que eu estava vivo e que poderia lutar contra tudo e todos.
Minha mente sempre vivia em agitação, esperando o pior de qualquer situação. E nesses dias com Murilo viver em paz era diferente e estranho ate eu começar a me acostumar de vez com isso. Mas sentia falta da agitação e confusão, mesmo sabendo que era ruim para mim. Mas tinha que medicar minha mente sobre algo bom que era viver essa paz ali. Mas quando tudo sumiu e me vejo inventar dentro da confusão do acaso, parecia a mesma sensação de ter um orgasmo, era prazeroso e me fez querer mais. Parece ser doentio isso, mas era o que me fazia lembrar pelo o que eu venho lutado a anos nessa missão. E a paz só seria válida em minha vida quando tudo isso tiver acabado, pois assim eu saberia que iria poder desfrutar dessa paz sem nada alterar ela na minha vida. A parte da minha vida que eu quero ter para sempre.

 A parte da minha vida que eu quero ter para sempre

Ops! Esta imagem não segue nossas diretrizes de conteúdo. Para continuar a publicação, tente removê-la ou carregar outra.
A Saga "Relíquias da Lua" 🌙Onde histórias criam vida. Descubra agora