Convivendo

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        Não me sentia assustada assim desde que ela me encontrou no cemitério. Aquela delegacia, cheia de homens, pessoas preocupadas, estressadas e com raiva, homens que nunca teria coragem de encarar.

        Agora abraçada a ela, sei que sua intenção era a melhor, que se preocupa comigo. Mas isso foi terrivelmente assustador, seu abraço me faz esquecer tudo o que aconteceu.

        - Me desculpa.

        - Esquece, tá tudo bem – respondo enquanto ela me solta.

        Seu olhar parece cansado.

        - Vou trocar de roupa.

        A vejo dar as costas e seguir pelo corredor até sumir, entrando em seu quarto. Sento no sofá, sem ter o que fazer, espero ela voltar. Fico olhando tudo a minha volta, mas minha visão fixa na tevê enorme.

        - Você quer assistir?

        Viro-me para onde ouço a voz vir, e a vejo abaixar-se e pegar o controle da tevê, ela está de short e camiseta, o cabelo preso num rabo de cavalo com a franja presa atrás da orelha.

        - Você vai sair?

        - Não – responde sentando ao meu lado.

            - Seu namorado vai vir?

            - Também não. Quer ver um filme?

            - Tanto faz.

            - Fica com o controle, coloque no canal que desejar.

            Vendo tevê, nós rimos com alguns programas, comentamos outros, e ficamos quietas vendo um filme. O telefone dela toca distante, ela levanta e sai para atender, deixando-me só na sala.

            Pensando melhor sobre tudo o que aconteceu, como sinto minha vida bagunçada, penso em como posso ter mudado a vida dela, na sua coragem em me trazer para dentro de sua casa, sem saber se eu poderia lhe fazer algum mal, sem saber quem eu sou, e isso parece não lhe importar.

            Não sei se sua ajuda tem algum interesse, mas se tivesse, em que seria? Será que posso ser famosa? Ou rica? Na verdade acho que nenhuma das opções. E minha família? Onde estão, que não me procuram? Eu tenho família?

             Mais uma vez minha cabeça é cheia de dúvidas e todas sobre mim mesma.

            - Tudo bem? – sua voz me desperta

            - Sim – respondo timidamente

            - Não é o que parece – fala deixando-se cair no sofá ao meu lado – Parece chateada.

            - Só pensando

            - Quer falar?

            A observo dobrar as pernas nuas, numa posição de ioga. Fico calada, mesmo querendo lhe contar todos os meus pensamentos, querendo mais da sua ajuda, sua opinião, mas me sinto pouco à vontade diante de sua imagem imponente. Ela continua me olhando, e arqueia a sobrancelha bem feita.

            - Okay... caso queira conversar, sinta-se à vontade.

            Me sinto a menor criatura, envergonhada por não informar nada a quem só me quer ajudar.

            Sua atenção volta para o que passa na tevê. Sei que ela é uma pessoa popular, mas porque prefere estar só? O pouco que vi, parece que ela afasta as pessoas. Porque?

            - Você se importa em comer alguma bestei... – ela se interrompe ao ver que meus olhos estão fixos nela – O que?

            - Nada, desculpa – baixo a vista constrangida – Continua.

            - Se você se importa em comer alguma besteira, ou...

            - Tudo bem.

            Ela me olha em silêncio por uns longos dez segundos – Okay.

            Como não tenho nada para preencher o tempo, volto a ver tevê. A Anne também não parece estar no seu dia de coragem.  Ou não está se sentindo muito bem, já que não comeu nada. Não sei e não quero lhe tirar de seu transe para perguntar.

Telhado de VidroOnde histórias criam vida. Descubra agora