Capítulo Dezesseis | Preto e Branco

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Acordo e há pouca luz no quarto

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Acordo e há pouca luz no quarto. Na verdade, ainda não amanhecera, e o pouco brilho que entra pela janela do quarto de Any advém do sol, que escondido, logo despertará. É estranho, pois eu normalmente só acordo com o irritante barulho do despertador, mas isso não importa, desde que eu tenha a visão que estou tendo agora.

Any dorme profundamente deitada ao meu lado, com seu rosto virado para mim. Me pergunto se em algum momento da noite, ela acordara e adormecera me olhando. Sinto uma emoção enorme ao pensar nisso ao mesmo tempo que um olhar triste toma conta de minha face. Ainda não acredito que ela está aqui, comigo, depois que lhe contei a minha história. É muito pessimismo de minha parte, mas ainda me considero um monstro, pois de uma forma ou de outra, mesmo tendo sido inocentado pela justiça, me considero culpado pela morte de Monalisa. Além disso, Any ainda não sabia de toda a história, desconhecendo os momentos iniciais que eu vivi ao chegar em Londres, sem dinheiro e
apenas com meu talento na pintura.

Ainda me lembro como se fosse ontem. Segurava uma mala surrada, com poucas roupas, e usava um sobretudo velho, o único que eu conseguira a um bom preço para me proteger do frio londrino. Na época, nevava muito, pois era quase Natal. Ao descer do trem, o primeiro sinal do espirito natalino eram as guirlandas que enfeitavam as muitas pilastras que sustentam, até hoje, o teto da estação.

Olhando à minha volta, encontrava muitas pessoas abraçando familiares, depois de muito tempo afastados, unidos, finalmente, para comemorar uma data especial. O Natal nunca foi importante para mim. Sempre entendi o seu significado, mas nunca o realmente o tive, pois a minha família não era como as outras, isso porque não era realmente a minha família. Nunca conheci os meus pais verdadeiros, os quais me abandonaram numa casa qualquer esperando que a família que ali vivesse teria pena de mim e me daria o conforto e o amor que eu precisava. Eles se enganaram. Por mais que tal família tenha me criado, me dado um nome e educação, nunca soube o real significado do amor.

Meus pais adotivos já tinham dois filhos quando eu fui deixado na porta de sua casa, em um dia de chuva. Ambos já eram grandes. Um casal que não passavam dos cinco anos de idade. Há muito meu pai deixara claro que não queria mais filhos, mas a minha mãe, mesmo distante com os seus sentimentos, demonstrou alguma piedade e me acolheu. Parecia que todo o seu carinho já tinha se esgotado com seus dois filhos de sangue, se obrigando apenas a me dar de comer e me mostrar o certo ou errado numa vida, que para mim, já não havia começado fácil.

Me lembro que o nosso Natal se resumia em ficar sentado em uma grande mesa, com todo tipo de comida deliciosa, e aproveitar a data para apreciar a culinária de minha mãe. O jantar de Natal não era tão diferente dos jantares de qualquer outro dia, com o meu pai a falar de seus clientes e de minha mãe a comentar dos vizinhos, ou dos meus irmãos a brigarem pelo melhor presente. Havia uma árvore, com luzes, enfeites e uma estrela no seu ponto mais alto, assim como presentes, mas não havia risadas, sorrisos ou qualquer expressão de imensa felicidade. Talvez meus irmãos demonstrassem algum interesse pelos presentes debaixo da árvore, no entanto eu só queria ir para o meu quarto e esperar que o Papai Noel me desse o Natal de verdade, como o dos meus amigos da escola. Eles sempre comentavam na volta as aulas como haviam se divertido, e eu me divertia os ouvindo, me imaginando no lugar deles.

pinturas intimas; noanyOnde histórias criam vida. Descubra agora