A VIDA DOS HOMENS COMUNS

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Espelho-me na frase do cronista Nelson Rodrigues: - A vida como ela é.

Nelson produziu dezenas de outras frases sobre a vida cotidiana, mas a que mais aprecio é esta por sua leveza e profundidade. Traduz – assim penso - o modo de vida das pessoas comuns sob a guarda da mãe natureza.

O que poderíamos chamar de espírito original compatível com as teorias de Auguste Comte e de François-Marie Arouet (Voltaire). O homo simples compõe a maioria das populações brasileira e mundial, cada qual dentro dos seus níveis sócio ambientais e culturais: o Zé aqui, o Xing na China, o John no Reino Unido, o Giovani na Itália, o Ramon na Espanha. O que popularmente chamamos de povo.

Não há comparativos, nem assim devemos analisá-lo. O homo Bahia comum se parece com o homo Pequim comum e têm hábitos assemelhados, porém, são distintos no plano cultural. Praticam construtos individuais distintos, o que George Kelly classifica como a prática de significados internos diferenciados. Modos de vidas assemelhados, porém, não iguais.

Como este livro trata da cadeira e do algoritmo, tecnologias distintas e harmônicas – dois mundos aparentemente discrepantes - consideramos como fulcro, ponto essencial, esse homo comum global. Afinal, eu escrevo este livro sentado numa cadeira; e um colega chinês também está – por similaridade- escrevendo um livro sentado numa cadeira.

É a regra geral. O poeta e ensaísta português Fernando Pessoa escrevia em pé. Era a exceção. Mas, no seu oficio diário de escriturário em Lisboa sentava-se numa cadeira. Na época de Pessoa, não havia internet (algoritmos) e, obviamente, computadores. Pessoa escrevia a lápis. Era um excêntrico. Nem tanto! Era a melhor tecnologia para correção de palavras isoladas e textos. E o lápis – como a cadeira – ainda hoje sobrevive e se tornou contemporâneo do algoritmo.

É por isso que enfatizo: a vida é simples; as teorias é que são complexas. O homem comum não as segue, nem as conhece. Então, como é capaz de viver com felicidade sem esses saberes e desafios da alta eficácia? Por intuição, conseguindo o mais com o menos. Esse é o segredo, sem recorrer aos citados na inicial desse texto – Comte, Voltaire e Kelly, os quais nem conhece.

O sábio é conviver com a natureza, a vida como ela se apresenta. Nem todo mundo pode morar em Paris. Por isso mesmo, contrariar a mãe natureza é grave. Muitas vezes, o aperfeiçoamento do "humanos corpori fabrica" de Vesálio - mexer inadequadamente na estrutura física do corpo humano - conduz a morte quando procedimentos estéticos são mal feitos.

Com frequência vemos isso no Brasil com jovens que vão parar na tumba diante de cirurgias deformatórias dos seus corpos. Assistimos também nos dias atuais uma corrida desenfreada em busca de mudanças no corpo e na mente das pessoas. E isso existe? Alguém já fotografou a mente? Pare, pois, sente numa cadeira e reflita.

Diz-me um letrado: "Precisamos evoluir e isso sempre existiu desde a época dos alquimistas e da busca pela pedra filosofal".

Cleópatra, a deusa do Egito que encantou Júlio César e incendiou a mente de Marco Antônio se perfumava com banhos de ervas e amaciava a pele com óleos os mais refinados. Teria cometido o suicídio quando Otaviano conquistou Alexandria, isso 30 a.C. Então, de que adiantaram esses banhos?

Ao escrever este livro busco explicar o significado da vida. Nem sei se tem muito significado prévio ou se as coisas vão ocorrendo sem que você perceba essa dimensão e de repente acontecem. Ou se a palavra correta seja relacionada a valor, a importância, ou mesmo a significação – representação mental. É admissível que sim ou uma variante mais amena para compreensão.

Kelly estabeleceu em sua teoria cognitiva que os processos psicológicos funcionam de maneira que possamos antecipar aquilo que vai acontecer no futuro. Que vivemos num mundo previsível e podemos planejar as ações.

Quando se chega a velhice - meu caso - a gente eventualmente passa a régua em alguns acontecimentos e percebe que muito do que você estudou, planejou, queimou suas pestanas, alisou a 'la bout' nos bancos escolares e na academia, não têm o menor sentido prático para a vida cotidiana.

Não só o que estudou, porém, também o que praticou. Eu conheço uma mulher que já fez vários regimes de emagrecimento todos sem sucessos relevantes. Em compensação, perdeu muito tempo e dinheiro tentando moldar seu corpo a uma estética funcional de época. Uma vez perguntei a ela porque tanto esforço se a achava bela, não só eu, mas várias pessoas. Ela respondeu: - Mas eu não me acho.

Hoje, vive-se na era da tecnologia de ponta, inteligência artificial, robótica e outras inovações como se fossem coisas simples, uma água de Colônia. E acha-se que tudo se pode fazer quando a realidade demonstra que não é bem assim, tanto na estética; quanto na ética.

Trata-se, no entanto, de um mundo assustador para aqueles que estão na disputa por um mercado de trabalho. Eu, que já estou fora dele (mas, ainda sigo trabalhando como jornalista e escritor) vou acompanhando o que posso e filosofando.

Uma das coisas mais difíceis que existem é exatamente traçar o caminho da vida. Não há uma linha reta que se possa seguir. Minha neta, que é jovem, tem apenas 16 anos e já diz que a vida é feita de "altos e baixos"; imagina eu que tenho 76 e já experimentei esses altos e baixos o que poderia dizer.

Digo, não seguindo ao pé da letra a música do Zeca Pagodinho, "deixa a vida me levar; vida leva eu". Para o homem comum – sem maiores ambições – a vida é mesmo como ela é. Cada indivíduo tem uma visão do mundo, do seu mundo. Há similaridade, padrões e construções idênticas uns aos outros, porém cada qual no seu espaço.

Ninguém é mais feliz do que outro; cada qual no seu quadrado. É isso que a "Cadeira e o Algoritmo" vai mostrar.

A Cadeira e o Algoritmo -  A Convivência Entre as Velhas e Novas TecnologiasOnde histórias criam vida. Descubra agora