Trabalhei 25 anos batendo máquinas de escrever (1968/1993), equipamento que substituiu a caneta tinteiro nas redações dos jornais brasileiros – depois dos anos 1920. A partir de 1993 até os dias atuais trabalho usando computadores de mesa, laptop e iphone.
Esse é um exemplo claro de como as novas tecnologias substituem as velhas, mata-as - não de todo - deixando alguns vestígios e métodos que seguimos até hoje. A escrita data de 3.000 a.C entre os sumérios com aperfeiçoamento na China, 1.500 a.C. O uso da pena de ganso e outros para escrever – corvo, peru, águia, etc – chegou ao Ocidente no século V e durou até século XIX;
O modelo pena de ganso – o mais popular - prosperou com os monges copistas europeus do século XII e não há mais sinais dele, salvo nos registros de livros de bibliotecas e museus. Os monges também usavam estiletes nos 'scriptoriuns' – ou lugares da escrita.
As máquinas de escrever, idem. Desapareceram do mapa e viraram peças de museus e objetos de decoração.
Vemos cenas em alguns filmes que relatam fatos históricos da idade média, na Europa, como essas penas eram usadas em pergaminhos curtidos de peles de carneiro. O papel, no entanto, já existia desde 105 d.C. – invenção dos chineses – levado para a Europa pelos árabes durante invasão na Península Ibérica.
Os copistas – monges e freiras – que trabalhavam em pergaminho passaram a usar o papel – avanço tecnológico significativo – e as penas de aves foram usadas até o século XIX. Havia um rico comércio de penas em todo o mundo. Entre 1800 e 1830, São Petersburgo, na Rússia, enviou 27 milhões de penas por ano para a Inglaterra.
Observe, portanto, como as mudanças tecnológicas eram lentas. Entre o advento da escrita e as penas de aves alimentadas com tintas foram milhares de anos; e, ao menos, 700 anos só com o uso das penas de aves (ganso em especial) até que surgiu uma caneta tinteiro metálica no final do século XVIII.
Essa caneta metálica foi se aperfeiçoando e é usada até os dias atuais, recarregável. Mas, desde os anos 1920 – no Brasil – as redações dos jornais não mais as usavam, salvo exceções. Há caso, de uso até os anos 1930, da caneta metálica a tinteiro em redações jornalísticas.
As máquinas de escrever (datilografia) nasceram no século XIX quando Christopher Latham Sholes desenvolveu a ideia que serviu de fundamento à indústria. Trabalhando com um grupo de amigos numa oficina em Milwaukee, EUA, Sholes criou uma máquina que foi apresentada aos fabricantes de armas da Remington & Sons.
Veja que essa máquina não nasceu em nenhuma universidade povoada por 'sábios' e doutores. As primeiras máquinas começaram a ser fabricadas em 1874 pela Remington e pareciam com as máquinas de cozer.
Mas era o que havia de mais moderno em tecnologia da escrita. Imaginem vocês que, em 1940, a cidade em que nasci no sertão da Bahia – nos confins do mundo – já tinha uma Escola de Datilografia Remington, administrada por uma mulher.
Como essa senhora – empreendedora nata – conseguiu isso apenas 66 anos depois de inventada essa máquina? Graças às exigências do mercado e das novas tecnologias da época. E, na história, foram as mulheres – em sua maioria – que operavam essas máquinas nos EUA e abriu o mercado de trabalho para elas no Ocidente.
Observe, então, a convivência do novo com o velho: Sholes foi o responsável pelo teclado QWERTY. O nome foi dado porque essa é a sequência das primeiras letras da fileira de cima do teclado. Ora, Sholes falava e escrevia em inglês. Então, por que será que teclado QWERTY continua presente até hoje nos computadores mundiais?
Fui aluno da Escola Remington de Serrinha, em 1957, escrevendo em português, mas usando o teclado de Sholes.
Falo do teclado porque essa foi a grande dúvida dos construtores iniciais da máquina de escrever. O sistema QWERTY (repare a sequência no teclado de seu computador), tem abaixo a série ASDFG, supostamente as letras, então, mais usadas no idioma inglês, o mais popular no Brasil (ASDFG), dedos da mão esquerda - tecla do meio.
Lembro bem: a minha professora dizia: bata o A com o dedo mindinho; o S com o anular; o D com o maior de todos; o F com o fura bolo; e o G também com o fura bolo e você vai ficar craque.
O fato é que enfiaram o QWERTY na gente de tal jeito – isso mundialmente, no Ocidente - que o teclado do computador (criado um século após) não teve como fugir da regra Sholes e ainda hoje utiliza esse modelo.
Três máquinas de escrever adquiridas pelo Jornal do Brasil foram as pioneiras nas redações dos jornais brasileiros - década de 1910. O uso de máquinas de escrever na redação do JB fazia parte das reformas implementadas pelo jornal desde o aporte de capital do Conde Pereira Carneiro que já era sócio (minoritário) quando da inauguração da nova sede.
Foi também num contexto semelhante, de uma reforma estrutural, que a Folha de São Paulo adquiriu, em 1983, os primeiros computadores para substituir as máquinas de escrever.
O objetivo era o mesmo - compatibilizar os processos de pré-impressão - tanto que uma vez consolidada a mudança, alguns anos depois, a Folha calculava em 40 minutos o ganho de tempo. E tempo já era moeda calculada pelo Departamento Industrial e a Expedição.
Para os jornalistas o computador continuou a ser uma máquina de escrever, só que mais evoluída e com o mágico recurso da correção e substituição de textos. As redações tornaram-se mais silenciosas e ficaram mais limpas, sem o característico amontoado de papel amassado no chão e nas lixeiras.
O teclado que aprendi na Escola de Datilografia na década de 1950 é o mesmo asdfg (mão esquerda) e hjklç~ (mão direita) na tecla do meio. Curioso é que isso não mudou mesmo com o advento do computador. Deveria ter mudado? Creio que sim (ou não).
As novas tecnologias poderiam ter inventado algo diferenciado. Mas, não. Como já trabalho nesse sistema há 50 anos bato as teclas radpidamentei. Isso significa dizer que as novas tecnologias vivem grudadas nas antigas, caminham juntas. Até de olhos fechados.
E agora, o que vai acontecer? Ora, já está acontecendo. Hoje, você fala no iphone (ditado clicando numa tecla com ícone de um microfone) e o que você fala sai escrito. Ou seja, essa nova tecnologia poderá sepultar mais adiante o computador de mesa em alguns procedimentos de redação. Ou melhor, já sepultou. Posso gravar um texto e depois enviar à redação sem usar o teclado.
Existe também um teclado holográfico que reproduz a imagem de um teclado físico do computador em qualquer superfície plana e você trabalha numa boa. Esse teclado virtual laser sem uso de fios custa no Brasil algo em torno de R$250,00.
Observe, portanto, que o uso das novas tecnologias da computação é ilimitado e a tendência é usar a fala – e o olhar – para realizar alguns procedimentos. O iphone – por exemplo – você não precisa mais clicar um código para abrir a tela. Ele lê a sua face – imagem – e abre a tela, automaticamente.
Façamos uma continha rápida: do advento da escrita ao uso da pena de aves e pincéis passaram-se milhares de anos; da pena de ganso à caneta metálica tinteiro 700 anos; da metálica tinteiro a autocarregável 70 anos; da autocarregável a máquina da datilografia 50 anos; da máquina datilografia ao computador de mesa 116 anos; do computador de mesa ao latp e iphone 20 anos.
Veja, no entanto, que a caneta resiste: temos, na atualidade, a esferográfica, a gel, a rollerball, a tinteiro, a marcador, a holográfica. E existem as canetas digitais e mesas digitalizadoras para arquitetos e desenhistas. E, mirem: são parecidas (os modelos) como as penas dos gansos. Ou seja, a convivência das novas e velhas tecnologias não se desgrudam de vez.
A tendência é o computador de mesa no estilo dos anos 2000 desaparecer do cenário dando lugar a equipamentos mais modernos e com o uso da fala. O que não vai mudar é que você vai seguir usando uma cadeira e uma mesa para trabalhar, assim como faziam Júlio César e Pôncio Pilatos.
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A Cadeira e o Algoritmo - A Convivência Entre as Velhas e Novas Tecnologias
General FictionNo mundo competitivo dos dias atuais com as novas tecnologias em cena e a robótica abocanhando os empregos dos humanos, a cada dia é preciso se qualificar mais para enfrentar essa competição no mercado de trabalho e na vida cotidiana. Em "A Cadeira...