EMPRESAS BANCAM CONGELAMENTO DE ÓVULOS E MULHERES ADIAM ENGRAVIDAR

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    Eu e meus três irmãos nascidos em casa entre 1940 e 1949 numa pequena cidade do interior da Bahia fomos monitorados por uma parteira que se chamava Rosa, por coincidência nome de minha avó paterna. As tecnologias da medicina naquela década não permitiam saber se os bebês que vinham ao planeta Terra eram dos sexos masculinos ou femininos. Minha cidade não tinha hospital e as pessoas nasciam em casa, nas zonas rural e urbana. Na área rural a situação era ainda mais complicada: se a parturiente tivesse algum problema - hemorragia, etc - a tendência era morrer.

   As famílias - no momento do parto - se reuniam no apoio a parturiente e havia uma roda de palpites para uma aposta informal se a criança seria homem ou mulher. Dizia-se, na intuição, que uma parturiente com barriga grande e redonda, a tendência do filho era do sexo masculino; e se a barriga foi mais delgada, do sexo feminino. Mas, a rigor, ninguém sabia. Era um 'chutômetro": alguns acertavam e outros não.

  Meus pais tiveram sorte e nasceram o que era considerado ideal, naquela época, dois homens e duas mulheres, sendo o primogénito homem e depois uma mulher; em seguida, outro homem (eu) e a caçula mulher. Na sequência da família com o passar dos anos, meu irmão mais velho concebeu também dois homens e duas mulheres (netos dos meus pais); minha irmã - a segunda que, em 2022, completa 80 anos de idade - uma mulher e dois homens; eu, uma mulher e um homem; e minha irmã caçula quatro mulheres.

  A diferença entre uma geração e outra é que, a partir dos anos 1970 inicia-se no Brasil a ultrassonografia na medicina como um novo campo profissional, ligado principalmente a ultrassonografia obstétrica como ferramenta de valor diagnóstico no acompanhamento pré-natal. Ou seja, podia-se saber, com exames nas mamães a partir da 16ª semana da gravidez o sexo do bebê, a depender da posição que se encontrava no útero, nos primórdios ainda não confiável 100%. Hoje, já existe a ultrassonografia em 3D. Vê-se tudo e em várias partes do corpo humano.

Faço essa preliminar aos nossos leitores sobre o livro que estamos publicando por capítulos no site de literatura www.wattpad.com intitulado "A Cadeira e o Algoritmo" - a convivência das velhas tecnologias com as novas - para mostrar os enormes avanços tecnológicos, neste cap 26, tratando do congelamento de óvulos, mas, que se espalha e abrange todos campos da saúde do homem - na medicina, psicologia, farmacologia, nutrição, fisioterapia, enfermagem, etc, etc - uma vez que esse tema é bem atual e as empresas estão bancando esses serviços para não perderem executivas.

O assunto é relativamente maduro uma vez que já se faz congelamento de óvulos desde a década de 1980, porém, com as novas tecnologias é que se tornou uma alternativa segura para adiar a maternidade. E, mais recentemente, com a Musk, Facebook, Apple, Microsoft e outros grandes empresas oferecendo o congelamento como um 'plus' a mais para segurar executivas em empresas e que vivem o dilema de parar a carreira profissional (ou ao menos diminuir a intensidade do trabalho) para ir a maternidade, o assunto voltou à tona com muita força, em 2022.

Não há dados recentes precisos sobre o assunto no Brasil e no mundo. Estudo da Queen Mary University, de Londres, diz que, após os 35 anos, a qualidade dos óvulos de uma mulher cai bastante e, com isso, aumenta a probabilidade do bebê nascer com Síndrome de Down. Por isso, a solução é congelar os óvulos. 

Segundo o SisEmbio (Sistema Nacional de Produção de Embriões), da Anvisa, em 2017, por volta de 75,5 mil embriões foram congelados no Brasil, um crescimento de 13% em relação a 2016, quando isso aconteceu com 66,5 mil embriões. O órgão não informa dados totais de óvulos congelados (é um número diferente do de embriões), mas aponta que em 2017 houve um total de 340,4 mil óvulos produzidos - não necessariamente congelados.

  Os dados mais recentes do SisEmbio relativos ao 13º relatório de 2021, com dados de 2019, apontam 100.380 embriões congelados sendo que SP responde pela metade (52501 realizados em 52 clinicas) seguido de MG (8463), RJ (7823), RS (5903), Bahia (3298), CE (3181) e PE (3149) com procedimentos sendo realizados em 22 estados. Ou seja, em todas as regiões do país, com concentração maior no Sudeste (70%), seguida do Nordeste (11%). Entre 2012, primeiro ano da estatística da Anvisa (32181 congelamos) o número subiu para 100.380 em 2019, havendo uma pequena queda entre os anos de 2015 (67359) e 2016 (66597). O relatório traz, ainda, uma série de indicadores técnicos como, por exemplo, média de oócitos por mulher, taxa de fertilização e outros.

Segundo matéria divulgada pela BBC, em 2018, a Clínica Huntington, uma das maiores de São Paulo, com 25 anos no mercado, praticamente triplicou o número de pacientes que congelaram seus óvulos em cinco anos: em 2012, 122 mulheres passaram pelo procedimento; em 2017 foram 353 - um salto de 189%.

  Na clínica Fertility, também em São Paulo, em 2013, 65 mulheres congelaram seus óvulos. Foram 180 no ano passado, um aumento de 176% na procura pelo serviço. Há pelo menos cinco anos, empresas como Microsoft, Apple e Facebook começaram a oferecer o procedimento, que pode custar de R$ 10 mil a R$ 20 mil, para seus trabalhadores. A anuidade para mantê-los lá é por volta de R$ 2 mil (bancada pelo funcionário). Hoje, segundo Anvisa, são 55 clinicas em SP.

  A headhunter e coach de carreira Luciana Tegon diz que é uma forma de atrair e manter talentos dentro da empresa. "É uma 'solução' para o dilema feminino que é escolher entre o papel de mãe e de profissional fala a profissional. "Elas precisam tomar essa decisão no auge da carreira. Para não perder boas executivas, as empresas oferecem um conforto psicológico em forma do congelamento de óvulos".

  A diretora de recursos humanos do laboratório Ferring, Claudia Wrona, conta que a iniciativa surgiu durante uma reunião sobre celebrações para o Dia das Mães. "A gente entende que a maternidade ou a paternidade é um sonho de muitos dos nossos funcionários e temos prazer em viabilizar isso", diz. A companhia oferece o procedimento para trabalhadoras e, desde 2019, a mulheres de funcionários ou funcionárias de até 39 anos. Não há critério de cargo ou tempo de casa.

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  Benefício ou controle? Uma pergunta ainda em debate com prós e contra. O benefício é criticado por ser um procedimento bastante invasivo e caro. É preciso se submeter a uma consulta prévia, regular o ciclo menstrual, fazer a estimulação com medicação e passar uma tarde na clínica para fazer a coleta de óvulos. O tratamento dura por volta de 45 dias, segundo os especialistas.

  Advogados da área trabalhistas entendem que, ainda que haja um benefício, abre-se uma janela jurídica para se acionar uma empresa podendo a ação ser considerada indiretamente interferindo na escolha da funcionária de ser mãe. Há, ainda, a lei da licença maternidade, no Brasil.

  É unanimidade entre gestores empresariais que os benefícios corporativos representam um importante fator para atrair e reter talentos. De acordo com uma pesquisa realizada pela Singu Empresas, vertente B2B da Singu, startup do ramo de beleza, 70% das 1.600 pessoas respondentes afirmaram que talvez ou com certeza trocariam de empresa por benefícios melhores.

As empresas, na atualidade, além dos tradicionais vales e convênio médico, cada vez mais se vê negócios apostando em soluções para saúde mental, descontos em academias, creches, farmácias, instituições de ensino e afins, além de programas de mentoria e educação financeira. Então, surgiu esse adicional: o congelamento de óvulos.

  O que começou a virar moda nos Estados Unidos com empresas Tesla, Starbucks e Bank of America oferecendo às suas colaboradoras não demorou para chegar no Brasil. A tendência começou a dar seus primeiros passos quando companhias como o LinkedIn e o Magazine Luiza trouxeram a novidade para o mercado local. Mas será que a ideia é realmente boa?

  Estima-se que no Brasil, o processo que inclui estimulação, coleta e congelamento esteja na faixa média dos R$ 12 mil a R$ 15 mil. Além disso, há o custeio da manutenção dos óvulos congelados, o que pode representar um gasto mensal de até R$ 2 mil.

  A pergunta que fica no ar, contudo, é: o poder de decisão referente à gravidez é exclusivo da mulher ou a empresa pode querer se envolver?

  Em artigo no LinkedIn, Erivelton Laureano, CEO da IVF Brazil, consultoria com foco em gestão comercial para mercados de especialidades médicas, pontuou que há, no Brasil, cerca de 11 milhões de mulheres de 20 a 35 anos com perfil para o congelamento de óvulos. Investir no benefício, segundo ele, pode ser fundamental para que as organizações tenham equilíbrio de gênero, ambiente inclusivo e que trate a maternidade como um acréscimo e não uma barreira ou problema, atratividade e potencial para conquistar novos talentos.

  Em matéria enviada ao Bahia Já a ginecologista e obstetra especialista em reprodução humana, Dra. Carolina Curci, explica que o procedimento tem sido bastante procurado e auxilia principalmente as mulheres que optaram em adiar a maternidade.

   A maternidade é considerada um sonho comum entre as mulheres, mas com o passar dos anos, parte delas adiam esse sonho para se estabilizarem profissionalmente, financeiramente e emocionalmente, entre outras questões, como o parceiro ideal. Segundo Carolina Curci é preciso destacar que a fertilidade da mulher é finita, ou seja, elas nascem com um número de óvulos definido para toda a sua vida fértil, e por volta dos 35 anos de idade, ocorre uma perda significativa de quantidade e qualidade dos óvulos, que é o que dificulta a gestação.

  Para realizar o tratamento é necessária uma avaliação das condições da paciente em todos os aspectos, serão realizados exames, entre eles o que detecta a reserva ovariana e com o diagnóstico em mãos, se inicia a preparação com aplicação de injeções com hormônios fisiológicos, se trata da fase de estimulação ovariana. Após esse processo, acontece a etapa de coleta e congelamento de óvulos, ambas no mesmo dia. "Vale lembrar que o procedimento não afeta a reserva ovariana, os óvulos aproveitados são os que seriam descartados pelo organismo", ressalta Carolina.

  A diretora técnica da Clínica Curci comenta que não há um prazo de validade para uso desses óvulos já que o útero envelhece de uma maneira muito mais lenta e, por isso, os óvulos poder ser utilizados até 15 anos após o congelamento

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  Evidente que esse é um tema que será abordado sobretudo pela psicologia nas décadas seguintes quando essas mamães resolverem engravidar e terem filhos já numa idade madura. Falo com alguma experiência, pois, sem o uso dessas tecnologias, tenho filhos de 50 anos e 28 anos. Ou seja, minha primeira filha quando nasceu eu tinha 27 anos e o segundo 49 anos. O comportamento de um pai com 27 anos na década de 1970 era um; e o comportamento de um pai (chamado de pai velho) na década de 1990, outro.

  Imaginem vocês, portanto, que algumas dessas mamães venham a ter filhos nas próximas décadas 2030/2040. Serão mulheres na faixa de 40 a 50 anos. Quando seus bebês estiverem adolescentes, fase bastante complicada dos jovens, essas mamães terão entre 56 e 66 anos de idade. Uma das perguntas: uma mãe com 66 anos de idade vai levar a filhota para uma 'have' ou um show de rock?

  Certamente, casos para atendimentos psicológicos serão ampliados e não se tem, hoje, uma resposta para eles porque vai depender da evolução da sociedade. Pode ser que, em 2050, a depressão não seja mais o mal do século como se diz, hoje. Que as mulheres, hoje, com 35 anos de idade e, em 2052, com 65 anos, tenham comportamentos diferenciados.

  Vimos, recentemente, em SP, com o Lollapalooza, muitos pais levando os filhos e até os netos para curtirem o festival rock numa integração perfeita. O mundo gira, se movimenta, portanto, não se deve ter medo das novas tecnologias e do congelamento dos óvulos nem das novas gerações que habitarão a terra. O cérebro tem uma capacidade incrível de ir se adaptando a todas situações, até nas narrativas espirituosas, como diria Lacan.

   Outro dia estava num shopping com minha sobrinha provando um sorvete. A senhora Drumond, tentando ser irônica, ao ver-nos se aproximou e perguntou: - É sua filha, Franco? - Não, minha neta, respondi. - Passar bem, disse ela e se foi.
    Rimos a Fafá de Belém vendo-a seguir adiante.

A Cadeira e o Algoritmo -  A Convivência Entre as Velhas e Novas TecnologiasOnde histórias criam vida. Descubra agora