AS PRIMEIRAS MOEDAS QUE CIRCULARAM NO BRASIL E O FIM DO DINHEIRO VIVO

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No capítulo anterior abordamos em nosso novo livro "A Cadeira e o Algoritmo" - a convivência entre as novas tecnologias e as velhas - publicado na Editoria de Cultura do Bahia Já e no site de literatura Wattpad.com o tema "O Fim do Dinheiro" - ou pelo menos o dessuso em 80% do papel moeda e das 'coins' as moedas metálicas - diante do avanço dos cartões, PIX e outras formas de pagamentos e recebimentos eletrônicos.

Sentimos, no entanto, que o assunto não se encerrou e é amplo mais do que a gente pode supor no planeta Terra e na cultura brasileira, desde a Colônia, sendo objeto valioso na identidade nacional e tema de várias composições musicais, as quais, no fundo, revelavam um modo de vida dos brasis; e, além disso, está na literatura, nas artes visuais, no cinema e sobretudo na vida cotidiana das pessoas, o que é mais importante.

O dinheiro (moedas metálicas) na forma em que conhecemos existe desde a época da implantação do regime colonial português no Brasil, com estrutura mais organizada a partir de 1549, na Bahia, e a instalação da sede do governo Geral em Salvador com máquinas de poder burocratizadas no Judiciário e na Economia, além da Militar. Isso, originalmente, aconteceu no reinado de dom João III, filho de dom Manuel, o Venturoso. O Brasil foi descoberto por Pedro Álvares Cabral na gestão de dom Manuel, o qual governou Portugal até 1521.

Os portugueses trouxeram a moeda metálica real - popularizado como réis - que, já circulava no Reino como unidade de valor monetário na troca de mercadorias desde 1430, prevalecendo até 1911, quando a monarquia caiu. Esta moeda foi utilizada em todas as colônias portuguesas nos séculos XVI, XVII, XVIII e XIX.

Há vários museus de numismática no mundo - Berlim, NY, Atenas, Londres, etc - a ciência que se dedica ao estudo das medalhas e moedas; numária ou numulária e, em Lisboa, há o Museu Numismático Português, 1933. Sua origem - estudos - datam de 1777 em aviso oficial assinado pelo Marquês de Pombal, decretando que se começasse a recolher um espólio de moedas e medalhas feitas a partir de diferentes variedades de metais e provenientes de todo o mundo.

Em Lisboa, os visitantes deste museu podem desfrutar de parte de um espólio que conta com cerca de 9.500 medalhas e 35.000 moedas que incluem a coleção numismática do Rei D. Carlos I, desde 1910, transferida para a Casa da Moeda devido à Implantação da República.

Em Salvador da Bahia, a terra que vivo, há, no Pelourinho, o Museu Eugênio Teixeira Leal e, nele, uma ala de numismática - que mais nos interessa - com réplicas das primeiras moedas que circularam na Colônia e uma exposição didática da orgem do dinheiro até os dias atuais. Vê-se, nesta expo, objetos - como uma argola metálica - que era usada como moedas no Egito antigo - moedas originais da Europa medieval e do Império Romano, papéis moedas do Brasil - as duas familias do Real - prensas de cunhar moedas e os diferentes papéis moedas usados no Brasil desde 1942 até hoje.

Desde a independência, em 1822, o Brasil já teve nove trocas de padrão monetário e sete moedas. Dos réis ao real, o motivo de tantas trocas era um só: a inflação. Depois dos réis, que ficaram mais de 400 anos em circulação, o real é a segunda moeda com mais tempo de circulação, 28 anos.

A primeira mudança no padrão monetário aconteceu em 1942 quando foi instituido o Cruzeiro para unificar 56 tipos diferentes de cédulas que circulavam no país. Um cruzeiro (Cr$1,00) equivalia a mil réis (Rs 1$000). Seguem as mudanças: Cruzeiro (Cr$) 1942/1967; Cruzeiro Novo (NCr$) 1967/1970; Cruzeiro (Cr$) 1970/1986; Cruzado (Cz$) 1986/1989; Cruzado Novo (NCz$) 1989/1990; Cruzeiro (Cr$) 1990/1993; Cruzeiro Real (CR$) 1993/1994; e Real (R$) - de 1994 até os dias atuais.

O papel moeda só começou a circular, em Portugal, no ano de 1796, no reinado de D. Maria I. Assegura-se que, a decadência da exploração das minas de ouro do Brasil e o aumento dos encargos do Estado estiveram na origem do aparecimento do papel moeda. É a tal história de rodar a manivela. Ou seja: imprimir dinheiro, era bem mais fácil e barato do que cunhar moedas.

Os mais antigos, como eu, ainda vimos a circulação dos réis, tostões, cruzados e outros. Quem possuia muitos contos de réis era rico. Tinha um vendedor de perfume na minha cidade que mercava: a mil réis a grama, 10 tostões quando acaba. Vendia perfumes - que ele mesmo produzia - nums frasquinhos pequenos.

O dinheiro estava na boca do povo e ajudou na construção da identidade nacional com as composições musicais - em especial, no sambe e nas marchinhas carnavalescas. Traços da vida quotidiana, eventos sociais e políticos, mudanças na moral, nos valores culturais e em representações econômicas.

O dinheiro era o tema central na música popular. No Brasil, a divisão de classes sociais bem distintas, desde a Colônia, estabeleceu-se essa dicotomia entre ricos e pobres. E entravam de bolo as questões voltadas para o trabalho, gênero, amor, a malandragem, a picardia. Na música exaltava-se que, não eram só os ricos as pessoas felizes. Havia um modo de vida e de felicidade que existia com pouco dinheiro, mas, sem perder o sonho de ficar rico.

Getúlio Vargas estava tão preocupado que o brasileiro pudesse estar desenvolvendo uma ética da malandragem que, durante a ditadura do Estado Novo (1937-1945) o governo decidiu intervir, por meio do Departamento de Informação e Propaganda (DIP), seu órgão de censura, no sentido de proibir músicas que exaltassem a malandragem, ao mesmo tempo em que premiava aqueles que exaltavam o trabalho (Oliven, 1989).

O samba floresceu ao longo dos anos 1920, amadureceu durante a década de 1930 e torno-se hegemônico nos anos 1950. Junto ao chorinho e à marcha carnavalesca, formou o que se tornou conhecido como MPB, ou Música Popular Brasileira (McCann, 2004; Sandroni, 2001; Vianna, 1995).

A canção "O Pé de Anjo", marcha de carnaval, gravada em 1920, foi um dos grandes sucessos de Sinhô. Em seus versos, o "Rei do Samba" cantava sobre mulher e dinheiro: A mulher e a galinha/ São dois bichos interesseiros/ A galinha pelo milho/ E a mulher pelo dinheiro

Em "Acertei no milhar", samba escrito por Wilson Batista e Geraldo Pereira, gravado em 1940, tirar a sorte grande representava um ideal de salvação: Etelvina, minha filha!/ Jorginho? Que há, Jorginho?/ Acertei no milhar/ Ganhei 500 contos/ Não vou mais trabalhar/ E me dê toda roupa velha aos pobres/ E a mobília podemos quebrar/ Isso é pra já/ Passe pra cá.

Muitas dessasa canções são, hoje, apenas, objetos de estudos. Ninguém canta mais.

Será que todo esse caldo de cultura vai desaparecer com o avanço e uso dos cartões, do PIX e das novas formas de pagamentos e recebimentos eletrônicos?

Pelo menos na poética não sei de algum compositor que esteja trabalhando esse tema cartões como os antigos compositores tratavam do dinheiro. Recentemente, Martinho da Vila versou: dinheiro, pra que dinheiro/ Se ela não me dá bola/Em casa de batuqieoro/ Quem manda alto é viola.

Não se trata de saudosismo, mas, quem visita o Museu Eugênio Teixeira Leal pode verificar as prensas antigas de fazer dinheiro, as máquinas do ex Banco Econômico, balcões, escrivaninhas, moedas do Egito e de Atenas; moedas do Império Romano e uma réplica da primeira moeda que circulou no Brasil Colônia, 1549.

E, ao mesmo tempo se assusta ao transitar pela Av Sete em direção ao Pelô e vê os anúncios das lojas com mercadorias - valores - em dinheiro e nos cartões. Até as baianas do acarajé recebem no PIX ou nas maquininhas amarelas. As moedas e cédulas - de fato - estão ficando cada vez mais restritas aos museus.

Quando essa convivência entre as novas tecnologias (cartões, PIX, etc) e as velhas (moedas e cédulas) vai acabar de uma vez por todas é um enigma. Pode ser que nunca. Assim como o livro em papel impresso não morreu de vez diante do livro on-line, as moedas e as cédulas vão durar eternamente.

A Cadeira e o Algoritmo -  A Convivência Entre as Velhas e Novas TecnologiasOnde histórias criam vida. Descubra agora