dois

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Tecnicamente, Kai é um marinheiro.

Ou, pelo menos, é o que planeja ser um dia. Quando a loucura da Revolução acabar - se algum dia acabar.  

Era estranho pensar assim, pois sempre que a palavra marinheiro surgia em sua cabeça ele tinha uma ideia de um homem velho barbudo e, com todo o respeito, Kai estava muito longe disso, sendo jovem e confiante o suficiente para arriscar destruir seus sonhos em uma tarefa que, apesar de necessária, era perigosa e estupidamente sem noção. 

Correção: Kai gostava de se chamar de marinheiro, mas sabia perfeitamente que Eikko Ahmed - conhecido por uns como 'Grande Líder Revolucionário e Salvador do Reino' e como 'Corrupto de Merda' por outros - escolheria o termo pirata. 

Piratas são muito comuns em Oseaan, é claro, isso é algo que ninguém seria capaz de mudar tão cedo, mas Kai odiava quando o termo era direcionado à ele e sua tripulação - quase tanto quanto odiava o termo rebeldes

Sim, se a história for lida do ponto de vista de quem ocupa o trono ele realmente é um rebelde e, honestamente, seria difícil negar quantidade de práticas ilícitas já consumadas por ele, mas-- ok. Talvez ele pudesse ser considerado um pirata, mas o termo ainda o incomodava. 

Só porque algo é ilícito não significa que seja errado. 

No momento, ele estava encostado em uma árvore, a atenção voltada para o acampamento que era desmontado de forma acelerada. As famílias de camponeses e pescadores que haviam se unido à causa recentemente já tinham ido embora com alguns guerreiros, com o objetivo de montar outro acampamento em algum local seguro em Ardhi, enquanto a maior parte dos guerreiros iria voltar para o mar.

Kai queria ir junto, é claro. Seus amigos iam e sua mãe também, mas ele ficaria onde estava. 

Seu estômago se agitava com um nervosismo que não costumava sentir, quando notou uma presença atrás de si. O garoto coçou os olhos, sentindo a fina linha diagonal que cortava seu rosto da testa até a maçã do rosto, passando por seu olho esquerdo e a sobrancelha. A cicatriz estava ali há tanto tempo que ele nem mesmo se incomodava mais. 

- Você vai mesmo ficar me rondando? – perguntou, sem precisar se virar para saber que era Ash, mas fazendo-o mesmo assim, encontrando o amigo visivelmente ansioso e percebendo Paxton e Asteria também estavam ali o observando de longe.

- Quero ter certeza de que você não tomou uma decisão impulsiva. – Ash respondeu, franzindo o cenho como se buscasse qualquer sinal de arrependimento nas feições do amigo.

- Eu não sou impulsivo. – Kai se defendeu, mas assim que as palavras saíram de sua boca ele soltou uma risada.

Quem estava querendo enganar? Era provavelmente a pessoa mais impulsiva que conhecia. No entanto, tinha certeza de que não se arrependeria dessa decisão. 

- Engraçado, porque seu histórico diz o contrário. – ele suspirou, passando a mão pelo cabelo longo – Vou perguntar uma última vez... tem certeza disso?

- Vou responder uma última vez. Sim, eu tenho. – fez uma pausa antes e se frustrar – Será que dá pra parar de me olhar como se eu estivesse prestes a ser sentenciado à morte? Não confia em mim?

- Não seja burro, Kai. – Asteria se aproximou, sendo tão meiga como sempre foi – Confiamos na sua capacidade de continuar vivo, mas não na deles de não te matarem.

- Isso não faz sentido nenhum.

- Também não confio neles. – Ash murmurou, concordando com Asteria pelo que pode ser a primeira vez na vida.

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