quinze

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Quando era criança, Lenore passava a maior parte do tempo no território de sua casa, como era de se esperar. Por mais que quisesse, não poderia vagar por Arian como se pertencesse ao lugar e, sinceramente, não achava que conseguiria. Por mais que tivesse um carinho enorme pelo reino, nunca fora seu lar.

Gostava de sair para caminhar e conseguia, de fato, fazê-lo por alguns metros antes de esbarrar em um muro invisível que não só impedia qualquer um de entrar, mas também de sair. A única pessoa que conseguia atravessá-lo era Khalid, que, como Grande Feiticeiro do Ar, costumava ter coisas mais importantes para fazer do que ver como duas crianças -por mais importantes que fossem- estavam.

Não que Khalid não se importasse, ele aparecia com mais frequência do que qualquer um achava preciso. Lenn e Seb amavam quando ele visitava, a quebra na rotina era sempre bem-vinda, e Maira... no início ela não gostava. Dizia que era desnecessário e que ela sabia perfeitamente como cuidar de seus próprios filhos sem ajuda de feiticeiros, mas, com o tempo, ela passou a apreciar a presença do homem e até mesmo a esperar por ela.

No entanto, a presença de Maira era solicitada no castelo de Arian em solstícios -em Oseaan a data era chamada de Soban, mas em Arian era conhecida como Emeka - onde a Família Real organizava o evento que durava o dia e a noite e chamava um número considerável de convidados para comparecer. Era uma comemoração linda e, apesar de não seguirem os costumem de Oseaan que Maira estava acostumada, a celebração era muito bem-vinda, já que não era uma comemoração que louvava apenas um deus. Eram os únicos momentos onde todos eram adorados em todos os reinos.

O problema era que era perigoso demais para os gêmeos. Tanto por eles serem crianças quanto por Lenn ser a próxima Líder da Água. Qualquer coisa que acontecesse a ela poderia ser motivo de guerra, e isso era algo que ninguém parecia disposto a arriscar – principalmente porque não havia uma pessoa ali de confiança que queria passar a noite do solstício tomando conta de uma criança – ainda mais duas.

E, se fosse ser sincera, Maira não se incomodava nem um pouco de passar a data longe de sua família. Cuidar dos gêmeos, por mais comportados e independentes que fossem, era exaustivo e a folga era um alívio.

Então eles acompanhavam a mãe até o castelo e caminhavam com Khalid até a biblioteca. Ele sempre os olhava daquela forma que só adultos conseguem fazer, que diz "sei que vocês não gostam, mas também sei que reconhecem que é a coisa certa a se fazer".

E eles nunca reclamaram, porque realmente sabiam.

Lenn achava que Seb pediria para ir à festa algum dia, ele não seria o próximo Líder, então não precisava de tanto cuidado quanto a irmã. Mas ele nunca o fez, nunca sequer levantou a possibilidade.

De qualquer forma, o ponto é que a biblioteca de Arian é enorme. A segunda maior dos Quatro Reinos, perdendo apenas para a do castelo de Ardhi. E já que passariam horas presos naquele lugar, não custava nada aproveitar. Houve uma época em que pediam para uma criada ficar com eles, para que pudesse ler em voz alta as palavras que eles não conseguiam por conta própria, mas logo que aprenderam não se importaram em ficar sozinhos.

Eles liam e liam e liam, Sebastian atento, como sempre, e Lenore brincando com seu pingente enquanto escutava quem quer que estivesse lendo em voz alta para ela, e se recusavam a dormir até que Khalid abrisse a porta para levá-los até a mãe, que a essa altura estava praticamente desmaiada em algum canto depois de sabe lá o que ela havia feito.

O livro preferido deles era um que descobriram quando tinham quatro temporadas.

A criada que costumava acompanhá-los, Echo, estava sentada em um canto, observando os dois e pareceu mais do que contente quando eles pediram para ela ler o livro da sereia para eles. Lenn havia escolhido, óbvio, e Sebastian apenas franzia o cenho, parecendo curioso, mas sem querer demonstrar.

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