Língua dos Sonhos

1

1.

Havia algumas semanas que tinha pesadelos e sonhos estranhos. Não que sua qualidade de sono fosse lá muito boa normalmente, já que sua dieta pouco variada e nutritiva era basicamente regada a café e energéticos, combustíveis para mantê-lo acordado nas madrugadas, afundado em trabalho, só para depois desabar num sono que nunca chegava a revigorá-lo totalmente, mas ao menos o fazia apagar com a exaustão.

Sempre fora viciado em trabalho - e inclusive essa havia sido uma das razões para seu divórcio, há alguns anos - mas o café era um vício relativamente novo, que dava energia para se manter ligado à sua única fonte de prazer depois que a mulher decidira encontrar alguém melhor que ele.

O casamento nunca havia sido lá muito prazeroso também, ou sequer sua relação com a ex-mulher. Não podia dizer que tinha sido um bom namorado, porque mesmo na faculdade, quando conheceu Yerim, vivia enfiado em congressos, cursos de novas línguas, estudos, especializações e pilhas de livros a serem traduzidos.

Nunca entendeu porque ela quis se casar - apesar do pedido formal ter sido feito por ele, ela é quem propôs aquele novo passo na relação e arranjou tudo, do noivado ao casamento, como bem quis. Ele só concordava, satisfeito que alguém no mundo pudesse gostar dele, apesar de não saber muito bem como corresponder. A ideia de se casar parecia também retirar de cima dele a pressão para se relacionar que todo mundo - a família, os amigos, os colegas de trabalho - costumavam colocar sobre ele.

Não que não se sentisse amado ou não sentisse alguma coisa por Yerim - que, principalmente depois do divórcio ele questionava se era mesmo amor. Só sabia, desde sempre, que não era muito bom em manter relacionamentos. E, por mais que gostasse dos momentos com ela ou as pessoas com quem tinha se relacionado brevemente antes, - sempre por persistência dos outros, nunca sua - sua maior paixão ainda era o trabalho.

Cumprindo com todas as expectativas nada favoráveis de sua mãe e de sua sogra, havia sido um péssimo marido desde o primeiro dia, sempre se relacionando com o trabalho em detrimento da esposa. Era de se surpreender que o casamento tenha durado tanto tempo: 7 anos, nos quais Yerin tentava engravidar como se aquilo fosse salvar a relação, e não tanto por um dom maternal que pudesse crer que tinha. De forma discreta no começo e de forma direta no fim, sabotava todos os planos dela.

Era torturante lidar com todas as exigências da esposa, mas era também covarde demais para anunciar que queria o divórcio. Só seguia a vida como podia: trabalhando e se desviando das demandas sociais que não conseguia atentar. Durante toda sua vida, nem as inquietações com o casamento infeliz, nem o desgaste da separação, nem a cafeína: Nada tinha tirado seu sono até então.

Mas aqueles sonhos tiravam, e já faziam alguns dias.