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Na coletiva de imprensa, falou primeiro o diretor do museu. Apresentou o corpo mumificado com o nome provisório de Jimin, que significava sabedoria além do céu, já que parte do texto inscrito no seu lugar de repouso eterno evocava um tipo de saber que transcendia os limites da compreensão humana. Parte do invólucro que servia para proteger o corpo havia sido danificada pelo tempo e pelas condições do local onde permaneceu, e o pedaço do esquife onde a maioria das outras múmias tinha seu nome registrado estava com as inscrições ilegíveis e até que a pintura na madeira envernizada em bálsamo fosse restaurada, o corpo estudado seria chamado por aquele nome pela equipe de cientistas e pelos visitantes do museu que poderiam visitá-lo durante a próxima temporada.
O próximo a ter a palavra foi o reitor da universidade. Em nome de toda a equipe científica e arqueológica, ele anunciou tudo que se descobriu sobre o corpo com todos os exames, testes e análises que a mais moderna tecnologia permitia. Jimin tinha a idade aproximada de 25 anos, era um homem asiático, originário da mesma região onde hoje se localizava o país em que estavam e, ao que tudo indicava, viveu no local próximo à atual divisa entre as Coréias do Sul e do Norte. A julgar pelas inscrições e o tipo de decoração em seu último invólucro, o jovem havia sido recém-iniciado como sacerdote em uma espécie de proto-xamanismo.
A causa de sua morte ainda não podia ser precisada, mas a julgar pelas perfurações feitas com uma espécie de lâmina ritualística feita de pedra e guardada junto ao corpo, e ausência de sinais de luta, a hipótese de uma morte autoinduzida, como numa espécie de sacrifício, era provável. Os outros corpos mantidos no local tinham inscrições semelhantes e os textos já traduzidos - cada um em sua língua - pareciam ter sido escritos pelos próprios mortos, como uma espécie de nota de suicídio, testamento ou ainda despedida. A comunidade científica trabalha com a hipótese de que o local era um centro de peregrinação religiosa, próximo a uma montanha vulcânica cujos supostos poderes mágicos foram exaltados em mais de um dos textos nos caixões estudados.
Em seguida, Namjoon foi chamado a fazer um breve discurso, preparado por sua assistente em nome de toda a equipe. Ele iria falar brevemente sobre a língua, explicaria um pouco sobre o processo de tradução e como o trabalho deles havia sido feito. Só depois ele leria a primeira versão daquela tradução. No entanto, estava suando e seu coração palpitava com a proximidade do momento. Acabou pedindo para que a assistente lesse o discurso, o que poderia ter causado nela desconforto com o pedido repentino, não fosse a preocupação que a tomou ao ver a palidez do chefe. Antes de ir ao palco, pediu a um colega para levar água para Namjoon que estava trêmulo - e com as mãos geladas - como ela reparou quando pegou das mãos dele a pasta com os textos.
Enquanto ouvia Jihyo, engoliu o líquido frio, sem sequer pensar muito. Respirou fundo algumas vezes e as mãos frias e úmidas foram esfregadas nas laterais das calças. Namjoon sabia que aparentava desespero e fraqueza, inclusive física, mas se firmou faltando apenas um segundo para subir ao tablado onde os especialistas falavam. Conforme havia pedido, fora apresentado e apenas teria de ler o texto traduzido.
Ciente do mal estar do outro, a assistente fazia sinais perguntando se estava tudo bem e movimentava os lábios dizendo que se quisesse, outra pessoa poderia fazer aquilo por Namjoon. Ele se recusou, orgulhoso do seu trabalho. Passou as mãos pelos cabelos, como quem tenta se recompor. Sua aparência, no entanto, se tornou mais caótica ainda, e chegou em frente aos microfones e câmeras da imprensa com parte do cabelo levantado. Enquanto localizava nos papéis deixados sobre o púlpito a parte que deveria ler, ainda se sentia desconfortável, e percebeu as mãos tremendo ao manusear as folhas de papel. Suspirou, sorriu discretamente para as câmeras e, com seu semblante sério, concentrou-se em ler aquilo que havia traduzido.
"A força do amor gera laços eternos. Meu sacrifício é para salvar não um corpo, porque a carne perece, mas para salvar as almas. Meu espírito já está protegido pelas divindades a quem me consagro, mas a alma de quem amo precisa da minha carne para viver após a morte. Eu me entrego, eu perco meu corpo, deixo aqui o que ainda se chama vida porque sei que ela ultrapassa os limites físicos desta carne que vai se desfazer. Amar é morrer em si para renascer no outro. E eu morro e espero, paciente, pelos milênios que forem necessários, até que eu reencontre a vida que hoje dou à alma do amor. Meu amor, um dia vamos, enfim, nos reencontrar. E aí a vida voltará a ser minha, porque eu só me pertenço em você. E só amando você, vivo para sempre."

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Língua dos Sonhos
FanficKim Namjoon é um linguista famoso chamado pra decifrar as inscrições que adornam um corpo mumificado de 3000 anos. Desde então, o homem cético e viciado em trabalho passa a ter sonhos estranhos e inesperadamente... eróticos. 6k AVISO DE CONTEÚDO: s...