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Decidiu não dormir, com ajuda da cafeína. Mas como tinha tempo, preparou um bom café-da-manhã e, pela primeira vez em muito tempo, se alimentou de algo que de fato o sustentasse. Sabia que iria passar a tarde toda finalizando a primeira versão do texto - a ser lida no evento da noite - e não queria voltar para casa depois. Separou o terno que iria usar, arrumou uma bolsa com o que precisaria para passar o dia e a noite fora. Aquele apartamento pequeno, desorganizado e desleixado de homem divorciado e sem rumo na vida não era um bom lugar pra ficar quando queria evitar as coisas que sentia.

Namjoon e sua equipe concluíram a tradução e enviaram o texto para a equipe do evento. Provavelmente alterariam futuramente, ainda estavam trabalhando com outras hipóteses para o significado de alguns caracteres, e certamente o que seria apresentado no evento da noite iria influenciar no entendimento da linguagem que estavam decifrando, mas a ideia principal havia sido captada. A estrutura da língua era semelhante a de um outro povo que Namjoon havia estudado por muito tempo e, agora que pensava sobre todo o processo, a tradução havia sido até mais simples do que aparentava que seria, e provavelmente as distinções entre as duas linguagens se deviam ao isolamento geográfico entre as populações, que eram da mesma região. As inscrições tinham um tom místico, romântico e transcendental e Namjoon se perguntava qual a razão para aquilo.

Decidiu jantar com a equipe antes da cerimônia, o que foi recebido como uma surpresa por seus companheiros. Fizeram uma refeição leve durante a qual percebeu que não tinha muito assunto, não sabia se portar socialmente como os outros e não conseguia parar de pensar no seu último sonho. Saiu mais cedo com a desculpa que precisava buscar as roupas em casa antes de se trocar, mas na verdade elas estavam no carro. Deu uma volta a pé, acabou comprando mais um café e, pela primeira vez em anos, se sentiu nervoso para uma apresentação daquele tipo. Voltou ao carro, pegou a roupa, foi à sua sala se trocar. Sentiu o coração palpitando. A taquicardia vinha do café ou do nervosismo? Olhou no espelho, lavou o rosto. Não tinha respostas. Seriam as duas coisas?

No caminho para o auditório onde a coletiva de imprensa seria feita, sua assistente entregou a pasta com a versão impressa do texto que eles haviam redigido antes.

– No fundo, eu acho que os sacerdotes ou o morto deixaram uma mensagem sobre amor eterno. O amor é uma coisa que sobrevive à morte, não é? - Jihyo disse. Como Namjoon virou o rosto para encarar a pista, a mulher encerrou o discurso com um tom mais leve - Eles eram românticos!

A assistente soltou uma risadinha contida, que não soube interpretar como ironia ou encantamento pela ideia. Namjoon até pensou em debater, mas só fez abrir a janela, deixando ar poluído da cidade entrar no carro. O vento ao menos o distraía de seus próprios pensamentos.

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