3

124 21 0
                                    

3.

Nas primeiras noites, eram pesadelos com o sarcófago, idêntico ao que estudava, se abrindo, sem que jamais visse o que havia dentro dele. Nunca fora muito de sonhos ou pesadelos, nem quando era criança, então o que mais o assustava era o fato de sentir medo em uma situação irreal. Era um homem tão racional que não conseguia compreender aquela sensação tão forte pulsando em si ao simplesmente encarar um artefato antigo. No começo, quando acordava, o fato de ter sentido medo o inquietava, mas ainda conseguia dormir outra vez, apagado pela exaustão que induzia em si com o trabalho.

Depois, os sonhos começaram a ficar elaborados e as sensações ficaram mais diversas. Em algumas noites, o cadáver se levantava de seu descanso milenar, o tecido decomposto que o envolvia se soltando do corpo, revelando a carne parcialmente apodrecida mas ainda viva. A repulsa dominava Namjoon. Ao acordar, tinha que se convencer que tanto o pavor quanto a repulsa eram emoções básicas de seu cérebro mais primitivo diante do desconhecido, e existiam para defendê-lo caso houvesse algum perigo, mas não, não precisava perder o já pouco sono que sentia com aquilo. Tentava dormir outra vez depois dos pesadelos. E por algumas noites, até chegou a conseguir.

O sono tornou-se mais escasso. Era visível que estava mal, e havia dobrado as doses de café para recobrar em seu cérebro exausto e mal cuidado a atenção que precisava para concluir seu trabalho. Jihyo, a sua assistente atenciosa com os colegas - e que suspeitava que nutrisse uma atração por ele apesar de seu comportamento avesso a muitas afetividades - chegou a perguntar o que havia acontecido ao chefe.

– Pesadelos e insônia - respondeu seco e rápido, para voltarem a se concentrar na discussão sobre o alfabeto.

– Foram muito ruins? - Jihyu perguntou, como Namjoon já esperava. Podia ser grosseiro e pedir para ela se concentrar no trabalho, mas não conseguia nunca cortá-la por completo. Não só pelo tom gentil que sempre tinha, mas também porque sabia que aquela habilidade social era importante pra equipe se manter unida, mesmo que ele não possuísse tal manejo.

Quando explicou sobre os pesadelos e a insônia, a mulher insinuou que os sonhos ruins pudessem ter conexão com o espírito preso àquele corpo. Como é que alguém, e ainda por cima tão próxima à ciência, podia acreditar naquelas coisas? Não fazia o menor sentido!

– Sonhos são só imagens que vêm à tona quando o cérebro usa o sono para retirar as memórias e informações do lugar - elaborou Namjoon, gesticulando - para depois organizar o conhecimento em seus arquivos. Por isso eles são tão incoerentes, mesmo que as imagens sejam familiares. Eles podem até parecer uma história lógica, mas não são.

Namjoon argumentou convicto. Aquela justificativa lógica dava sentido também aos sonhos que se seguiram.

Língua dos SonhosOnde histórias criam vida. Descubra agora