1. The first Halloween

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_ Outono de 2014 _

Havia uma ventania absurda do lado de fora da pequena cafeteria. Ventos fortes e sonoros cortavam as ruas da cidade com todo o vigor, levando poeira e folhas secas para toda parte. Ao que constava a Seokjin, não era exatamente um padrão no outono, mas naquele ano as coisas estavam um pouco distorcidas. Além de um tempo completamente revoltado — resultado, entre outros, do tal aquecimento global —, haviam alguns problemas mais diretamente ligados à ação, ou melhor, omissão do ser humano. A cidade em que se estabelecera havia pouco tempo estava sofrendo um período de apagão elétrico constante, provavelmente culpa dos gestores que não estavam se dedicando muito aos seus trabalhos. Em dias como aquele era praticamente certo que, em breve, tudo se desligasse. E a julgar pelas nuvens cinzas e pesadas no céu, seria como estar no meio da noite escura em plena tarde de outono.

Escorado no balcão de vidro, com a cabeça apoiada na mão, Seokjin observava o movimento das folhas rodopiando na rua, sendo lançadas ao solo e, se chocando contra a porta e as janelas do estabelecimento. O movimento na cafeteria era sempre muito pequeno, e se tinha conseguido o emprego era porque a senhorinha dona do lugar tinha simpatizado com seu jeito educado e seu sorriso de galã de drama. Não fazia quase nada o dia todo, porque a cidade diminuta tinha poucos habitantes que, em geral, faziam seus próprios doces e cafés em casa. Um ou outro morador, geralmente jovens e pessoas que trabalhavam em cidades vizinhas, iam ao café pelo período da manhã, antes de suas jornadas, ou quando estava anoitecendo, no regresso ao doce lar. Entre esses horários, Seokjin pouco ou nada tinha a fazer. A sua rotina como atendente do local vinha se mostrando bastante estabelecida, e já tinha se habituado a ela, quando ela foi perturbada.

A perturbação era promovida por um jovem alto e bonito que todos os dias, depois do horário do almoço, entrava ali cheio de livros e cadernos, se sentava na mesinha mais isolada de todas e ficava lendo e escrevendo até anoitecer. Sempre pedia dois pãezinhos doces e uma xícara grande de chocolate quente com chantilly, ou duas fatias de bolo confeitado com estrelinhas coloridas e um copo enorme de café com creme e gelo, bem adoçado. Passava horas se alimentando com esses itens de forma lenta, pedacinho por pedacinho, golinho por golinho, entre leituras e rabiscos. Nunca pedia água ou algo salgado para balancear a explosão de açúcar com a qual se presenteava. E com exceção do "boa tarde" sorridente acompanhado de seu pedido habitual, não trocava mais nenhuma palavra com o atendente.

Seokjin já tinha se acostumado com a "presença quase ausente" do sujeito na lojinha, durante a tarde. Já tinha decorado a maneira com que ele lia, de testa franzida e muito compenetrado. O jeito com que retirava pequenos bocados dos pães ou doces, sem olhar para o alimento, levando o pedacinho até a boca e fechando os olhos em apreciação. A maneira meio bruta com que segurava a caneta para escrever, e a forma com que fazia as folhas do caderno soarem quando as virava. O sussurro inaudível que reproduzia ao ler para si mesmo, fazendo os lábios volumosos se movimentarem de uma forma atraente. Tinha observado tantos detalhes daquele homem... De tanto o observar Seokjn já se considerava um tanto íntimo dele. E a julgar pela maneira com que o cliente ficava olhando para Seokjin quando pensava que o atendente não estava percebendo, imaginava que ele se sentia um tanto íntimo seu também.

Uma folha bateu mais forte no vidro da janela, fazendo um som relativamente alto que fez Seokjin se desencostar e perder o interesse do lado de fora. Suspirou, dando uma olhada pelo lado de dentro, até que seus olhos encontrassem o tal cliente, que naquela tarde tinha pedido bolo e café. Sorriu ao notar que ele se virou rapidamente para o livro, tentando fingir que não o estava olhando, mas Seokjin sabia que vinha sendo observado por minutos a fio; tinha captado tudo com sua ótima visão periférica. Inventando a necessidade de limpar o balcão, se abaixou e pegou o pano e o borrifador com a misturinha de produtos de limpeza que ficavam por ali, sempre à mão, iniciando o trabalho. Buscava com isso ficar olhando o sujeito e desfazer para ele o constrangimento de ter sido flagrado. Poucos minutos depois, quando estava finalizando a limpeza, uma chuva forte começou a bater com força nos vidros da cafeteria. Em questão de segundos a luz se apagou não só na cafeteria, mas em toda a parte daquela cidade.

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