10. The past in the present

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De volta!

***

Existiam coisas que não se podiam apagar. As vivências que tínhamos. As habilidades adquiridas ao longo dos anos. As lembranças de dias felizes com pessoas amadas. As memórias de dias tristes. A dor da perda de entes queridos. As crises de outrora. As delícias do passado mais recente, ou mais remoto, também. A mente humana era uma caixinha de bombons e, igualmente, uma caixa de Pandora.

Seokjin nunca se esqueceu de nada. Nunca foi capaz de apagar do cérebro tudo o que já tinha feito na vida, todos os sofrimentos que enfrentou, e todas as alegrias que viveu. Por um lado, era bom. Lembrar-se daquilo que fazia mal ajudava a não incorrer no mesmo erro, a tentar escapar de armadilhas similares. Recordar-se do que fazia bem dava alento à alma. Não poucas vezes, Seokjin gostaria de poder esquecer, mas isso não era possível. Tinha sido abençoado — ou amaldiçoado, a depender do ponto de vista — com uma memória excelente, e não apenas em relação à parte consciente de sua mente. Suas memórias motora e involuntária também eram de alta qualidade. Não se esquecia de nada. Das pessoas que magoou, dos que machucou, fatalmente ou não. Dos que chegou a amar. Dos que odiava. Assim como nunca conseguiu se desfazer de seus talentos, se assim os poderia nomear. Podia sobreviver por semanas a fio num ambiente hostil. Era capaz de suportar grandes torturas físicas e psicológicas sem esmorecer. Estava sempre atento, ainda que num momento de total descontração. Se tinha nascido assim, ou se ficara assim graças ao que viveu com a Família, não teria como precisar. Fato era que sua mente era incansável, em todos os aspectos. E, apesar de às vezes se condenar por isso, tinha aprendido não só a conviver, como a apreciar. Se não podia se livrar de algo, o jeito era se tornar amigo daquilo.

No entanto, naquele exato momento, gostaria de ter se esquecido de algumas coisas. De suas habilidades. Do quanto tinha traumatizado Jimmy. E de tudo o que tornaria possível o que acabaria por fazer com ele.

Enquanto dirigia para o local em específico, ia pensando no quanto algumas pessoas tinham o talento para uma vida de crimes, e outras, não. Seokjin acreditava que estava no primeiro grupo. Em seus tempos como Jeremy, jamais tinha sido pego. Nunca tinha feito um único serviço mal feito, ou pela metade. Não que se orgulhasse, mas um fato continuava sendo um fato, gostando ou não. Seokjin era realmente muito bom vivendo aquela vida. Não à toa os rumores de que seria o sucessor principal do Appa surgiram. E aceitou tudo isso, por anos. Entretanto, com o passar do tempo, Seokjin não quis mais esse destino. Desde que tirara a garotinha que virou Janie de sua rota natural e a enfiou dentro daquele espiral, algo se quebrou nele. Nunca tinha sido muito feliz na Família, mas tinha abraçado seu fardo. Aceitou que era a vida que podia viver, e a vivia da melhor maneira possível. Estar com seus irmãos ajudava muito no processo. Contudo, depois de se sentir responsável pela destruição do futuro de uma criança de forma direta, não conseguiu mais fazer as pazes com o ser que era. Tinha que escapar, tentar de novo, se reinventar. E foi assim que fez seu último trabalho como Jeremy: roubou a identidade de um menino desafortunado que não tinha vivido muito e saiu daquilo tudo. Por um longo período tinha feito um bom trabalho. Agora tinha sido descoberto, mas, ainda assim, não se podia negar que tinha sido competente e eficaz até o derradeiro segundo de vide de Jeremy.

O mesmo não se podia dizer de Jimmy.

Havia aquela segunda categoria de criminosos que estavam ali por qualquer outro motivo, menos vocação. A maioria das crianças da Família entravam nesse grupo. Muitos se tornavam apenas suficientes, jamais alcançando o status de melhores em seus ramos. Verdadeiros peões, usados e abusados pelos Reis e Rainhas do tabuleiro. Outros nem chegavam a crescer o bastante para questionarem suas próprias existências. Jimmy fazia parte dessa equipe de desafortunados. Desde que ele entrara para o Centro de Treinamento da Família, Seokjin foi capaz de dizer. Infelizmente, ele era bom em determinar quem se daria bem ali ou não. Quase nunca se equivocava. Mas sempre fez seus julgamentos calado, porque sabia muito bem qual era o destino das crianças e adolescentes que não se adaptavam. Não poucos dos que iam parar ali eram criminosos, mas a maioria deles era como um dia Seokjin fora. Eles não tinham outra escolha senão cometer pequenos crimes e ter pequenos vícios para tentar sobreviver à margem de uma sociedade que não os queria bem. Para Seokjin, eram praticamente todos inocentes, empurrados para uma sina ruim contra suas vontades. Nunca aceitou bem a ideia de ver inocentes sendo punidos. Não tinha receios quanto aqueles que eram tão bandidos quanto ele próprio, mas mantinha certa ética quando se tratava de pessoas que não tinham nada a ver.

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