_ Inverno, final dos anos 90 _
Estava morrendo de fome. Quantos dias desde a última vez que tinha comido algo decente, que realmente fizesse peso no seu estômago? Seokjin nem sabia contar direito, não tinha como ter certeza. Só sabia que estava faminto, e tinha que arrumar uma forma de se alimentar, rápido.
Pedir que alguém lhe desse algo para comer não era muito efetivo. A maioria das pessoas não queria que um garoto imundo como ele se aproximasse delas. Igual situação se dava com estabelecimentos e restaurantes. Ninguém queria ter um menino na sua condição por perto. Seu pai, antes da travessia, dizia que no Sul teriam melhores oportunidades, que tudo seria melhor, mais fácil, menos sofrido. Não era isso, porém, que Seokjin vinha vivenciado. A única diferença que conseguia fazer, no alto de sua experiência como criança de nove anos de idade, era que no Norte as mazelas eram impostas por um pequeno grupo poderoso; no Sul, eram escolha de uma maioria que parecia não se importar com quem sofria.
Talvez não tivesse a ver com os outros, mas consigo próprio. Talvez fosse porque era um azarado. Os pais foram levados de volta, e a irmã não conseguiu sobreviver às intempéries das ruas. O orfanato no qual foi parar era o próprio inferno, voltar para lá estava fora de cogitação. Nem mesmo o fato de terem ao menos um pão seco com chá todos os dias valia a pena passar pelo o que era forçado a passar por lá. As ruas eram a sua melhor opção, mas nem por isso eram uma boa opção.
Ficou escorado na parede de um complexo de lojas, olhando o movimento das pessoas. Sempre havia muita gente, e ele sempre parecia ser invisível para todo mundo. Só se tornava visível quando tentava pedir alguma ajuda; tornava-se, também, indesejado. Aos poucos foi se chegando para a entrada, até ficar numa parte estratégica da passagem. Apesar da fome esperou com paciência, até que a oportunidade apareceu. Respirou fundo, mirou seu alvo e saiu correndo, como se sua vida dependesse disso — e talvez dependesse mesmo. Esbarrou numa mulher e segurou sua bolsa com toda a força, conseguindo a arrancar de suas mãos. Virou o corpo franzino para o outro lado e continuou a sua corrida, sem olhar para trás. Agarrado à bolsa, ia acelerado entre pessoas e ruelas, até que estivesse bastante longe do local do furto. Procurou um local onde pudesse se sentar um tanto escondido, e quando o encontrou, começou a revirar a bolsa.
Odiava quando tinha que chegar nesse ponto, mas desde muito cedo precisava agir assim, e não havia muito o que fazer. No Norte os furtos eram de remédios e comida, e no Sul, de dinheiro. O objeto mudava, mas a finalidade de ambos era sempre a mesma: conseguir provimentos mínimos para subsistência. Revirou a bolsa e tirou dela todas as notas e moedas que encontrou, enfiando em seus bolsos. Deixou a carteira com os documentos, um molho de chaves e cadernos ali, se levantando e andando abraçado com a bolsa até achar uma delegacia. Jogou o acessório na calçada da frente e saiu correndo outra vez, com um pouco menos de velocidade, para evitar ser pego. Se tudo desse certo, a mulher recuperaria seus pertences, e Seokjin poderia fazer uma refeição e comprar uma muda nova de roupa. A que usava fedia demais até para seus padrões, já era hora de trocar.
Deu uma boa caminhada até chegar na feira. Podia ter parado numa lanchonete ou barraquinha para comer, mas estava fedido e sujo de verdade, iriam escorraçá-lo antes que pudesse abrir a boca para pedir algo. Na feira era diferente. Nenhum cliente notava seu cheiro ruim, nenhum vendedor se recusava a lhe atender, ninguém ligava para a origem de seu dinheiro ou para o fato de que não estava acompanhando de um adulto. As relações dentro das feiras eram muito próprias, e benéficas para alguém como ele.
Nas barracas comprou uma camiseta nova, uma calça, uma cueca, um par de meias e um cobertor. Os chinelos teriam que esperar um pouco mais. Pegou algumas porções de legumes, arroz e frango, bolinhos doces de arroz e uma garrafa grande de água. Foi para a rodoviária e pagou algumas moedas por um pedaço de sabão e o direito de tomar banho no banheiro de lá. Jogou a roupa velha fora, e se sentindo limpo e novo, foi para uma praça em que tinha área coberta para sentar e comer. Enquanto comia viu um senhor deitado embaixo de uma árvore, e mesmo com a pouca idade, soube reconhecer um dos seus. Aproximou-se dele e perguntou se ele não queria um pouco de comida e água, e o homem aceitou. Comeram juntos, e o sujeito contou para ele um resumo de toda a sua vida durante a refeição. Falou que tinha vindo do Norte, e que até os dias atuais precisava ficar abaixo do radar, fugindo. Seokjin não disse que também era de lá. Preferiu escutar tudo calado, aprendendo o que poderia aprender com o homem. Quando já não tinha comida nem água, pegou sua sacolinha com as meias e o cobertor e se despediu, indo em buscar de um lugar que pudesse ficar para dormir.
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Tricks and threats
FanfictionEra para ser mais um dia comum na vida de Seokjin e Namjoon. Devia ser apenas mais um Halloween a ser comemorado na escolinha da filha, com fantasias mal feitas, os biscoitos amanteigados e temáticos de Seokjin, e os atrasos costumeiros de Namjoon...