Angélica Lovietcha

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Angélica sempre soube viver sozinha e na vida adulta sua única companhia além dos casos que precisava estudar era Milan,um gato persa branco e cinza de olhos amarelados,o último presente dado pela mãe já falecida. O gato era sua única ligação afetuosa desde que seu noivo Bishop morreu com um tiro na cabeça em um ataque terrorista enquanto fazia a cobertura de um evento em Londres. A dor do luto a fez levantar todos os muros que o homem passou dois anos para derrubar e sua dedicação total a carreira virou novamente um refúgio seguro contra tristeza. Assim como  suas roupas caras e unhas pontudas eram sua armadura já bem conhecida e confortável para esquecer o luto.

Angelica conhecia seus defeitos, suas qualidades e camuflava o medo como ninguém e quando percebeu o poder de demonstrar pouco ou quase nada,se tornou imbatível. Ao menos olhando a vida com tamanha dedicação, ela sentia que afastava a saudade e quitava a dívida moral que tinha com sua mãe Yelena ,que precisou segurar as pontas e trabalhou duro por anos  para que ela tivesse uma boa educação,depois do sumiço do marido que apareceu anos depois algemado em uma foto do jornal.

A desculpa de retribuir tudo que lhe foi feito dando o melhor de si sem titubear estava trazendo resultados,visto as gratificações pagas todo começo de mês em sua gorda conta bancária. E ainda que o dinheiro não apagasse a dor de ter perdido Yelena e Bishop,ao menos aquilo era a prova de que ela estava seguindo em frente.

Tal fanatismo pelo crescimento profissional e as noites em claro dedicadas a seu trabalho não lhe rendiam apenas bons grados. Uma espécie de bullying acontecia nos corredores do escritório e apelidos como:"mandona","viciada em trabalho" e "solteirona" eram comuns e suposições sussurradas em histórias mentirosas onde ela estava transando com juízes, desembargadores e promotores também surgiam, mas nada disso a abalava, não quando estava em sua melhor versão,seu externo blindado pelos cabelos longos e andar confiante não permitiam que palavras a machucassem. Com a vivência daqueles trinta e dois anos ela conseguia suportar. Além disso, apelidos e olhares como os que recebia naquele antro de hienas famintas chamado de escritório, foram conhecidos por ela durante toda infância, já que ter um pai que foi de influente senador a condenado por homicídio não tornou as coisas fáceis para ela no colégio e sempre que a história renascia ela era atingida. Ninguém jamais se importou em saber a verdade ou perguntou há quanto tempo ele não entrava em contato com a família, apenas a taxaram de filha de um assassino. 

Ao menos na vida adulta, ela superava tudo com ternos ainda mais caros e saltos ainda mais altos, a aparência era uma ótima jogada para resolver as situações, ela queria ter sabido disso durante a adolescência.Assim, toda vez que andava pelo tribunal, em uma delegacia ou pelo prédio de seu trabalho ela provava a sí mesma que aguentava o tranco e que a vida podia lhe  passar o desafio que fosse, que a mulher que era agora, aceitaria de bom grado e deixaria a menininha chorona e assustada de óculos e aparelho que já foi um dia orgulhosa pela força que ela desenvolveu.

—Doutora Lovietcha?

Angélica tirou os olhos da tela e estalou o pescoço vendo Arina,sua estagiária, entrar na sala. Aquela não era a primeira vez que Arina precisava tirá-la da sala para comer, a garota tinha percebido que quanto mais fundo ela entrava nos casos, menos tempo para comer e atividades sociais existiam

—Eu vou almoçar depois de você, prometo!—Disse ao voltar a digitar o acordo de um de seus clientes com a promotoria

—Não vim te chamar para comer!—Disse Arina com um olhar culpado ao abrir o paletó, segurar o vestido e sentar de frente para Angélica que ainda com os cotovelos apoiados na mesa a encarou —Tem uma mulher grávida que me seguiu até o banheiro do restaurante e disse que queria conversar com você

Angélica arrumou a postura e fechou o paletó azul —Mulher no banheiro? —Arina anuiu—Diga a ela que se precisar de representação jurídica o ideal é...

As Justiceiras - Série Crianças de MoscouOnde histórias criam vida. Descubra agora