As Coisas Que Nunca Sentimos

O lanche nada prazeroso

Nathan arqueou a sobrancelha quando chegamos perto, e a Júlia abriu um grande sorriso. Conseguia ver estampado em seus olhares um grande "quem diabos são elas?", tenho certeza que para eles que me conhecem há anos o meu rosto transparece completo terror.

Não sei o que devo fazer então só as apresento:

― Elisa, Kátia e Lara. Esses são meus melhores amigos Nathan e Júlia.

Elisa é a primeira a se sentar e seu semblante beira ao completo tédio, Lara se senta do seu lado apoiando a mão no queixo seus olhares caminham entre meus dois amigos. O que ela está pensando? Será que está comprando essa farsa?

Uma parte de mim quer tanto que ela esteja caindo na mentira pra que esse não seja o momento em que descubra a verdade. Esse não pode ser o momento. Tem que ser no lugar apropriado, com as palavras corretas. Tem que ser de uma forma que talvez sobre um resquício de vontade de me perdoar. Isso quer dizer que eles não podem contar nada agora.

― Amigos da Agatha, eu sou a Lara.

Que droga, agora que tudo vai ir por água abaixo... Meus melhores amigos me encaram e eu tento suplicar com o olhar para que me acompanhem.

― Prazer ― fala Júlia com um sorriso ― Vocês vão comer com a gente?

― Sim, por favor ― diz Kátia sentando

Engulo em seco e nos ajeitamos na mesa, minhas mãos suam frio para caramba e uma pontada no meu estômago me faz ter a realização de que não vou conseguir comer tão cedo.

― Então vocês tão passando as férias aqui? ― pergunta Lara

― Sim, faz umas duas semanas ― fala Nathan ― Aconteceu tanta coisa que acho que vamos voltar pra Brasilia totalmente diferentes

Nesta última parte ele me encara, consigo sentir sua decepção vindo em minha direção.

― O que você quer dizer...

A corto:

― Vocês não pediram ainda, querem ir comigo? ― pergunto para as meninas

― Já pedimos pra você, Ma...Agatha ― Júlia gagueja

― Certo

Abro um sorriso nervoso. Kátia está do meu lado e não parece animada.

― Acho que devemos ir pedir então ― ela fala

As meninas então se levantam para irem fazer seu pedido.

― Que porra é essa Maia? ― exaspera Nathan

― Eu fiz uma grande merda e só preciso que vocês me cubram hoje, ok? ― falo rapidamente ― Eu prometo que vou resolver

― Que tipo de merda? ― pergunta Júlia

― Das grandes

― Desembucha, Maia, to com 0 paciencia

― Talvez eu esteja fingindo ser outra pessoa ― falo de uma vez

―É o que?! ― os dois dizem em uníssono

― Falem baixo ― olho em volta ― Tudo começou na festa e eu meio que perdi a cabeça e pensei que só ia ver Lara uma vez

― E decidiu mentir? Pra gente e pra elas?

Nathan e eu fomos forçados a mentir muito cedo sobre certas coisas que envolviam principalmente a família dele. Uma mentira ali, outra lá e nunca importava se a gente se sentia bem com isso ou não.

Ele é o filho de ouro e eu o projeto de caridade, sempre tentando manter as boas aparências para as outras pessoas não importando se a gente concordava ou não com tudo. Nunca vi meu melhor amigo chorar de verdade, por saber que ele sempre suprimiu tudo para manter a faceta, a única vez que o vi chegar ao ponto foi quando sem querer enquanto estávamos no meio de uma gravação para uma live no instagram pegamos o seu pai conversando com um dos caras que tinha acabado de ser pego em um escândalo de corrupção e tivemos que fazer algumas entrevistas para os jornais locais em seguida para mentir e dizer que nunca vimos aquele homem em nossas vidas.

Acho que nunca o vi tão chateado, por que no fim esperou que o seu vídeo o trouxesse aos sensos e a verdade viesse à tona. Eu o assisti perder a única esperança de que seu pai fosse decente. Nathan me procurou de madrugada naquela época uma vez e pediu um abraço, nunca tinha sentido me apertar tão forte e eu nunca o vi tão vulnerável.

Então é obvio que minha mentira o afeta e muito. Consigo ver em seus olhos e é doloroso perceber que a culpa é totalmente minha e eu me odeio, preciso acabar com isso, mas preciso estar a sós com ela.

Espero que ele entenda.

― Eu sou uma babaca e eu sei, mas só preciso de um tempo ― peço

― Maia, eu não sei não... ― fala Júlia

― Então vocês sempre foram da capital? ― perguntou Kátia sendo a primeira a estar de volta ― Filhos de políticos?

― Não, meu pai é empresário ― diz Júlia com um sorriso forçado ― Já os dos dois pode-se dizer que sim, eu acho

― Eu acho? Que tipo de resposta é essa? ― disse Elisa sendo a próxima a sentar rindo ― Mas faz sentido, eu acho

― Bem, minha mãe é ceo uma gravadora ― disse Lara ― Ela agencia cantores de sertanejo universitário

Nos sentamos e conversamos por um tempo, mas tudo parece completamente fora da minha realidade, como se eu estivesse desconectada do mundo por aqueles momentos. Estamos terminando de comer e as meninas estão em uma conversa animada quando Nathan limpa a garganta e chama atenção para si.

― Nossa amiga Maia ― congelo enquanto Nathan continua falando ― Está esperando a gente em casa, então talvez seja a nossa hora

― E ela não veio por que? ― diz Lara ― Ela tá se sentindo bem?

― Não muito, por isso ficou em casa ― responde Júlia

― Precisam ir mesmo? Não podemos ligar pra ela vir pra cá? ― pergunta Lara colocando uma mecha de cabelo atrás da orelha ― Se não for pedir muito, claro.

― A verdade é que Larinha quer passar mais tempo com a Agatha ― diz Elisa segurando uma risada ― Não é fofo?

Lara lhe dá um tapa de leve em seu ombro e sorri de canto.

― Só acho que... Seria legal a gente se conhecer mais, quem sabe ir no boliche?

― Não queremos deixar a Maia sozinha, ela pode ficar chateada de ser deixada de lado. ― Júlia responde por mim

― Isso, ela não gosta quando deixamos de contar as coisas pra ela, sabe? ― diz Nathan com os braços cruzados e com uma risada seca ― Não que isso seja deixar de contar algo pra ela, mas vocês entenderam

― Tudo bem ― fala Lara ― A gente se vê depois então, eu espero

Nos levantamos e nos despedimos. Quando nos viramos para ir embora o silêncio nos abateu e agora eu tenho a total certeza de que estraguei tudo.