— três meses depois —
O pincel deslizava pela tela. As cores misturavam-se, dando uma certa delicadeza àquela tela inacabada de tamanha beleza. Ele deslizava, mostrando aos poucos, as formas humanas que aparentavam dançar em meio a um grande salão oval. Meus olhos vagam pela janela afora, o sol fazendo-se presente perfurando aquele azul bebê com sua cor alaranjada. Checo o relógio ao meu lado, 5:55 A.M.
Descanso o pincel quase sem tinta dentro do fino pote de vidro com água e tomo em minhas mãos a caneca de chá que emanava aquele gostoso aroma de cidreira. Bebo um gole e a apoio de volta na mesinha ao lado do relógio para enfim minhas mãos voltarem a trabalhar na tela à minha frente. Enfrentávamos o frio, o inverno que chegara em Dezembro, logo se encontrava no fim em meados de Março. Sentia meu corpo arrepiar-se sempre que o vento gélido entrava em contato com a minha pele, mas nem a pior das tempestades faria com que minhas mãos parassem de trabalhar. Não quando a memória estava viva em minha mente, como se estivesse acontecendo agora, diante de meus olhos.
Escuto o barulho das longas portas se abrindo, mas não movo minha cabeça. Sabia quem era. Ninguém, a não ser por Kara e eu, atrevia-se a entrar nesse quarto. Foi um presente dela para mim, muito antes de termos qualquer tipo de envolvimento. As pessoas no palácio reconheciam esse espaço como meu, uma área restrita somente à nós duas. Eliza quem deixara perfeitamente claro para todos de que aqui, era um ambiente interdito, como se o ateliê de pinturas fosse uma espécie de santuário particular. Mesmo depois de meses, ainda fico maravilhada por seu atencioso gesto.
Mãos circulam minha cintura e um sorriso brota imediatamente em meu rosto. Me viro somente para encontrar olhos azuis divinamente claros cheios de amor.
— Bom dia — sua voz rouca se faz presente e me arrepio quando percebo um aperto em meu quadril.
— Bom dia, querida — a beijo, minhas mãos descansando em volta do seu pescoço.
— Senti sua falta na cama — exclama.
— Desculpe meu amor, o sentimento de pintar tomou conta de mim... a ansiedade não me deixava dormir — sorrio.
— Anda pintando muito de algumas semanas para cá — fala, admirando a tela.
E ela não estava errada. Realmente andava pintando mais do que o normal. Algo dentro de mim gritava para expor as memórias que passei com ela. Kara de alguma forma tornou-se meu poço de inspiração. A paixão, linda e profunda que emanava de ambas as nossas partes, me deixava sobrecarregada, no bom sentido claro. Todos os momentos, dos mais simples aos mais sedutores, clamavam por libertação. Pintar nosso relacionamento tem sido como um bálsamo em meio à tanta correria que passamos durante esses meses.
As preparações para o casamento, o escritório de arquitetura, a gerência da L-Corp e uma "enorme e perfeita surpresa", como Kara gosta de chamar toda vez que a pergunto sobre o assunto, têm tomado todo o nosso tempo. Felizmente toda essa desordem tinha chegado ao fim. Os contratos pareciam ter se estabilizado e minhas idas à L-Corp limitaram-se apenas a três vezes na semana. Kara parecia estar menos ocupada com seus projetos e alegou semana passada de que a "surpresa" estava pronta.
— Mal posso esperar para te tornar Lady Danvers — sorri.
— E eu mal posso esperar para ser sua esposa — sorrio antes de beijá-la.
— Trouxe seu café, minha linda — fala e somente então me toco de que um carrinho metálico estava estacionado, não muito longe de mim.
Como sempre, minha loira linda havia preparado o café da manhã, mas infelizmente, pelo que pude notar, ele era exclusivamente para mim. Não tinha a sua xícara de café e dos talheres só tinha um par. Entretanto, não posso deixar de sorrir com o jarro de flores lindamente posicionado ao lado do omelete deveras suculento.
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A estação
Fiksi PenggemarLena é uma mulher completamente segura de si, mas completamente insegura quando o assunto é amor devido a acontecimentos passados. No auge dos seus 27 anos, Lena sai de Paris, sua terra natal, para enfim encarar a gerência da maior sede da empresa d...