XIV

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 – Ele deve ter alcançado – disse Lily Briscoe em voz alta, sentindo-se de súbito totalmente esgotada. Pois o Farol se tornara quase invisível, dissolvera-se numa névoa azul, e o esforço de olhá-lo e o esforço de pensar nele chegando lá, que pareciam ambos um esforço só, haviam-lhe distendido ao máximo o corpo e a mente. Ah, mas estava aliviada. O que quisera lhe dar, fosse o que fosse, ao deixá-la esta manhã, finalmente conseguira dar.

– Chegou – disse em voz alta. – Está terminado.

Então, surgindo de surpresa, bufando de leve, o velho sr. Carmichael se pôs a seu lado, parecendo uma velha divindade pagã, desgrenhada, com algas nos cabelos e o tridente (era apenas um romance francês) na mão. Pôs-se a seu lado no final do gramado, oscilando um pouco o corpanzil, e disse sombreando os olhos com a mão:

– Devem ter chegado – e ela sentiu que estava certa. Não tinham precisado falar. Estiveram pensando as mesmas coisas e ele lhe respondera sem que lhe tivesse perguntado nada. Ele estava lá de pé estendendo as mãos sobre toda a fraqueza e o sofrimento da humanidade; estava examinando tolerante e compassivo, pensou ela, o destino final de todos eles. Agora ele coroava a ocasião, pensou ela, naquele instante em que lhe caía a mão, como se o visse deixar cair de sua grande altura uma coroa de violetas e asfódelos que, adejando lentamente, por fim pousou na terra.

Como se alguma coisa ali a chamasse, voltou depressa à tela. Ali estava – seu quadro. Sim, com todos os seus verdes e azuis, suas linhas transversais e verticais, sua tentativa de chegar a alguma coisa. Ficaria pendurado no sótão, pensou; seria destruído. Mas que importância tinha?, perguntou a si mesma, retomando o pincel. Olhou os degraus: estavam vazios; olhou a tela: estava borrada. Com uma intensidade súbita, como se a visse claramente por um segundo, traçou uma linha ali, no centro. Estava pronto; estava terminado. Sim, pensou, depondo o pincel com extrema fadiga, obtive minha visão.

Ao Farol (1927)Onde histórias criam vida. Descubra agora