III

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 Ela parecia ter se encarquilhado ligeiramente, pensou ele. Tinha um ar um pouco mirrado, esfarripado; mas não sem atrativos. Gostava dela. Uma vez correra uma história de que ia se casar com William Bankes, mas não deu em nada. Sua mulher tinha sido muito afeiçoada a ela. E também ele tinha se destemperado um pouco no desjejum. E então, e então – agora era um daqueles momentos em que lhe vinha uma enorme necessidade, sem que soubesse o que era, de abordar qualquer mulher, de obrigá-las, não importava como, tão grande era sua necessidade, a lhe dar o que ele queria: compaixão.

Estava sendo bem atendida?, perguntou. Tinha tudo do que precisava?

– Oh, sim, tudo, obrigada – respondeu Lily Briscoe com nervosismo.

Não; não conseguiria fazê-lo. Devia ter embarcado imediatamente em alguma onda de extroversão e simpatia; a pressão sobre si era enorme. Mas ficou travada. Houve uma pausa horrorosa. Ambos olharam o mar. Por que, pensou o sr. Ramsay, ela olha para o mar quando estou aqui? Ela esperava que o mar estivesse calmo o suficiente para chegarem ao Farol, disse. O Farol! O Farol! O que uma coisa tem a ver com a outra?, pensou ele impaciente. Imediatamente, com a força de algum assomo primordial (pois ele realmente não conseguia mais se conter), escapou-lhe um tal gemido que qualquer outra mulher do mundo teria feito alguma coisa, dito alguma coisa – todas, menos eu, pensou Lily num amargo escárnio de si mesma, que não sou uma mulher, mas presumivelmente uma velha solteirona implicante, rabugenta, ressequida.

O sr. Ramsay suspirou fundo. Esperou. Ela não ia dizer nada? Não via o que ele queria dela? Então disse que tinha uma razão especial para querer ir ao Farol. Sua esposa costumava mandar coisas aos homens. Havia um pobre menino com tuberculose no quadril, o filho do faroleiro. Suspirou profundamente. Suspirou significativamente. A única coisa que Lily queria era que essa enorme torrente de dor, essa insaciável ânsia de compaixão, essa exigência de que ela se rendesse totalmente a ele, e mesmo assim ele teria dores suficientes para mantê-la abastecida para todo o sempre, fosse embora, se desviasse (continuou olhando a casa, na esperança de uma interrupção) antes que a arrastasse em sua correnteza.

– Tais expedições – disse o sr. Ramsay, raspando o solo com a ponta do pé – são muito penosas.

Ainda assim Lily continuou em silêncio. (Ela é de pau, é de pedra, disse consigo mesmo.)

– São muito cansativas – disse olhando, com um olhar lânguido que lhe deu náuseas (ele estava fazendo cena, sentiu ela, este grande homem estava fazendo teatro de si próprio), as belas mãos dele mesmo. Era horrível, era indecente. Não chegariam nunca?, indagou-se, pois não conseguiria aguentar essa carga imensa de dor, sustentar essa pesada roupagem de sofrimento (ele tinha adotado um ar de extrema decrepitude; chegou a cambalear um pouco ali de pé) nem por mais um instante.

Ainda assim não conseguiu dizer nada; o horizonte inteiro parecia despido de qualquer possível objeto de comentário; só conseguia perceber, atônita, enquanto o sr. Ramsay estava ali parado, como seu olhar parecia pousar na grama ensolarada tão pesaroso que lhe desbotava a cor e lançava sobre a figura rubicunda, indolente, totalmente satisfeita do sr. Carmichael, lendo um romance francês numa espreguiçadeira, um véu de crepe, como se tal existência, ostentando sua prosperidade num mundo de desventura, bastasse para despertar os mais tristes dos pensamentos. Olhe para ele, parecia dizer, olhe para mim; e de fato estava sentindo o tempo inteiro, Pense em mim, pense em mim. Oh, se aquele corpanzil ao menos passasse por eles, foi a vontade de Lily; se ao menos tivesse armado o cavalete um ou dois metros mais perto dele; um homem, qualquer homem, estancaria essa efusão, deteria essas lamentações. Uma mulher, tinha sido ela a provocar esse horror; uma mulher, saberia como lidar com isso. Era um descrédito imenso para ela, sexualmente, ficar ali calada. Alguém disse – o que disse? – Oh, sr. Ramsay! Pobre sr. Ramsay! Era o que aquela boa e velha senhora que desenhava, a sra. Beckwith, teria dito na hora, e estaria bem dito. Mas não. Estavam parados lá, isolados do resto do mundo. A imensa autopiedade dele, sua exigência de compaixão jorrava e se espraiava em poças aos pés dela, e a única coisa que ela fazia, miserável pecadora que era, era arrepanhar um pouco a saia em volta dos tornozelos para não se molhar. Ficou ali parada em silêncio completo, segurando o pincel.

Ao Farol (1927)Onde histórias criam vida. Descubra agora