[👑] Eridanos

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— Libe, você já imaginou um mundo no qual eu não sou um doente?

A noite estava fria, azeda, o céu continha poucas e opacas estrelas, cobertas por nuvens de fumaça espessa e cinzenta, e o vento assoviava feito caipora na floresta, arrepiando os pelos do príncipe.

O adorável gato manchado, de olhinhos brilhosos e cor de esmeralda, descansava na enorme e macia cama do dono, encorujadinho feito uma galinha e com as orelhas em pé, atentas, ouvindo os resmungos do amigo ruivo. As pálpebras piscam em ato preguiçoso, meio debochado, e o bichano não faz esforço para prender um sorriso, cansado e cheio do falatório incessante do humano. Ele não cansava nunca? Só sabia falar e falar e falar, o dia inteiro. Que coisa chata!

— Às vezes, eu deito pra dormir e fico pensando em um mundo todo diferente. Um no qual eu sou saudável e livre, um em que meus pais são legais comigo e me amam de verdade. Um em que eu não sou tão solitário e sozinho.

O menino ruivo estava enfadonho, chateado, com biquinho na boca e olhar amuado, perdido. Não quis observar o céu com o telescópio bonito e ficou bem irritado com as amigas estrelas por seu completo abandono, todos escondidas atrás das nuvens tranquilas, tímidas e antissociais. O dia não foi muito bom, e a noite parecia ainda pior.

— Você acha que as coisas seriam melhores? Ou eu apenas teria problemas diferentes? Ou até piores? — ele vira o olhar para Libe e torce o biquinho, curioso e pensativo, as íris tristes e pesadas, cenho franzido. — Eu fico pensando demais, talvez devesse apenas aceitar o meu destino e seguir em frente. Nada vai mudar a minha história, eu nasci para ficar preso nessa torre pelo resto da vida.

O gatinho boceja outra vez, espreguiçando a coluna para voltar a enrolar-se em torno de si próprio, fechando os olhos e dormindo, ignorando completamente o dono em sua tristeza.

Minnie torce o nariz, fazendo careta para o bichano e virando-se para a janela, emburrado e ainda mais irritado. Seu melhor amigo não queria ouvir os seus lamentos, as estrelas não mostraram o seu brilho e tudo estava uma porcaria. Ele nunca esteve tão infeliz, tão agonizado em sua prisão, o quarto parecia sufocá-lo e o ar tornava-se rarefeito, fazendo os pulmões lutarem para respirar, sem perder o fôlego ou apodrecer em asfixia.

Um suspiro escapa, longo e profundo, sinal de sua mente bagunçada e exausta, caótica, mesclada entre a própria imaginação, devaneios e lembranças ruins. Seu peito dói, os olhos pinicam e um rubor tristonho surge nas bochechas manchadas do rapaz.

— Sabe, eu gostaria de poder visitar a cidade. Papai sempre fala tão bem dela, de todas as coisas incríveis que tem lá, as quitandas, as pessoas, a alegria. Deve ser realmente bom.

Um lampejo de esperança cintila nas orbes violáceas e ele imagina o local, as ruas cheias de gente, as barracas com doces e frutas e comidas cheirosas, as apresentações ao ar livre, o falatório alto e confuso, o céu azul e o Sol raiando sobre as cabeças. Tudo parece incrível, maravilhoso, sinônimo de vida perfeita, de felicidade, de coisas boas. Era simplesmente diferente de sua vidinha pacata e vazia, insossa, repetitiva, insuportável.

As pálpebras caem com pesar e permitem que ele afunde na escuridão, viajando por sua fértil imaginação, conhecendo lugares e pessoas através da mente criativa. Seu coração ressoa alto, firme, alegre, espalhando sangue por todas as veias, elétrico, fluído, brilhando em vermelho-vivo, viscoso.

— Eu também gostaria de falar com as pessoas. Perguntaria os nomes delas, as suas idades, sobre o que gostam e não gostam de fazer. Tenho certeza de que eu faria bons amigos e conhecidos, as pessoas do reino sempre foram legais comigo. — um sorriso estica os lábios rosados, encolhendo os olhos e as bochechas, lindo, tão meigo. — Mamãe diz que todos me adoravam quando eu era bebê, me traziam presentes e me visitavam para desejar benções, saúde e boa vida. Antes, é claro, de eu ficar doente e a rainha proibir a entrada do povo no castelo.

Coroa Manchada | Jikook Onde histórias criam vida. Descubra agora