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Era estranho ouvir a palavra "agressão" sair da boca das pessoas ao seu redor para descrever o que tinha acontecido uma hora atrás. Luca sabia que Sarah o tinha empurrado e atacado Raquel (que tinha se apresentado para ele quando lhe trouxe uma xícara de chá), mas a palavra "agressão" era tão pesada que quase parecia errado usá-la ali.
Felizmente para Luca, suas pernas já tinham parado de formigar e seus braços já se mexiam com mais naturalidade. Seus dedos, no entanto, continuavam tremendo mesmo enquanto o rapaz dava pequenos goles naquele chá de camomila. Os funcionários da Casa de Repouso Golfinho Feliz tinham perguntado se Luca queria ligar para alguém e ele passou o número para a casa de Massimo.
Ele já estava arrependido dessa decisão porque deixar Massimo e seus amigos preocupados era a última coisa que queria, mas não havia como voltar atrás quando um funcionário veio avisá-lo que eles já estavam a caminho.
Luca decidiu então esperar no portão da frente, onde um pequeno banquinho estava montado. Ele tinha deixado seu chá na recepção e, agora sem mais nada para se distrair, já sentia seus pensamentos mergulhando em auto-sabotagem quando notou alguém se sentar ao seu lado.
— Você está bem? - Raquel lhe perguntou. — Tem certeza que não quer fazer um boletim de ocorrência para aquela mulher doida?
Luca assentiu.
— Estou melhor, obrigado. E não, não quero.
Todos dali tinham avisado que seria melhor ir à polícia, mas Luca se negou incessantemente. Um dos motivos era que Sarah era madrasta de Alberto e mesmo com a relação distante e complicada entre os dois, ele não se sentia confortável em denunciá-la. O segundo motivo era que ela era um monstro-marinho e Luca tinha medo do que a polícia da região poderia fazer se descobrisse isso. Dentro de Porto Rosso, ele confiava que os policiais não revelariam aquele segredo, mas no lugar que estava no momento, ele não tinha certeza. Mesmo assim, ele sabia que era estranho deixá-la se safar tão facilmente do que tinha feito.
— Quer uma soda? - Raquel disse oferecendo uma lata. — Infelizmente não temos cerveja no recinto sem ser durante o Natal.
— Hum... não, obrigado. - Luca recusou educadamente. Raquel não pareceu se incomodar e simplesmente abriu a lata bebendo ao seu lado.
Com curiosidade, Luca encarou a mulher ao seu lado, que tomava tranquilamente seu refrigerante enquanto admirava o céu nublado.
Luca também não entendia porque Raquel não tinha ido à polícia por conta própria, já que seus machucados (manchas roxas em suas pernas e braços) eram muito mais aparentes que os dele. Ele achou melhor não perguntar e ficou apenas observando a paisagem em um silêncio estranho junto com aquela desconhecida com quem tinha se conectado por um terrível evento em comum .
Luca se perguntou como deveria ser trabalhar na casa de repouso, num lugar tão afastado da cidade, onde ninguém saberia seu nome e, quem soubesse, não ficaria ali para sempre. Valia a pena viver uma vida assim? Raquel era feliz ali?
Seus pensamentos foram até Lorena e em sua decisão de abandonar o futuro de guardiã para viver em Porto Rosso. Ela disse que tomou a decisão certa, mas como aquilo poderia ser certo? Salvar a si mesma e fugir do mundo. Como alguém poderia ser tão egoísta ao ponto de...
Luca se lembrou de sua avó com ela e Patricia em sua casa. As três amigas inseparáveis. Elas sempre jogavam Pôquer quando seus pais iam viajar e as deixavam tomando conta de Luca na fazenda. Ele se lembrou das risadas, altas e gostosas, que elas devam e dele, ainda pequeno, olhando atrás da porta, com curiosidade e ciúmes. Ele se lembrava de querer ter aquilo. Amigos para dar risadas assim.
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Aquilo Que o Tempo Deixou
FantasyDeterminado a se dedicar aos seus estudos, Luca Paguro passou quatro anos de sua vida longe de Porto Rosso e, consequentemente, longe de Alberto. Diante do estresse em viver em uma boa universidade e manter suas notas altas, uma reação inesperada a...